Um pouco de luz para tempos sombrios
Festival na Praça Mauá ilumina o renascimento da região portuária do Rio
Publicado em 11/2021
O Centro está com tudo! Recentemente, aqui no Zine, já falamos da reabertura do Circo Voador, da inauguração da maior galeria de arte a céu aberto do país e agora fomos acompanhar um festival inovador que ocupa, até o dia 14 de novembro, a Praça Mauá, no coração deste renovado centro da cidade.
É o Ilumina Rio, festival realizado pela primeira vez em terras cariocas que reúne diferentes formas de arte feitas de luz, sombras e projeções. Tudo ao ar livre e com acesso gratuito, num cenário rodeado por museus, bares, espaços históricos e várias outras atrações. Se um rolé naquela área normalmente já é um baita programa, como até a mídia internacional reconheceu recentemente, ao incluí-la na lista dos lugares mais legais do mundo, com o festival a região fica ainda mais iluminada - com o perdão do trocadilho.
Ao longo da praça, estão expostas sete obras, de uma seleção de artistas que resume o próprio espírito do projeto: um encontro de diferentes gerações e de trajetórias individuais distintas. Nomes experientes como a aclamada professora Rosa Magalhães, artista plástica e carnavalesca multicampeã, e o designer Muti Randolph, um dos expoentes da arte digital no Brasil, se unem a jovens artistas como Yhuri Cruz e Agrippina R. Manhattan em um mosaico muito diverso, que produz uma experiência ora reflexiva, ora divertida, sempre curiosa.
“A praça pública tem essa diversidade. Então o festival, que está sediado justamente na praça, também se constitui dessa forma”, explica o produtor-executivo do Ilumina Rio, Robson Vieira, exaltando a curadoria do evento, a cargo do estúdio DELED.
Ele conta que a ideia do festival nasceu há alguns anos, a partir de projetos semelhantes em cidades como Amsterdã e Madrid. Mas é aquilo: entre uma grande ideia e a sua realização, muitas vezes existe um caminho longo de dificuldades. Elas foram em parte superadas e a Urbn, agência especializada em Brand Experience, conseguiu viabilizar o projeto este ano.
Quem nos contou foi o sócio da agência e um dos idealizadores do festival, Júlio Custódio: “A ideia estava engavetada há algum tempo, mas agora, no meio da pandemia, sentimos que era a hora de tirar do papel. Estamos num momento muito difícil para todos e essa seria uma forma de gerar entretenimento às pessoas de forma segura, pois o festival se realiza ao ar livre”.
A Praça Mauá foi escolhida por estar naquele ponto que o criador define como “coração do Rio”. “Para o carioca, ir ao Cristo ou Pão de Açúcar hoje é dispendioso. E os locais de exposição de arte muitas vezes estão na Zona Sul, em áreas mais elitizadas. Queríamos fazer um festival de artes democrático e gratuito, qual o melhor local que não nessa praça? Qual o melhor lugar para receber cariocas de todos os lugares?”, nos explicou Júlio.
Na sexta, quando fomos ao festival, essa diversidade era bem visível, sem precisar de muito esforço para reconhecer: engravatados que saíam dos escritórios da avenida Rio Branco, moradores do entorno, grupos de adolescentes e jovens, frequentadores a caminho dos bares da Prainha... as luzes multicoloridas projetadas na fachada lateral do Museu de Arte do Rio (MAR) ou os pontos de LED ao redor da marca do festival atraíam quem passasse por perto.
O vazio e o barulho
Uma das obras que chamam a atenção nesta primeira edição do festival é construída pelos arquitetos Adriano Carneiro de Mendonça e Antonio Pedro Coutinho, o Doca, do Estúdio Chão. A instalação mistura som, luzes e água, e é impossível passar por ela sem sentir vontade de entrar em contato. Mesmo os mais tímidos acabam se rendendo à curiosidade.
“Pensamos em construir uma espécie de praça dentro da praça, um trabalho que envolvesse o corpo transeunte, não apenas uma peça visual. Ela é um convite público, um chamado para as pessoas se deleitarem, depois de tudo o que a gente passou”, explicou Antônio.
Do outro lado da praça, outra obra chama a atenção, mas não pelas cores, luzes ou gigantismo. Ao contrário. O trabalho apresentado por Yhuri Cruz é mais contido, quase despercebido na escuridão da noite, mas possui imenso significado. Uma obra bonita e forte. Ouvi-lo explicar cada intenção contida no seu trabalho é emocionante.
“É muito especial estar de frente para a Baía de Guanabara, por onde chegaram meus antepassados, é também uma homenagem a eles. Essa é uma obra que dialoga com esse passado, com o presente, com meus familiares, com a história da cidade e do país. Estar de frente para a Baía é encarar a história da cidade”, nos disse.
Toda criação de Yhuri parte de um texto seu. Nesse caso, o poema Noite Faminta, que também dá nome à obra. Quem passa por ela logo identifica a imagem: é uma porta, fechada, negra, situada bem na fronteira entre o mar e a cidade, presença para os que chegam e para os que vão. Feita inteiramente de granito, pode ser um grande túmulo. Mas a rocha também pode representar o tempo, a permanência na história. Ou pode aludir a Xangô, orixá da Justiça. Pode ser tudo isso e mais. A não ser pelo fio de luz que a circunda, demarcando uma espécie de portal, poderia se perder na vista quando a noite cai.
“Parece um contrassenso: nesse festival de luzes, ela está lidando com a escuridão, a ausência de luz, o vazio. Está diluída, quase se confunde com a paisagem. Só percebe quem está atento”, comenta o artista visual, escritor e dramaturgo, nascido em Olaria, no subúrbio do Rio, e morador da Gamboa, nos arredores da Praça.
As obras continuarão expostas todos os dias, até o próximo domingo, dia 14 de novembro, e a dica é conferir o festival durante a noite, quando as luzes se acendem e os trabalhos atingem todo o seu potencial. Durante a semana, a praça estará iluminada até às 22h, enquanto no fim de semana a programação vai até a meia-noite.
E está só começando. Ao menos foi o que nos garantiu o criador e sócio da Urbn, Júlio Custódio. Para o próximo ano, eles já começam a desenhar um festival com ênfase nos artistas negros. E em 2023, pretendem levar a experiência a outros pontos da cidade. “Queremos que entre no calendário anual, o Rio precisa disso. Somos uma agência de experiências e nossa essência é produzir trabalhos que toquem o coração, que conectem as marcas às pessoas e também as pessoas umas às outras. Nada melhor do que levar a essa conexão por meio da arte”.
Em tempos sombrios como o que temos atravessado, não só pela tragédia da pandemia, a arte pode ser a luz que vai nos conduzir para um futuro de menos dor e mais esperança.