Amanhecer Contra a PEC 55 - #OcupaCPII
Por dentro da ocupação estudantil no campus do Colégio Pedro II Engenho Novo
Publicado em 11/2016
Há um mês, boa parte dos alunos do campus Engenho Novo do Colégio Pedro II mal aparece em casa. Estão todos focados na ocupação da instituição, que começou no dia 24 de outubro. O movimento, batizado OcupEN CP2, protesta contra a reforma do Ensino Médio e a PEC 55, que prevê cortes de gastos nos setores de saúde e educação para os próximos 20 anos, propostas do governo Temer.
Desde então, há pouco mais de um mês, dezenas de alunos se revezam na ocupação da escola. No último fim de semana, organizaram o Amanhecer Contra a PEC 55, com 12 horas de programação diversa e aberta ao público: exposição de quadros dos alunos, oficinas de grafiti com alunos, brechó com renda revertida para a ocupação dos alunos e shows de alunos, ex-alunos e de Chico Chico (filho de Cássia Eller), João Mantuano, Duda Brack, Laura Canabrava, Nós de Cabrália, Half Pipe Mc's, Central ZN e até Xan, vencedor da Batalha do Real deste ano. Quando chegamos lá, no meio da tarde, vizinhos da escola estavam chegando para comer cachorro-quente e as crianças desenhavam e jogavam bola no pátio, embaixo de uma árvore enfeitada com origamis coloridos. Os equipamentos musicais e de som foram emprestados pelo coral e pela equipe de educação musical da escola e o aparato de iluminação, alugado com desconto especial e pago com o dinheiro arrecadado com doações.
"Entendemos que a ocupação atua no ambiente político e também no ambiente cultural. O ato de ocupar ressignifica todo o espaço escolar. Em um evento com esse, vemos a oportunidade de trazer diversos artistas que, além da arte, representam também uma certa luta política, seja de representação ou de resistência. Esse evento é uma festa, sim, mas é uma festa política, uma festa cultural, que questiona: 'o que a escola pode ser para nós?'”, explica João Luiz Vieira Andrade, 18 anos, aluno do terceiro ano e membro da equipe de comunicação da OcupEN CP2.
Por enquanto, a escola está sendo espaço de encontro e troca entre alunos, professores e vizinhança. A equipe da cozinha organiza as quatro refeições diárias - já rolou de lasanha, empadão e churrasco a macarrão com salsicha. Uma comissão de atividades organiza a programação da semana: há rodas de rima, rodas de conversa, debates políticos e culturais, com temas que vão da PEC 55 a ativismo de mídia, movimento negro e LGBT, e visitantes especiais, como Pedro Luiz e Xana Xou, que passaram por lá recentemente. Na semana antes do ENEM, a programação foi toda dedicada ao exame e os professores, convocados para dar aulões especiais. "Uma das aulas, aliás, abordou religiosidade e Estado laico, e o tema da redação do ENEM foi intolerância religiosa. Ficamos surpresos e a galera arrasou na redação", recorda João, que fez sua prova normalmente, em uma faculdade perto de casa.
Mas, nos campus do Pedro II, o exame foi adiado para os dias 3 e 4 de dezembro por determinação do MEC. "Não foi por nossa vontade, foi pelo MEC mesmo. Nas eleições, conversamos com o TRE e a votação rolou normalmente aqui, mas o MEC não quis diálogo - e sem diálogo não tem como. Para nós, ocupantes, é mais do que visível que isso foi uma tentativa de virar a opinião pública contra o movimento de ocupação”, afirma. O concurso para novos alunos do colégio, aliás, está seguindo o calendário normal. “Isso é resultado da negociação também. Apesar de nós percebermos que a não-realização do concurso seria uma chance de apresentarmos nossas pautas internas. Esse ano houve um corte de 600 vagas, isso sem a PEC estar aprovada ainda”, ressalta João. “Percebemos que o Colégio Pedro II ainda é muito elitista, e, quando há o corte de vagas, muitas das pessoas que vão entrar não têm a real necessidade de estar em uma escola pública, são aquelas que fizeram cursinho e estão aptas para a aprovação. E isso causa uma elitização ainda maior do corpo estudantil”, defende.
Na intensa programação, alguns dias são reservados apenas para limpeza e organização do colégio. Todo mundo bota a mão na vassoura e no pano de chão - que, assim como a comida, chegam através de doações de pais, professores, vizinhos e apoiadores do movimento em geral. Na parede que dá acesso ao andar onde os alunos dormem, as regras: "Não pode: 1) fazer sexo; 2) qualquer tipo de droga; 3) bebidas alcoólicas; 4) depredar o patrimônio público".
A vontade de resistir e ocupar está longe de acabar. Daqui a pouco, devem entrar na lista de afazeres a organização das ceias de Natal e Ano Novo.
O texto-base da Proposta de Emenda à Constituição 55 foi aprovado em primeiro turno nesta terça-feira (29). Entre as sugestões de alteração ao texto que foram rejeitadas, estava a que excluía do teto de gastos os investimentos em saúde e em educação. Enquanto os deputados deliberavam, milhares de manifestantes que protestavam nos arredores da câmara entraram em confronto com a polícia, que usou sprays de pimenta e bombas de gás lacrimogênio.
O segundo turno da votação está marcado para 13 de dezembro.