A Grande Final da Batalha do Real 2016
Na noite que consagrou o jovem Xan, a Tradicional se firma como guia das novas gerações do hip hop
Publicado em 11/2016
Há 13 anos, um real e alguns, digamos, debates de ideias e rimas separam jovens cariocas do início do sonho de seguir carreira no hip hop. A Tradicional Batalha do Real descobre e catapulta talentos da cultura urbana. Emicida, Marechal e Maomé são alguns dos que já passaram pela disputa. A temporada de 2016 terminou na última semana, no palco do Circo Voador, em uma noite emocionante que consagrou o jovem Xan, do Grajaú, como vencedor, aos 20 anos. Desde agosto, acompanhamos as etapas desta edição, que teve como palco algumas lonas culturais em vários pontos da cidade. Para falar sobre a noite da final, damos a palavra a Wesley Brasil, coordenador de marketing da Brutal Crew, que organiza Batalha do Real.
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Parecia um churrasco de domingo, com tanta fumaça e gente falando alto, rindo, botando pilha, fazendo planos e prestando reverência aos anfitriões. Aquela cena clássica do subúrbio carioca, com muita gente de pele preta e música boa, não tinha muita diferença dos encontros dominicais de famílias grandes. Era um grande encontro da Brutal Crew, com praticamente todos os parentes reunidos, dos patriarcas aos mais novos. Nunca vi uma área de backstage tão amigável, num clima tão familiar quanto o daquela grande final. Nas palavras de MC Marechal:
"Sejam bem-vindos à Batalha do Real".
Da Riachuelo 73, casa onde a Batallha nasceu, em 2003, até o Circo Voador, são 13 anos e um hiato de distância. Não dá para medir em metros, nem dá para contar todas as histórias - de Akira Presidente a Xan - sobre os vencedores da Batalha do Real. Sabendo disso, 2016 trouxe um retorno diferente: desta vez para se inscrever, não bastaria dar o nome e um real, afinal o processo seletivo começou com indicações das principais rodas do Rio. Se nos anos anteriores os MCs participavam quando podiam, neste ano elevamos os participantes à categoria de artistas, com direito a ensaios (sim, no plural), entrevistas para jornais, programas de rádio, participações em shows e até gravações de músicas. Foi uma temporada divisora de águas.
Da cenografia idealizada por Felipe Bardy, que saltava aos olhos com as cores de Fabio EMA, às camisetas desenhadas por Cristiano Reis e trazidas à vida pela Outlawz, nos preocupamos com os mínimos detalhes para uma experiência completa do que acreditamos ser o próximo passo para o circuito de batalhas de rap. Respeitando as tradições, nomes com mais de dez anos na estrada passaram pelo nosso palco. Respeitando as novas gerações, nomes com menos de dois anos na pista também tiveram seu espaço. Sem distinção de gênero nem território, teve gente da Zona Norte, Oeste, Sul e da Baixada Fluminense envolvida - tanto no palco quanto nos bastidores. Mas a visão ampla da crew foi muito além da formação da equipe: também nos preocupamos em oferecer a primeira batalha de rap gravada em 360 graus que se tem notícia e chamamos até um tradutor de libras para a grande final.
Por falar em bastidores, um nome precisa ser lembrado: Cesar Schwenck. Ele, que não é DJ, B-boy, MC e nem grafiteiro, é mais hip hop do que muita gente com milhões de views por aí. Graças à sua articulação, muita gente somou com essa temporada. Ele é a prova viva no Rio de Janeiro que o hip hop é muito mais do que os quatro elementos. Trata-se de respeito, de desenvolvimento e de vários outros conceitos.
Voltando ao Circo Voador, me lembro da primeira vez que pisei naquele lugar. Era show do Emicida, gastei uma grana alta pra entrar. Alguns anos depois, o rap me leva para lá de novo - desta vez com acesso irrestrito, incluindo o fato de usar o celular do Aori para fazer uma daquelas fotos épicas que a gente descobre vinte anos depois. Agora, além da posição de fã, estava ali como cupincha, como confrade, como parte daquela grande engrenagem. Os artistas que antes eu só conhecia de youtube agora me tratando pelo nome.
Muita gente pergunta sobre o ano que vem. Nós mal havíamos feito a etapa do Méier, em agosto, quando a chuva de MCs e artistas querendo participar começou. Para dificultar ainda mais, tem muita gente de outros estados e de outros países querendo sentir o gosto da Tradicional Batallha do Real. O jeito originalmente carioca de fazer as coisas, aquele gingado malandro que só quem vive a Lapa conhece, nosso livro de histórias e as trocentas fotos que registram tudo isso são encantadores demais para nos limitarmos à cidade do Rio de Janeiro.
O que a gente tem certeza é que as palavras do Marechal na grande noite se tornarão cada dia mais reais: "seja leme". Nesse mar de coisas acontecendo, dentro e fora do rap, continuaremos sendo a direção que as novas gerações precisam. Vamos trabalhar duro para continuar merecendo a inspiração de tanta gente que está chegando.