Vamos falar de Vogue - e não é da revista
Um mergulho no estilo de dança que empodera e fortalece com a House of Kínisi
Publicado em 04/2017
Madonna canta, a gente ama e faz coreô na pista, mas Vogue é muito mais que a revista de moda ou o hit da Rainha do Pop. Nascido nos anos 1960, nas ballrooms, pelas mãos, pernas e quadris da cena gay periférica dos Estados Unidos, o estilo de dança moderno tem papel essencial no empoderamento e fortalecimento da cena LGBTT no mundo todo. Por aqui, o carão combinado a movimentos intensos e sedutores conquistou os bailarinos cariocas Marco Chaves, Henrique Veloso, Lucas Fonseca, Eddy Soares, Juliete Schultz e Vitor Inácio, que, juntos, formam a House of Kínisi.
"Sempre amei a dança, inclusive o hip-hop, mas nunca tinha encontrado, até então, algum estilo onde eu pudesse me ver inserido dentro da cultura e onde eu pudesse ser eu mesmo e não ter que fingir ser machinho. Sem contar a beleza e graciosidade dos movimentos, do lacre que é a dança", conta Marco, que conheceu o voguing (ou vogue, tanto faz, pode chamar como preferir) há cerca de cinco anos, através de pessoas que arriscavam nos festivais de danças urbanas e, posteriormente, nomes que estudavam o estilo no Brasil.
"Para mim, foi uma identificação à primeira vista, me senti representado pelo estilo, pois ele faz parte das danças urbanas e nasceu da comunidade gay periférica", completa. Essa encubadora do movimento foi documentada no filme "Paris is Burning", filmado nos anos 80 e lançado em 1990, sob a direção de Jennie Livingston.
O nome da dança realmente vem da revista de moda mundialmente famosa, mas o berço do voguing é um cenário onde não era nem um pouco de boa ser trans, lésbica, gay e muito menos pintosa - os que tinham a coragem de se assumir, eram expulsos de casa ou sofriam violências físicas e sociais. Dançar em uma ball virou o grande momento em que as pessoas podiam ser elas mesmas e se expressar sem julgamentos.
"Era o momento em que essa pessoa podia ser quem, e como, ela quisesse. Poderosa, rica, famosa, linda, assim como uma modelo de capa de revista", explica Marco, que depois de descobrir o voguing, descobriu a si mesmo.
"Esta dança me ensinou a trabalhar tudo a meu favor. Tanto falhas e defeitos, quanto qualidades. Tornar tudo isso bonito, sendo eu mesmo ou criando personagens. E isso é o que sempre tento despertar nos meus alunos, e tento deixá-los bem à vontade. Por mais que eu ensine a técnica da dança, a atitude e o acreditar em si mesmo é que vão fazer com que você tenha uma performance maravilhosa", pontua.
Historicamente, o Voguing é muito associado aos homens gays, mas a House of Kínisi tem uma mulher em sua formação, Juliete. Se na cena ainda existem alguns casos de rejeição de mulheres, casos isolados, como Marco faz questão de ressaltar, cada vez mais mulheres têm se identificado com essa cultura e encontrado um espaço de empoderamento também.
"A presença das mulheres foi e é essencial dentro do voguing. Pra começo de conversa, a dança surgiu da brincadeira de imitar as poses das modelos das revista. Mais pra frente, na evolução do voguing, surgiu o Vogue Femme que foi pela diferença na interpretação dos movimentos feitos pelas mulheres, tanto cis quanto trans. A Juliete, é a nossa pérola cheia de talento e dedicação. Faz mais sucesso que todos nós juntos... Pude ver nela esse processo todo de se descobrir e se empoderar através do voguing. E fico feliz que isso tenha tido a mesma importância pra ela, como foi pra mim, só que em uma realidade diferente", conta.
Você reparou que Marco citouo o "Vogue Femme", né? Pois já explicamos: esse é um dos estilos de dança que surgiram dos desdobramentos e evolução do voguing. Além deste, também existem o Old Way e o New Way, e eles se diferenciam pela intensidade e desenho dos movimentos que são mais importantes dentro de cada categoria.
O Old Way é marcado pela formação de linhas, simetria e precisão na execução das formas, com movimentos fluidos e elegantes. Já o New Way tem movimentos mais rídigos e os "clicks", contorções dos membros nas articulações, controle de braços e ilusões de punhos e mãos. E o Vogue Femme, ainda, se divide em duas categorias: soft cunt, que é um voguing mais suave e com os movimentos bem desenhados, e o dramatic, que é, como diz o próprio nome, bem dramático, forte, com explosão e muitos dips "suicidas".
Neste vídeo que fizemos com Marco no Centro de Arte Nós da Dança, onde ele dá aulas de voguing, o bailarino transita por todos esses estilos ao som de "Enviadescer", da MC Linn da Quebrada. "Gosto de ser levado pela música e me entregar à energia que o meu corpo pede na hora", explica. E que energia, Brasil!
Agradecimentos: Centro de Arte Nós da Dança
Av. Nossa Senhora de Copacabana, 1138 - sobreloja
(21) 2287-2322