RESISTIR PARA CO-EXISTIR:
O relato de jovens LGBTQ+ que existem em ambientes tradicionais
Publicado em 07/2018
O dito “desde que o mundo é mundo” deve estar rondando as explicações que a vida nos dá, provavelmente, “desde que o mundo é mundo”. Felizmente, dando seguimento a caminhos já trilhados por gerações anteriores, a juventude atual tem lutado para desmitificar nossos papéis de gênero e tornar nossa sociedade mais ampla e inclusiva. Nos perguntamos se, talvez, essas lutas não são apenas um efeito da visão de dentro da nossa própria bolha. Então decidimos sair dela e explorar, ver se essa mudança (ou pelo menos a tentativa de) é possível e real. Encontramos. Fomos ao centro do Rio conversar com três jovens que trabalham em ambientes majoritariamente tradicionais para entender como funciona a militância diária em um ambiente ainda arcaico e pouco receptivo a inclusão.
Alexandre Terra é servidor público, trabalha entre os engravatados do centro do Rio e se identifica como um homem cis gay. Morador de Madureira, na Zona Norte do Rio, faz seu trajeto em direção à Cinelândia todos os dias, onde ocupa a posição de chefia em um dos setores do seu trabalho. “A descrença nestes ambientes é algo frequente. Sempre é exigido de nós um posicionamento mais firme e agressivo para que consigamos algo que um indivíduo heteronormativo conseguiria sem esforço. Isso se dá devido à discriminação institucionalizada e à manutenção da mesma pelas instituições religiosas, financeiras, midiáticas, etc. Chegar numa posição relevante, poder representar a população LGBTQ+ e principalmente fortalecer a ideia de que com oportunidade somos capazes, é uma árdua e constante tarefa de suma importância pra nossa existência e resistência.”
Como boa parte da população, Alexandre já sofreu violência física apenas por ser quem é: “Não foi só uma vez. Já fui agredido na rua por dois homens e não tive suporte adequado das instituições que deveriam investigar o caso. Já fui agredido por três homens, em um evento da faculdade de direito de uma grande universidade estadual pública, por ter beijado um cara. Fora a violência verbal que vira e mexe acontece no balcão de atendimento do próprio trabalho. Chegaram a jogar bebida em meu rosto no meio da rua, sem motivação ou qualquer palavra minha. Preconceito vem de diversas formas, sempre arrumam uma maneira nova de nos rebaixar.”
Alexandre reconhece que seu caso de ascensão é raro e demanda oportunidades de pessoas LGBTQ+ se educarem: “O primeiro passo para ocupar espaços de maior responsabilidade é ter como extinta a discriminação que se inicia lá no ensino fundamental. Essa discriminação causa nossa evasão e prejudica o acesso a uma educação adequada, principalmente na população trans. É necessário amparo dos nossos em situação de vulnerabilidade, proporcionando moradia, acesso a serviço de saúde, educação; em suma, todos direitos fundamentais adequados.”
Ana Luísa é estagiária em um centro de cultura e está se formando em Produção Cultural. Veio de Muriaé (MG) e se identifica como uma mulher cis bissexual. “Pelo ambiente ser cheio de normas pautadas em padrões tão endurecidos, assuntos que tangem sexualidade e gênero não têm espaço aberto de discussão a fim de promover trocas e avançar nos debates.”
A bissexualidade é uma incógnita ainda para muitos. Vista como uma busca pela promiscuidade ou até mesmo uma indecisão, a constante intimidação que essa comunidade recebe para se encaixar em uma lógica padrão é uma das maiores discriminações dentro da sigla. O preconceito ainda reafirma na orientação a objetificação da mulher (porquê ver duas mulheres se pegando é ok, né? risos) e o machismo de uma sexualidade masculina completamente falocêntrica, no qual qualquer desvio dessa reta ameaça o conceito de masculinidade que nossa sociedade impõe.
Em um ambiente mais sério, como uma empresa, isso não seria diferente. “Estima-se que 63% dos cargos de chefia sejam ocupados por homens; homens esses que têm no terno e gravata a reafirmação da rigidez e conceito de imposição que o gênero supõe. Qualquer aproximação com o feminino, na visão deles, corrói a imagem de seriedade e por isso a representatividade de pessoas bi em ambientes business é bastante silenciada”, disse Ana.
Bruna Soares tem 23 anos e é colega de trabalho de Ana Luísa. Moradora da Taquara, na Zona Oeste do Rio, cursa Produção Cultural e se identifica como uma mulher cis assexuada. “Ser LGBTQ+ num espaço heteronormativo significa muitas vezes ter que voltar pro armário, fazer cisplay pra ser legitimado ou até mesmo não ser demitido. Por outro lado, serve de inspiração pra outras pessoas saberem que elas também podem ocupar aquele espaço.”
Em casa, Bruna ocupa o espaço de resistência em um ambiente que estruturalmente é tradicional: “Presencio preconceito em casa quando tem cenas de beijo homoafetivo rolando na TV. Comparam gays e lésbicas à criminalidade quando falam que é tudo o que a mídia promove hoje em dia. Em casa ainda não consegui chegar a vocalizar minha assexualidade. Não falo também porque são dois pesos e duas medidas. Minha mãe acha que eu vou morrer solteira, que nenhum garoto vai me querer, que eu sou um repelente de homens por causa da militância feminista e LGBTQ+.”
Sobre a falta de representatividade, Bruna questiona a estrutura da nossa sociedade: “Falta oportunidade desde a base. Escolas que acolham não só nas palavras, mas também nas ações. Faltam, principalmente, políticas de apoio a esse nicho para que haja uma ascensão e os LGBTQ+ possam ocupar outros espaços”.
Nota do autor: Pessoalmente falando, uma das nossas questões na realização desse zine foi a dificuldade em encontrar pessoas trans nesse mesmo processo e esse é só um dos wake-up call que tivemos. Essas pessoas não estão ocupando esses lugares e cabe a todos nós fazer com que essa mudança aconteça. É bastante comum falarmos de (quase) todas as letras da sigla e silenciarmos a fala deles/delas e isso nos torna tão ignorantes quanto aqueles que discriminam de forma direta. Se faz necessária a criação de políticas direcionadas exclusivamente a esse nicho populacional para que a existência e resistência seja fortalecida.