Aganju, Xangô: dois dias de imersão no universo de 'Refavela 40'
Fomos ao ensaio e à estreia do show-celebração do álbum de Gilberto Gil, no Circo Voador
Publicado em 09/2017
Para a nossa sorte, Bem Gil concretizou a ideia de celebrar os 40 anos do álbum “Refavela”, de seu pai, com um show daqueles que deixam a gente desconcertado de alegria. Desde já, muito obrigada, Bem e todos que se esforçaram para isso acontecer. Assistir a Gilberto Gil se reinterpretando acompanhado de alguns dos músicos mais talentosos da nossa geração foi s u b l i m e.
Na quinta-feira (31), um dia antes da estreia do show que (com lotação esgotada, diga-se) fez o Circo Voador vibrar, a gente esteve lá na lona para conferir um dos ensaios finais do projeto. Naquele momento, já deu para sacar o quão incrível seria a noite seguinte. Capitaneada por Bem (guitarra), a banda formada por Bruno Di Lullo (baixo), Domenico Lancellotti (bateria), Thomas Harres (percussão), Thiagô de Oliveira e Mateus Aleluia (sopros), Nara Gil e Ana Cláudia Lomelino (vocais) mostrava sintonia com o repertório e disposição para adicionar ainda mais beleza às músicas escolhidas para o concerto.
O clima era de animação total. E não tinha como ser diferente. O projeto "Refavela 40" reuniu amigos para comemorar o aniversário do disco - fruto de uma viagem de Gil à Nigéria, na África -, na melhor vibe possível. Além da banda, ligada por laços musicais-afetivos, o show conta com as participações de Céu, Maíra Freitas, Moreno Veloso e, claro, do criador da obra. Uma festa das mais lindas.
De cara, a galera que acompanhava o ensaio sentiu o impacto do piano e da voz de Maíra Freitas em “Samba do Avião”. Ficamos todos, sem exceção, com aquela cara de “WOW, Maíra!”. Em seguida, Céu chegou para afinar a sua parte da apresentação e trouxe consigo um tanto de Bob Marley para incorporar à mistura de ritmos afro. O último a dar o ar de sua graça foi Gilberto Gil.
Gil apareceu empolgado. Subiu ao palco, se inteirou do que já tinha rolado antes de ele chegar e pegou sua guitarra para ensaiar. Rigoroso, ele quis passar “Babá Alapalá” algumas vezes. “A gente está correndo um pouco, né?”, disse à banda, depois da primeira execução da música. Repetiram até ficar perfeita aos ouvidos do professor. Da plateia, não fizemos nada além de aproveitar. Que presente.
Corta para sexta (01), Circo Voador lotado e reunido na expectativa de curtir o baile black proposto pelo "Refavela 40". Dono de uma sonoridade alinhada com o que viria pela frente, Negro Leo abriu a noite com seu show de voz e violão. Algum tempo após 0h, a turma de Gil ocupou seus lugares no palco, ornamentado com uma obra de Celina Kushnir, e só parou quase duas horas depois.
Na primeira parte do show, que começou com uma antiga gravação de Gil definindo o “Refavela” (“um disco negro para todas as cores"), Maíra, Moreno, Nara (incrivelmente orgulhosa e vibrante ♥) e Ana se revezaram nos vocais de músicas do disco, como “Ilê Ayê”, “Sandra”, “Aqui e Agora” e “Balafon”, e outras canções que compõem muito organicamente o setlist do projeto, como “Two Naira Fifty Kobo”, de Caetano Veloso, e “Sarará Miolo” e “Queremos Saber”, faixas lançadas por Gil lá pelos anos 1970 também.
Com a plateia envolvida, cantante e dançante, foi a vez de Céu engatar em uma sequência deliciosa que começou com “No Norte da Saudade”, passou por “Era Nova” – em uma interpretação só amor – e levou o público ao êxtase em “Jamming”, de Marley. O delírio coletivo chegou ao ápice quando Gil, vestindo a camisa do “Refavela”, deu início aos seus trabalhos com “Patuscada de Gandhi”, música que encerra o disco. Eu que vos escrevo não sou capaz de definir esse momento em palavras. Foi das maiores alegrias da vida.
“As sementes se tornam árvores, e as árvores dão frutos. Obrigado por essa oportunidade”, agradeceu ele, quando na verdade quem tinha mesmo que agradecer era a gente. Mais em forma do que a maioria de nós, espectadores, Gil deixou todo mundo vidrado e emocionado com o que apresentou no palco do Circo. Que potência absurda vimos na execução de “Refavela”, “É”, que o paizão cantou ao lado da filha Nara, “Three Little Birds” (Bob Marley, sempre e tanto) e “Babá Alapalá”- aqui vale o registro: todo o rigor de Gil no ensaio valeu a pena.
No bis, Gil, Céu, Moreno, Maíra e banda se despediram com “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Nada poderia ser mais foda do que celebrar a cultura afrobrasileira de um jeito tão especial. Posso passar essa encarnação e as próximas agradecendo pela existência e obra de Gilberto Gil. Redondinho, bem executado, feito para emocionar, dançar e cantar, o show “Refavela 40” segue em turnê pelo Brasil e parece que volta ao Rio, no mesmo Circo Voador, em janeiro de 2018. Uma dica: só vai, lindx.