Rebobinando: Turbininha
Trocando uma ideia com a funkeira em seu estúdio
Publicado em 06/2020
É numa rua do Engenho Novo que toda a mágica das centenas de músicas lançadas pela Iasmin Turbininha acontece. Seu estúdio é localizado no quintal da casa do seu produtor, JJ Boss, e foi lá que nosso papo aconteceu. Já conhecíamos a Turbininha há alguns anos da pista e dos rolés das boates cariocas. Quando ela estourou - lá em 2017- era meio difícil ir numa festa e não ter seu nome no line. Falamos com o Jota que queríamos escrever esse zine e ele trocou uma ideia com ela, que topou na hora. A vontade de documentar o funk é algo comum entre nós.
Com o sorrisão enorme porém tímido, cabelo ainda molhado do banho e muito cheirosa, ela chegou dez minutinhos depois de nós. Sua casa é bem na esquina do estúdio. Começamos pelo começo: sua história. Os primeiros tambores que rufaram na sua vida não foram as atabacadas do funk mas sim o samba da Mangueira. Desde 8 anos de idade frequentava a quadra da verde e rosa e lembra:
"Na época em que tinha a escolha do samba do ano, todo mundo ia pra quadra pra pegar a visão da letra. Eu ia e quando acabava o samba não queria ir embora e ficava pro baile, tá ligado? Mas eu era muito nova e dormia muito cedo, então ficava dormindo na frente da caixa de som."
Mas o que mexe com seu coração mesmo é outro ritmo. Ela conta que na hora de fazer suas produções de madrugada em casa é funk de um lado do fone e pagode do outro. Parece confuso mas a gente sabe direitinho que funciona, é só olhar os números nas suas redes sociais.
Iasmin começou como youtuber - no universo do funk, é a pessoa que tem um canal que concentra lançamentos de diferentes DJs e MCs - em 2015, pra ajudar os DJs da sua comunidade a distribuírem suas músicas e também pra disponibilizar pra galera que queria ouvir em casa o que tava em alta no baile. Os produtores mandavam pra ela no Whatsapp, ela editava o vídeo no Sony Vegas e jogava no Youtube.
Primeiro vídeo do canal, em 2012:
O canal foi crescendo aos poucos e o boom veio com o arrocha. Quem produziu o primeiro que ela postou foi o Renan SJM, os DJs da área dela ficaram malucos com o som novo e rapidinho começou a bombar. Recebeu o convite de um amigo pra brotar no estúdio do JJ e lá conheceu vários nomes que hoje também fazem sucesso: Juninho 22, Zebrinha, MC PMT e 2T do Arrocha são alguns deles (e quem sabe logo logo eles não tão aqui trocando uma ideia com a gente também?). Sendo o último o que mais manjava de produção e de quem ela mais se aproximou pra aprender. Observava ele no estúdio e treinava em casa no notebook emprestado pelo JJ que, pela trajetória e histórias, a gente percebe que é seu grande parceiro nessa estrada do funk e da vida.
Por que o nome "Turbininha"?
"Turbininha é por causa de uma música do Copinho com um menino lá do Jacaré. Esse menino era maneirão, parceirão nosso, só que infelizmente aconteceu um acidente e ele morreu. Sempre quando a gente ia pro baile do Céu Azul (comunidade no Engenho Novo) tocava essa música e a gente dançava junto no baile até 8h, 10h da manhã. Quando eu perdi ele… pô, era meu amigão, sabe… aí no baile ficava eu e outro amigo dele dançando. Foi quando o DJ Vagner do Jacaré falou pra mim "aí, turbininha, puxa!" no baile e eu gostei do apelido. Botei no facebook "Iasmin Turbininha" e aí já era... Na Mangueira, no Tuiuti, todo lugar que eu ia tocava essa música e a galera já me chamava pelo apelido. Mano, era muito doido. Eu ficava embrasada, parava no meio do baile e começava a dançar a música, geral chegava junto."
O funk não é um ritmo musical, é um movimento cultural. Tem vários estilos como o arrocha, o melody, o 150BPM... a cultura da dança com o passinho, a parte estética e de moda com os cortes 'na régua' feito pelos barbeiros. Você transita por vários desses ritmos musicais, né?
"Pelo fato de ser mulher, eu não consigo tocar no mesmo ritmo que um DJ homem. As palavras que ele fala… às vezes são as palavras que agitam mas eu não posso falar isso. Tipo de chamar a mina de "piranha", eu não posso, eu tenho que dar o respeito a mim e à ela. Até pelo ritmo… agora eu tô maneirando mais um pouco e levando um som sem palavrão mas com putaria pra poder levar o funk pra todos os lugares. Focando mais na parte melódica que acelera a galera."
Você mesma começou a falar sobre feminismo e é algo que a gente queria levantar também. Você citou vários homens até agora, teve alguma mulher que te inspirou?
"Não, antigamente eu não via nenhuma mulher como DJ e também não tinha ligação com nenhuma MC. As mulheres que existiam era da antiga, e já não tavam lançando nenhum bagulho, tá ligado? Foi quando teve um lançamento da MC Nem, que foi a primeira mulher com quem eu tive uma ligação, e nós fizemos o Arrocha das Amantes e depois fizemos parceria com mais 3 músicas. Depois veio a Katia, a Tati Quebra Barraco… demorou muito até chegar uma mulher. Eu só via homem, era rodeada por homem."
Iasmin demonstra ter muito pé no chão durante todo nosso papo, inclusive quando cita o quanto podemos aprender com os funkeiros mais antigos. Humildade e resistência são duas palavras que resumem bem a essência dessa mulher. Da mesma forma que aprendeu muito quando chegou no estúdio, ela contribui pra que outras "sementes do funk" deem frutos. Sempre que um MC a procura, ela o recebe de portas abertas e, por mais que às vezes a música não flua, essa sua atitude pode ser o impulso que a pessoa precisava pra não desistir.
Essa união, segundo Iasmin, é necessária principalmente pros DJs de favela nesse estado de criminalização e perseguição do funk. Ela mesma cita o caso do DJ Rennan da Penha - que felizmente agora está em liberdade - e comenta como é importante semear e estimular DJs pro movimento não morrer e resistir à violência do Estado.
Finaliza o papo compartilhando uma experiência em Curitiba que a deixou muito feliz, principalmente por ter só mulheres no line, um momento raro em sua carreira. Iasmin Turbininha é uma mulher, negra e favelada que vive do funk: ela é um marco na história.