Racionais 3 Décadas
A celebração dos 30 anos do maior grupo de rap do Brasil
Publicado em 09/2019
Em 24 agosto de 2019, eu (Jeanne Yépez) e o Fê (Schlaepfer) fomos convidados pelo pessoal da Tidal para contar com nossas palavras (e imagens!) a celebração de 3 décadas da entidade chamada Racionais Mc's – que dali a pouco entraria no palco do Km de Vantagens Hall, no quarto show que compõe a turnê. Com raiva por dentro, a caminho do centro de um trabalho que possui uma solidez ímpar, Racionais tocou 21 músicas que, muito mais do que canções memoráveis, são parte da formação de uma identidade periférica brasileira que não havia sido explorada com tamanho alcance até a formação do grupo, em 1988.
Até então, o mito da democracia racial e o projeto de nacional-desenvolvimentismo desenhavam no imaginário coletivo-midiático brasileiro uma paz calada, mórbida, impossível. Racionais começou seu show de 30 anos com Pânico na Zona Sul onde a pergunta "E os inocentes, quem os trará de volta?" continua ecoando repleta de sentido, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, onde a polícia matou, em número oficiais, 881 pessoas nos 6 primeiros meses de gestão de Witzel, nenhuma em área de milícia. São, sem dúvidas, Tempos Difíceis no Rio de Janeiro "enquanto tantos outros nada trabalham, só atrapalham e ainda falam que as coisas melhoraram".
Afrodinamicamente, o grupo escolheu seu caminho para a apresentação percorrendo a linha do tempo de seus álbuns, mantendo sua Voz Ativa, versando sobre a realidade do começo dos anos 90, mas acertando em um Brasil um tanto quanto deslocado em 2019. Brasil que para muitos mais se parece com um Beco Sem Saída onde "fica perdida a pergunta: de quem é a culpa? Do poder, da mídia, minha ou sua?". Comunicando desde o Mano na Porta do Bar até o Homem na Estrada, o show segue malicioso e realista, como Brown, abrilhantando o Fim de Semana, afinal, todos querem diversão.
Saudando Jorge da Capadócia, os quatro pretos mais perigosos do Brasil, adentram o quarto momento do show nos lembrando que a música serve como veículo para nos mantermos vivos, ainda que Sobrevivendo no Inferno. Passando por Mágico de Oz, Rapaz Comum e Tô ouvindo alguém me chamar, a apresentação alcança um dos pontos-chave de sua trajetória com a sequência entoada por um coro que parece ter mais de 50 mil manos, de Diário de um Detento e Capítulo IV Versículo III, atravessada por um vídeo de Seu Jorge que não nos permite esquecer que ainda vivemos em um país onde cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras.
Partindo da realidade material - que sem dúvida daria um filme - do Negro Drama, o show seguiu confirmando a máxima Nada como um dia após o outro dia. Sem jogar pérolas aos porcos, Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay, junto com uma digníssima banda comandada por Lino Krizz, encheram a casa de show com a série implacável cantada num só fôlego pelo público carioca de Jesus Chorou, A Vida é Desafio e Vida Loka parte 1.
Seguindo para as mais contemporâneas, Racionais cantou as Mil Faces de um Homem Leal (Marighella) - canção responsável por romper o hiato de 10 anos do grupo sem lançamentos após o disco Nada Como um Dia Após o Outro Dia - deixando evidente que a missão de todos os revolucionários é fazer revolução. Finalmente o grupo cantou, O Mal e o Bem, do disco mais recente do grupo Cores e Valores.
O show terminou na dobradinha Fórmula Mágica da Paz e Vida Loka parte 2 encerrando o espetáculo sem miséria alguma, afinal, miséria traz tristeza e vice-versa. Mano Brown, racional demais para se calar diante do público que começava a entoar um grito contra Bolsonaro, disse: "Não, não, não. Eu não aceito isso aqui não. Nem vem, nem vem, porque Rio foi um dos lugares que ele mais foi votado. Não vem com essa não. Engole a hipocrisia e admite os erro". Sobre um novo disco, Brown ainda colocou "Disposição, vontade de escrever a gente até tem, eu não sou é otário. Eu não vou fazer música de protesto pra país que vota em Bolsonaro. Prefiro ficar sozinho com os meus demônios".
Racionais nunca foi em 3 décadas, e muito menos seria no tempo presente, som pra gente satisfeita, hipócrita. A sensação que fica depois dessa imersão no trabalho do maior grupo de rap nacional é que temos uma missão, o Racionais não vai parar e nós também não.
Racionais MC’s:
Mano Brown
Edi Rock
Ice Blue
KL Jay
Banda:
José Sergio de Souza Machado (Bateria)
Kleber Tristão (Teclado)
Roberto Cerqueira de Brito Filho (Teclado)
Israel Lucio Ferreira (Baixo)
Emersom Lima de Araújo (Trombone)
Augusto Dario Ribeiro (Percussão)
Duani Cesar Martins (Guitarra)
Décio Romero Costa Junior (Sax)
Nataniel de Oliveira (Trompete)
Willian da Costa (Guitarra)
Cristiano Natalino (Voz e Maestro)
Robson Simões (DJ Ajamu)