Miúda ocupa o Espaço Sérgio Porto com programação recheada
Núcleo de pesquisa continuada em artes reforça importância da cultura e da resistência em meio à crise cultural da cidade
Publicado em 03/2017
Quando você decide ir ao teatro, é só ir lá app de programação cultural, escolher uma peça, comprar o ingresso, pela internet ou na bilheteria, e sentar na poltrona à espera do terceiro sinal. Mas muito antes de você abrir aquele aplicativo pra decidir qual espetáculo assistir, uma galera dedicou meses para montar e produzir a programação daquela casa, que é feita por peças que levaram mais vários meses para se tornarem realidade.
A galera do núcleo de pesquisa continuada em artes Miúda, por exemplo, dedicará o próximo mês inteiramente à ocupação do Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, no Rio de Janeiro.
O sonho de ocupar o Sérgio Porto é antigo e será realidade por cinco semanas, de 31 de março a 30 de abril, com uma programação intensa de atividades: serão cinco espetáculos ("CACO - possível produção de memória para o espaço da casa", "Cavalos e Baias", "Pequeno Quadro Público", "Sonho Alterosa" e "MÓ"), três exposições (registros em vídeo de performances realizadas pelo coletivo, desenhos de Aline Vargas e cenário-instalação de "Sonho Alterosa""), dois shows ("Quando Brinca", de BEL, e "Iara Ira", com Duda Brack, Júlia Vargas e Juliana Linhares), a exibição do filme "Maquete" e uma mesa de diálogo com a participação de Marcela Levi, Mariana Patrício e Thereza Rocha, e mediação de Adriana Pavlova.
E pensar que a agenda poderia ser mais recheada ainda, caso a prefeitura do Rio de Janeiro não tivesse determinado um corte de 25% no orçamento destinado à manutenção dos equipamentos culturais municipais, o que forçou o Miúda a redefinir a programação.
"Essa atitude, descabida e desleal, provocou uma série de mudanças em todos os eventos que já estavam planejados para o primeiro semestre, por exemplo, de todos os teatros da prefeitura. Nós perdemos cinco dias de apresentação e tivemos um aumento em nossa grade de gastos e horas de trabalho. Os teatros da prefeitura já não funcionam somente com a estrutura que por ela é oferecida, com esse corte as dificuldades aumentaram pois os funcionários não podem pagar por essa atitude. Continuaremos ocupando o espaço, honrando nossa programação. Mas não deixaremos de falar sobre isso, de apontar as injustiças, os erros e a degradação da cultura", nos conta o grupo, formado por Aline Vargas, Bel Flaksman, Bernardo Lorga, Caio Riscado, Frederico Araujo, Gunnar Borges, Lia Sarno, Luar Maria, Lucas Canavarro, Marília Nunes, Natália Arau, Pedro Capello Montillo e Rafael Lorga.
Para ajudar a realizar o projeto, o Miúda lançou uma campanha de financiamento coletivo, que ficará no ar até o último dia de ocupação no Vakinha (aqui neste link!).
Para doações a partir de R$20,00, o apoiador terá direito a um ingresso para assistir a um dos espetáculos da programação. Em uma conversa com o coletivo, falamos sobre os detalhes da ocupação, a relação deles com o Sérgio Porto e a atual e urgente crise na cultura.
Há quanto tempo a Miúda existe e o que motivou vocês a se unirem para criar um coletivo cultural?
Em 2017, comemoramos 8 anos de existência e resistência do núcleo. O que nos motivou a provocar essa união foi, e continua sendo, o desejo de fazer junto, pesquisando novas maneiras para a produção e a sobrevivência em arte. Somos um coletivo porque experimentamos diariamente o que seria viver junto, articular e pensar coisas em colaboração. Dentro da sala de ensaio, podemos experimentar outras formas de agenciar os afetos, bem diferente das praticadas pelas instâncias de poder. Quando estamos juntos, estamos sempre ensaiando novas possibilidades de ser, pensar e agir.
Quando e por que vocês decidiram ocupar o Sérgio Porto?
O Sérgio Porto é um teatro que faz parte da nossa vida e que colaborou com a formação de muitos artistas de MIÚDA e também dos nossos parceiros. Foi nesse espaço que vimos trabalhos que, até hoje, são importantes influências para a nossa trajetória. Além de obras de artistas do Rio, as residências artísticas que coordenaram o Sérgio Porto sempre se preocuparam em abrir o local para festivais, grupos de fora da cidade e coletivos teatrais. Nesse sentido, a curadoria desenvolvida pelo teatro sempre nos interessou. Ocupar esse teatro era um sonho antigo que agora se torna realidade. Sempre quisemos, sempre tentamos e no final do ano passado conseguimos agendar essa pauta. Então, nós não decidimos, nós tentamos, insistimos, batemos na porta, mandamos e-mails, conversamos e aconteceu!
E explicando pra quem não entende o processo: por que vocês precisam de dinheiro pra bancar a ocupação? Esse tipo de projeto não recebe auxílio financeiro da prefeitura?
Nós somos um núcleo de pesquisa independente. Com esse projeto de ocupação, tentamos diversos editais e fundos de investimento, mas não fomos contemplados. Além dos gastos específicos de funcionamento do teatro (que, em tese, deveriam ser todos cobertos pela prefeitura), há uma série de outros investimentos que precisam ser feitos para que o evento possa acontecer. Por mais que trabalhemos de forma colaborativa, dobrando funções e dando conta da maior parte do trabalho, existem gastos intrínsecos ao próprio fazer teatral. Em nossos caso, alguns deles são: manutenção de equipamentos, figurinos, cenários; aluguel de material de luz; auxílio técnico; transporte; divulgação e outros. Para que o trabalho possa acontecer o mais próximo possível da maneira que imaginamos, recorremos a nossa rede, pedindo ajuda e colaboração daqueles que puderem e se sentirem à vontade pra isso.
Por que esse movimento de ocupação de teatros é tão importante, principalmente nesse momento de crise, em que a cultura está sofrendo (ainda mais)?
Ocupar teatros, como ocupar espaços de todos os tipos que são destinados para a população, é uma atividade de suma importância. Estamos vivendo um momento extremamente preocupante, de um retrocesso absurdo e a onda do reacionarismo é crescente não só no Rio e no Brasil, mas em todo o mundo. Sendo assim, a ação de ocupar é também significada pelo ato de resistir, de permanecer para (re)existir dentro das possibilidades que se apresentam e tentando, sempre, movimentar novas formas de produção e, principalmente, relação. Ocupar é fazer movimentar, lubrificar as articulações da máquina com injeções de ética e, consequentemente, poética.
Como vocês montaram a programação da ocupação?
MIÚDA é um núcleo de pesquisa continuada em artes que realiza trabalhos em diversas frentes. Como o espaço da ocupação se trata de um teatro, que também tem galerias, selecionamos cinco espetáculos do nosso repertório e mais algumas atividades que consideramos ser interessante. A dramaturgia da ocupação foi pensada de acordo com a nossa trajetória, para que o público possa acompanhar o caminho de pesquisa que estamos trilhando. Ou seja, vamos apresentar trabalhos de 2010 até 2016. A ocupação é um recorte transversal que passeia pela espinha dorsal do núcleo e aponta para a variedade de ações que elaboramos. Serão cinco espetáculos, um longa-metragem, exposições, shows e uma mesa de diálogo. Tudo junto e misturado para tensionar também as barreiras que dividem um modo de fazer artístico de outro. A ocupação reflete bastante essa característica de MIÚDA, que busca dissolver essas fronteiras e entende a arte como campo expandido, como inespecífica.
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A programação completa da ocupação de Miúda no Sérgio Porto está neste link. Nos vemos lá!