O Primeiro Guia do Fervo Sapatão no Rio de Janeiro
No Dia da Visibilidade Lésbica, a celebração do crescimento de espaços e pistas dedicados a elas
Publicado em 08/2017
29 de Agosto, Dia da Visibilidade Lésbica. Cê sabia disso? Pois é, taí mais um motivo pra gente falar bastante sobre o assunto. Para comemorar essa data tão importante, que, como o próprio nome já diz, visa chamar atenção para os direitos e realidade das mulheres lésbicas, eu, Clarissa, e a Bléia, resolvemos fazer um panorama de algumas atividades voltadas para o público les-bi no Rio de Janeiro durante esse mês.
Como mulheres lésbicas residentes na cidade, observamos que há cerca de dois anos rolou um boom de divulgação de festas, locais e eventos voltados especificamente para nós, e nada mais justo do que divulgar e enaltecer essas atividades feitas por e para lésbicas. Durante todo o mês de agosto, rolou uma programação intensa de visibilidade lésbica e, além de curtir as festas que já conhecíamos, descobrimos iniciativas incríveis. Mas, antes de apresentá-las, você deve estar se perguntando o porquê essa data foi escolhida como Dia da Visibilidade Lésbica. Senta que lá vem história.
São Paulo, 19 de Agosto de 1983, um grupo de mulheres lésbicas e bissexuais liderado pela ativista Rosely Roth, do GALF (Grupo Ação Lésbica Feminista), invade o Ferros's Bar e lê , em meio a confusão e aplausos, o manifesto sobre os direitos das mulheres lésbicas e repúdio à repressão que estavam sofrendo no local. O Ferro's era um bar no centro da cidade muito frequentado por lésbicas e feministas que se tornou um ponto de encontro para celebrações, discussões e venda do jornal “Chana Com Chana”, produzido pelas ativistas do GALF.
A ação aconteceu porque, semanas antes, o dono do bar havia proibido a venda do periódico, chamado a polícia e expulsado com empurrões as mulheres que lá estavam. Afinal, no bar podia vender de tudo, desde bebidas a substâncias ilícitas, só não podia vender publicação de lésbica num bar sustentado por lésbicas. Aquilo foi a gota d'água. O protesto contou com a presença de vários grupos homossexuais e feministas e ficou conhecido por muitos como o Stonewall Brasileiro. Após o levante, o dono do bar pediu desculpas (!!!), liberou a venda do jornal e as sapatão puderam voltar a circular livremente pelo local. Vitória!
Esse dia ficou conhecido então com "Dia do Orgulho Lésbico" e marcou não só a primeira manifestação lésbica brasileira como também o extraordinário apoio de feministas à nossa questão. Foi também uma das primeiras vezes que a grande mídia fez uma cobertura simpatizante a causas LGBT+ no Brasil.
No dia 29 de Agosto de 1996 rolou no Rio de Janeiro o 1º Seminário Nacional de Lésbicas e Bissexuais (Senale), onde mulheres lés-bi se reuniram para discutir e propor ações e intervenções nas políticas públicas em prol de direitos e livre expressão da sua sexulidade e identidade. Esse evento estabeleceu o dia 29 de Agosto como "Dia da Visibilidade Lésbica", que é celebrado desde então.
Agora, conheça e sinta orgulho de alguns dos projetos les-bi mais irados do Rio de Janeiro - e Niterói!
Casa Oito
Nossa primeira parada foi no centro de Niterói para conhecer e conversar com a Alice Guedes, moradora e uma das idealizadoras da Casa Oito, uma espécie de república e espaço cultural voltado para mulheres les-bi. Para morar lá não basta dividir o aluguel, tem que se envolver e se comprometer com o projeto da casa, que consiste em realizar eventos, bazares de roupas e as "SAPAtividades", como elas chamam a programação que envolve aulas de autodefesa, cineclube e rodas de conversa.
O dinheiro arrecadado nos eventos com a venda de roupas, comida e o chapéu solidário são utilizados para cobrir as despesas da casa. Os temas dos debates, que já contaram com a presença de até 60 pessoas, variam entre, saúde física e mental da mulher negra, relacionamentos abusivos, sexualidade da mulher lésbica, entre outros.
A Casa Oito abriu suas portas em fevereiro deste ano e, atualmente, tem seis moradoras. A existência de um local seguro voltado para o acolhimento e moradia de mulheres lésbicas e bissexuais em Niterói é de extrema importância, pois não existe nada parecido na cidade.
Isoporzinho das Sapatão
O movimento do Isoporzinho das Sapatão começou em janeiro de 2015, após a roteirista e pesquisadora Erica Sarmet, procurar locais para sair com uma amiga sapatão de São Paulo pelo Rio de Janeiro.
Na época, a cidade tinha um total de zero eventos, bares ou festas voltados para o público lésbico. Pensando nisso, ela se juntou à cientista social Yohanan Barros, a cineasta Susana Amaral e outras amigas e lançaram no Facebook um evento na Praça São Salvador, no Flamengo. O trio achava que só pessoas próximas iriam, mas imagina a surpresa das organizadoras ao verem mais de 200 sapatões por lá! Desde então, o Isoporzinho cresceu e teve várias edições, não só em vários cantos do Rio (já que o evento é itinerante), como em outras cidades também.
Independente da locação, o Isoporzinho costuma lotar o espaço, reafirmando a proposta de ocupar o espaço público, com lésbicas em peso levando suas próprias bebidas, ou comprando no bar amigo, e se jogando até a hora que for.
Hoje, quem produz a festa são as seips Erica, Yohanan, Clarissa Ribeiro, Bel Lamin e Lydianne Carney. No último sábado de agosto, rolou uma edição lá na Pedra do Sal exatamente para comemorar o Mês da Visibilidade Lésbica e encher as ruas do Centro de sapatão.
Velcro
A Velcro nasceu do Isoporzinho, como se fosse a filha primogênita dele, por conta da carência de espaços voltados para mulheres lésbicas, especialmente festas, casas noturnas e bares.
O trio de produtoras ficou um ano elaborando o conceito da festa, até que em 2015 a primeira edição rolou no La Cueva, uma casa pequeninha em Copacabana. E naquela mesma noite a resposta do público foi excelente.
Não por coincidência, o fervo nasceu no Mês da Visibilidade Lésbica, com o propósito de ressignificar a noite carioca, há muitos anos carente de um espaço feito por mulheres lésbicas e para mulheres lésbicas.
Com três DJs sapatão residentes, a festa conta com duas pistas, cada uma com um som diferente. A principal toca principalmente funk, pop, hip hop e suas vertentes e a pista alternativa, rock indie e anos 90, variando conforme o tema da noite, que muda a cada edição. Vira e mexe festas lésbicas de outros estados são convidadas para se juntar à Velcro, num intercâmbio irado.
No segundo fim de semana de agosto, rolou a comemoração de dois anos da Velcro, numa LaPaz lo-ta-da. Foi o rebuceteio do ano.
Slam das Minas
Slam das Minas é uma brincadeira lúdico poética autogerida pelas poetas Letícia Brito, Lian Tai, Ursula H. Lautert e Yassu Noguchi. Na busca de um espaço seguro e livre de opressões para desenvolvimento da potência artística de mulheres, pessoas queer, agender, não bináries e homens trans, elas ocupam as ruas para acabar com a invisibilidade dessas pessoas e estimular encontros e afetos.
O slam comeca com o microfone aberto para todas poderem se expressar livremente e, em seguida, começa a competição, cuja vencedora pode até disputar o slam nacional.
Em agosto, a Frente de Lésbicas do Rio de Janeiro convidou o Slam para participar da Grafitagem das Sapatão, que rolouo no Morro da Providência, no Centro. Desse encontro, surgiu o Slam especial pela visibilidade, onde apenas mulheres lésbicas e bi puderam competir.
O clima era 100% good vibes. As paredes ao redor da quadra foram grafitadas com desenhos e dizeres que nos empoderavam enquanto mulheres que amam outras mulheres e o evento rolou até tarde da noite. Mesmo depois do fim da competição, as sapatão continuaram recitando seus poemas, compartilhando suas vivências, histórias de opressão, superação e também amor. "Amar outra mulher e um ato revolucionario", foi uma das estrofes recitadas que ecoou e continua ecoando nas nossas cabeças até agora.
Outros Rolês
Resiliência Espaço Cultural
Após sofrer assédio moral em t-o-d-o-s os lugares que trabalhou, a terapeuta ocupacional Gisela Queiroz, de 53 anos, decidiu abrir, ao lado da esposa, Lúcia, um bar LGBT na garagem de sua casa, na Vila da Penha - mesmo sem nenhum conhecimento prévio sobre comércio e empreendedorismo, vale dizer. A ideia era criar uma alternativa de rolê LGBT no subúrbio do Rio, que é carente de lugares seguros para pessoas LGBT, principalmente as que buscam bares, restaurantes e programas mais tranquilos e/ou diurnos.
No início, os negócios não foram lá muito bem, mas Gi e Lúcia se uniram com alguns coletivos de lésbicas para promover eventos, rodas de conversa e cineclubes, que atraíram uma galera - e aí o Resiliência começou a bombar!
Agora, além de bar, o espaço é também um centro cultural voltado para mulheres lésbicas e bissexuais, espaço para eventos e local de coworking. A dupla se preocupa em pautar os encontros com assuntos relacionados à sexualidade e saúde física e emocional da mulher negra, que muitas vezes é duplamente invisibilizada na sociedade. Infelizmente, o movimento LGBT+, além de reproduzir lesbofobia, também reproduz muito racismo.
Gerido por duas mulheres negras e lésbicas, o Resiliência está constantemente redesenhando seus objetivos, mas sempre com uma pegada feminista. No futuro, a ideia é incluir na agenda alguns mini-cursos periódicos.
Festa Fancha
Neste ano, os domingos na Casa da Matriz começaram a ser só das mulheres graças à Fancha, uma das poucas festas cariocas só pra nós. A cada edição, a pista ficava mais cheia, mas tão cheia que a produtora Isabela Catão precisou mudar de locação e, agora, as minas se reúnem mensalmente na La Paz, na Lapa.