O fascinante caldeirão de Jeza da Pedra
Primeiro rapper assumidamente gay do Rio abre noite com Baco Exu do Blues e Rincon Sapiência, no Circo Voador
Publicado em 12/2017
A noite desta sexta-feira certamente entrará na lista de inesquecíveis de 2017 no palco do Circo Voador. Rincon Sapiência e Baco Exu do Blues, dois dos mais importantes e subversivos nomes do rap nacional, subirão ao palco mais querido da Lapa. Mas não só eles. O rapper Jeza da Pedra fará o show de abertura, em sua segunda passagem pelo palco do Circo neste ano - a primeira rolou em abril, numa participação no show de Rico Dalasam. Rico, aliás, foi quem apresentou a música de Rincon ao amigo Jeza. Tudo está conectado.
No RG, Jeza é Jonatas Rodrigues, músico, tradutor, escritor e poeta, formado em música brasileira e teoria musical pela Escola de Música Villa Lobos e em Letras pela PUC-Rio, com passagem pela Universidade Sorbonne, em Paris. O “da Pedra” vem do Complexo da Pedreira, no bairro de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, onde nasceu e foi criado. Ele também é o primeiro gay assumido da cena rap da cidade, une soul e afrobeat em suas músicas e adora samba, pagode e toda a “música de preto” que conheceu com a família paterna. Pois é, Jeza é um fascinante caldeirão de misturas.
“A minha necessidade de ficcionalizar a escassez da realidade e transformá-la em matéria onírica é o que me inspira a criar. A necessidade que eu tenho de manter a minha voz ecoando no tempo a despeito da finitude da vida. Mais especificamente, porque não tem nada na vida que eu me identifique mais do que fazer o que eu faço”, explica o artista, que lançou sem primeiro EP, “Pagofunk Iluminati”, há cinco meses.
Num papo rápido em meio aos ensaios para o show, falamos sobre suas referências musicais, as expectativas pra noite de hoje e, juntos, sonhamos com um duo com a diva Alcione. Quem sabe ela lê esse zine, né? (Só pra garantir: Beijo, Marrom! A gente te ama!)
Sua história e trajetória têm uma mistura muito incrível, da Zone Norte do Rio à Sorbonne, com infância e adolescência em igrejas neopentencostais, e ainda sendo um homem gay no subúrbio carioca. Uau! De que forma tudo isso aparece nas suas músicas? No “Pagofunk Iluminati”, eu me remeto a lugares e circunstâncias que ficaram marcadas de tal modo na minha trajetória, que hoje são partes inseparáveis do meu “eu sempre em construção“, como, por exemplo, o Complexo da Pedreira, em Costa Barros, onde eu fui nascido e criado, e desde sempre figura entre o piores IDHs da cidade do Rio. Eu menciono a Papa G (em Madureira) e a 1140 (na Praça Seca), que há décadas são referências de refúgio e diversão pra mim e pra uma porrada de gente LGBT advinda principalmente da Zona Norte, Oeste e Baixada; eu metaforizo e dou uma gastada na gourmetização e gentrificação que vi e vivi no Vidigal; bato no liquidificador sincretismo e pajubá juntos, gongo o Rodrigo Bethlem (ex-xerife da gestão Eduardo Paes/BFF do Crivella), transubstancio o cheirinho da loló em cancioneiro popular, descolonizo o Drake (rs). E assim: é evidente que a música entrou na minha vida através da igreja. No entanto, em contraste a isso, meu pai estava sempre comigo nos botequim da vida escutando samba, Tim Maia, e a minha casa dividia parede com a quadra de baile funk do morro (em dia de baile, minha mãe, às vezes, saia da graça…). Ou seja: minha infância e adolescência não davam pra ser nada além de um grande x-tudão musical.
Nas suas músicas, até as críticas são bem-humoradas. O humor é a sua chave para subverter conceitos, preconceitos e ~~~ questões polêmicas? Eu acho que elas soam bem-humoradas porque lidam com verdades inconvenientes e tão absurdas que chegam a ser engraçadas. “Racismo no Brasil? LGBTfobia? Impunidade nas periferias? Vem dançar e abafar loló? Nossa: isso não pode existir no Brasil!”. O Brasil tá numa onda muito errada de caretice. Eu não posso entrar numa de não se discute sobre política apenas para querer apaziguar ânimos exaltados, quando eu vejo um tsunami de conservadorismo e retrocessos sociais se formando bem na minha cara. Eu preciso aprender a lidar com a alteridade do meu próximo. É nessa hora que a arte é fundamental porque ela tem um poder de comunicação muito louco. O grande fervo pra mim, hoje, é passar a visão certa sem soar panfletária. Isso sim é ser subversivo.
E esse show no Circo, hein? Você fez uma participação no show do Rico Dalasam há alguns meses, dobradinha no Circo no mesmo ano, que irado! Como rolou o convite pra fazer o show de abertura do Baco e do Rincon - dois dos maiores nomes novos do rap nacional? Por acaso, a primeira vez que eu escutei o som do Rincon foi por recomendação do Rico Dalasam. Assim que o Criolo lançou o ábum “Espiral de Ilusão”, nós trocamos uma ideia que foi veiculada no site de uma revista de arte e, coincidentemente, o nome do Rincon foi mencionado na conversa mais uma vez. Há cerca de um mês, Ventura Profana, Mc Catennm e eu fizemos um show com a nossa banca de bixas terroristas no mesmo evento que o Baco. Eu já tava ligado no trabalho dele porque eu sou muito fã do Chave Mestra, mas não o conhecia pessoalmente. Como tínhamos um amigo em comum, depois do show eu fui cumprimentá-lo e estavam o Bk, o Don Negrone, só os brabo do rap no camarim dele. A gente trocou uma ideia rápida, mas ele foi bastante gente fina. Tinha acabado a bebida do nosso camarim e no dele ainda tinha cerveja e whisky. Perguntei se podia tomar uma dose da garrafa que ele estava bebendo e o Baco não apenas serviu a dose, como também pediu que eu levasse todas cervejas dele – e lá estava eu fazendo a transferência de marafo do camarim de Exu para o nosso hahaha. Uma semana depois o Circo me deixou um recado no Facebook perguntando se eu poderia abrir o show do Baco e do Rincon. Primeiro, eu pensei que fosse sacanagem, depois eu meditei e cheguei à seguinte conclusão: “só pode ter sido a transferência de Exu!” hahaha. Não deu pra não soltar um "larô iê!" na hora. Eu tô abrindo o show de um cara chamado Exu no primeiro dia do último mês do ano. Pra muita gente isso pode não dizer nada – pra mim, é muito fundamento e muito close ter o trabalho reconhecido a ponto de estar no mesmo line-up que esses caras, dividindo o palco do Circo. É transferência de axé no automático!
Com qual dos seus ídolos você gostaria de criar um pagofunk? E como seria esse pagofunk? Essa é fácil: com a Marrom/Alcione. Seria uma sinfonia de sapadrones linda e tão Iluminatti que só estaria disponível para download da deep web (aloka!).