“Dê a um homem uma máscara, e ele lhes dirá a verdade. E para nós, fotógrafos? Que fantasia seria melhor do que uma câmera? Que lugar seria melhor para perdermos as inseguranças? A fotografia analógica, assim como o carnaval, nos permite fantasiar. Não existe controle. Quando você vê as imagens, você suspira. Cada frame, um amor”.
Apesar de ter nascido já mergulhado na era digital, o I Hate Flash, como bom amante da fotografia que é, tem um carinho especial pelos cliques analógicos. Esses mesmos, que para serem revelados precisam de filme, negativo, processos químicos, etc. Eles exigem um outro tempo, outras técnicas e uma paciência rara nos dias atuais. Mas ainda bem que não estamos sozinhos nessa tara. Os fotógrafos cariocas Juliana Rocha e Bruno Machado compartilham dessa paixão conosco, e são tão fãs do lance que acabaram de fundar a agência o álbum, só de fotografia analógica. São eles nossos parceiros na novíssima seção #ishootfilm, feita 100% com fotografia analógica.
O primeiro ensaio, batizado “Fantasia”, foi todo clicado durante o carnaval do Rio, mais especificamente nos blocos piratas que desfilaram no Centro e na Zona Portuária. Seis fotógrafos saíram à deriva com câmeras analógicas nas mãos. Aqui você confere o resultado dessa experiência em filme e também pode ler as impressões de cada artista.
Fernando Schlaepfer
“Em vez de sair com meu equipamento de sempre, escolhi ir mais leve pra esse carnaval de rua: peguei uma câmera descartável e meia, coloquei na minha Poch, me taquei um punhado de purpurina e fui a poucos e bons blocos. Toquei no Bloquete, no Arco dos Teles; fui à Selvagem, na Gamboa; ao Bunytos de Corpo, no Centro; e ao Viemos do Egyto, no Aterro do Flamengo. O meio analógico não é onde eu fico mais confortável, principalmente com uma point-and-shoot, o tipo de câmera mais amadora, com quase todo o processo automatizado. O controle é mínimo, mas isso só contribuiu para a experiência. Abri mão de certos rigores, apuros e exigências. Na maior parte do tempo, nem lembrei que estava com uma câmera. Até entreguei a câmera na mão de um desconhecido para ele fazer uma foto sua com seus amigos - o que eu obviamente não faria com meu equipamento”.
Bléia Campos
“O carnaval foi devagar. Não estava empolgada, mas as possibilidades de imagens sempre me tiram de casa e a proposta do registro analógico também me animou. Nos primeiros dois blocos a que fui, Tocoxona e Selvagem, o filme simplesmente não rodou. Esses dias ficaram perdidos para sempre na minha falta de memória alcoólica. No segundo dia, parti para a Praia da Barra para testar outra máquina. Encontrei duas amigas na orla, fiz alguns cliques, presenciei um taxi fazer as pazes com um Uber e segui viagem para o Bunytos de Corpo. Lá sim foi carnaval! Chuva de purpurina, encontrar os amigos, fumar com o Dollynho, pedir permissão para tirar foto da mulher barbada, e cadê o bloco? Não sei, melhor correr! Dia seguinte, o plano foi chegar fim de tarde no bloco que só começava às 18h. Encontra as amigas, pega o ônibus e partiu Agytoê. O amigo da cerveja fez uma promoção e ainda posou para a foto.
Agora o sol já está se pondo, a rua tá esvaziando, mas a essa altura o rolo de filme já acabou, então a história para por aqui também”.
Bruno Machado
“Álcool, calor, pessoas, pessoas e mais pessoas. Ano a ano, em fevereiro, o tema é sempre o mesmo: carnaval. Após enorme resistência, dei-me por vencido. Cancelei qualquer projeto de viagem, e optei, então, por me aventurar em trilhas mais desconhecidas. Gamboa, Paquetá, Santo Cristo. Em Paquetá, 40 graus às 6h. Na Praça XV, uma fila de 129.040 fantasiados. Perdi a barca. Óbvio. No empurra-empurra, eu que já sou claustrofóbico, me dei conta de algo que já sabia: ‘Puta que me pariu, o que que eu tô fazendo em Paquetá vestido de Jesus Cristo?’. Enfim, venci o pânico. Depois de 200m crawl entre as pessoas, entrei na barca. Quando pisei naquele barco xexelento, comecei a entender o espírito. Cachaça com mel, uma, duas. Amigos em todos os cantos, um mais engraçado do que o outro. Fantasias aos milhões. Suor. Começou. Peguei a câmera e me dei conta de algo que não sabia: ‘Puta que me pariu, o carnaval é irado’. O resto, eu espero que as fantasias possam contar”.
Gabriel Klein
“Há pouco mais de dois anos criei um diário analógico. Um caos organizado em pequenas narrativas. A ideia dele é registrar todos os dias da minha vida, e, quando o carnaval veio, não podia ser diferente. Levei minha fm2 pra dar uma voltinha e registrei uma galera por aí. Entre sopros e sorrisos, purpurina, samba, suor e cerveja... Meu registro de um carnaval analógico”.
Juliana Rocha:
“Colocar uma câmera no rosto é uma das máscaras mais eficientes que eu conheço. A gente ganha muita coragem só de colocar um troço entre nossos olhos e o mundo. Nesse carnaval, eu me fantasiei com uma fm2 e um filme puxado e fui sem flash para o Centro do Rio. O caos desses dias por aquelas bandas é tão lindo quanto o caos pode ser. Só que purpurinado, nu e aparentemente livre. Numa cidade como a nossa, flanar de madrugada pela Gamboa e atravessar a Avenida Presidente Vargas vazia são praticamente atos de conquista, vitórias em uma guerra perdida. Esse carnaval de rua, toda essa suposta anarquia temporária, é a revelação de um filme esquecido na gaveta, fotografado em uma época que ainda não existiu”.
Sabi Wabi:
“A fantasia é a encarnação do carnaval. É a partir dela que milhões de pessoas viram outros seres. Quando o espírito festivo se apossa de um corpo, parece que tudo é permitido. A fantasia faz as pessoas desbravarem. Ela é a porta para desfrutar do desconhecido. Dizem que ela é o meio do caminho entre as bestas e os Deuses. Meu carnaval de fantasias durou uma noite, sob e sobre luz de Led, num Centro cinza colorido, com um latão na mão e uma camêra na outra. Minha fantasia. Descartável”.