Por que temos que ouvir a rua?
Segunda edição do Festival Rider #DáPraFazer mostra porque se conectar com a rua é essencial
Publicado em 03/2018
Da Zona Oeste à Zona Sul, somos cria do que pulsa nas ruas da cidade. E se considerarmos o clima da segunda edição do Festival Rider #DáPraFazer, as ruas cariocas estão vibrando no timbre da diversidade e das conexões com propósito. No último sábado, dominamos o Largo Alexandre Herculano, no centro, para celebrar o poder da cultura de rua e os encontros que só são possíveis fora da toca.
Nesta edição, o festival incentivou a construção de laços entre os artistas e coletivos que estão protagonizando os principais movimentos de lifestyle do Brasil, em especial aqueles que nasceram nas ruas de Salvador, Recife, São Paulo e também do Rio de Janeiro, e estão aproximando jovens de todo o país através de tendências, fluxos de comportamento e linguagens estéticas. Foi daí que nasceu o conceito deste ano, que também é uma afirmação do poder deste movimento: A Rua Cria
Dias antes, a execução de Marielle Franco nos levou até as ruas para reivindicar nosso espaço de manifestação e liberdade de expressão, e para isso nós marchamos e gritamos nos arredores da Cinelândia. Com uma programação caprichada, o Festival Rider #DáPraFazer nos convidou a ocupar a rua dançando e cantando.
Cada artista, banda e coletivo que subiu ao palco R1, montado no Largo Alexandre Herculano, aproveitou o espaço para fazer sua homenagem à vereadora, em verso, música ou manifesto, sempre com retratos dela estampados no telão. “Um pedaço de cada um de nós desapareceu nessa semana, mas uma nova parte de nós apareceu nessa semana. Que essa parte de nós viva mais a partir de agora”, disse Emicida, enquanto o sol caía na praça lotada.
O rapper paulista recebeu no palco três jovens promessas do rap nacional: a carioca Yas Werneck, a baiana Áurea Semiséria e a paulista de Itaquera Dory de Oliveira, em comum elas tinham a vontade de mostrar a arte feminina e feminista que nos arrepiou. De surpresa, Fióti, irmão e fiel escudeiro de Emicida, também apareceu para cantar e escolheu logo o single “Dá pra fazer”, que a dupla compôs no ano passado, tomada pela energia “fazedora” da primeira edição do festival. A faixa é uma exaltação à produção independente - e também um empurrão pra quem quer começar.
“É muito foda participar de um evento que fomenta isso e é muito importante que essa atmosfera vá para fora daqui.Vi mó galera com suas marcas aqui, isso é daora. Vende uma blusa ali, uma bermuda, junta uma grana e faz um desfile de moda... Isso é uma forma de mostrar para as pessoas o que é ser a gente. Quando começamos, tínhamos só uma luzinha de que isso poderia dar certo. Tem que acreditar. É muito importante porque vários de vocês vieram de uma realidade parecida com a nossa. A gente tem que acreditar, inclusive, em nós mesmos. A chave da mudança está em cada um de nós”, falou Emicida.
Além do palco, ele estava presente no #StreetMarket com a sua Lab Fantasma, que dividiu o espaço com cerca de quarenta marcas de vários cantos do país. Tinha de tudo: roupas novas e/ou usadas e ressignificadas, acessórios, meias, prints de artistas independentes e, é claro, todos os modelos de Rider.
Circulando por lá, encontramos Cris Paladino e Raphael Mamberti, de olho nos produtos e, principalmente, nas pessoas. “Tudo está na rua. A moda está no comportamento das pessoas. Gosto de sair para observar e ver como as pessoas se comportam, mais do que o que elas vestem”, disse a modelo. E seu namorado fez coro - também pudera, um dos programas favoritos do casal é ir até o centro de São Paulo, onde ela mora, para observar os personagens da cidade. “Com as redes sociais, a gente só vê o que quer, e a rua é onde nos vemos obrigados a sair da nossa bolha e nos abrirmos para outras realidades e universos”, disse o filmmaker.
A conexão entre artistas e coletivos que estão protagonizando os principais movimentos de lifestyle do país foi um dos pilares desta edição do Festival Rider #DáPraFazer e não ficou só na seleção de marcas do #StreetMarket. A Rider reuniu influenciadores criativos de várias cidades, como o fotógrafo Marcelo Moraes, mais conhecido como 1993agosto, a consultora de estilo paulista Marina Santa Helena, Deco Neves, da Bolovo, a modelo baiana Paloma Barbiezinha, o artista pernambucano Samuel d'Saboia e o fotógrafo carioca Wendy Andrade, além de Cris e Mamberti.
Num papo com Samuel, conversamos sobre a importância de se conectar com a rua - no caso dele, as de Recife e Salvador, que participaram da construção da estética de suas obras. E o que a rua nordestina tem que nenhum outro lugar consegue ter?
“Tem muita cultura, muita garra, muito cuscuz, muita carne de charque, mas, acima de tudo, tem muito desejo de transformação. A gente experimenta todas as facetas e passa por muitos momentos de dificuldade, e é a partir desses momentos que a gente aprende como fazer qualquer coisa se tornar o melhor possível. Seja um pouco de comida, seja um tênis que você tem há muito tempo, seja uma camisa pra dar uma customizada ou seja o seu celular, pra usar também como uma forma de transformar a sua vida, se possível. A rua nordestina tem muito carinho, muito abraço, mas também tem muita garra, e é sobre isso que eu falo”, nos disse Sarmurr, com aquele sotaque gostoso de Pernambuco.
Quando a noite caiu, os bumbuns da galera também foram ao chão. Os cariocas do Heavy Baile subiram ao palco com o time completo para mostrar a música que nasceu nas ruas do subúrbio do Rio: Leo Justi, MC Tchelinho, Sabrina Ginga e os mestres do passinho Sheick e Negueba. Enquanto o time não dava descanso algum para colunas e quadris, as minas dominaram a frente do palco. Foi bonito vê-las dançando como queriam e vestindo o que queriam - inclusive, não vestindo blusa nenhuma -, livres. “Deixa essas meninas, deixa essa mulher, hoje a noite é delas e elas fazem o que quiser”, cantava Tchelinho. É isso que a gente quer.
Diretamente de Bahia, o ÀTTØØXXÁ desembarcou no Largo Alexandre Herculano logo em seguida. O grupo representa a contracultura soundsystem de rua de Salvador, como bem lembrou Amnah Assad, que produz o festival com a sua NOIX. Se você deu mole e não foi, podemos dizer que a energia da banda é uma bomba feita com o que a Bahia tem de melhor - de Harmonia do Samba a BaianaSystem. E, definitivamente, se o Brasil fosse uma enorme Bahia, o planeta Terra entraria em combustão, que nem o público do festival. Tinha até gente contundida usando muleta como pole dance. O importante era não perder o rebolado.
Pra fechar a noite lá em cima, a Comuna importou do Chile a DJ Valesuchi e também a banda Teto Preto e a festa Mamba Negra de São Paulo. Como diz a letra do hit da Teto Preto, foi como se eles tivessem atirado “gasolina, gasolina neles”. A melhor definição de fervo rolou até meia-noite - e um pouquinho além.
Vale dizer que no ranking dos que mais se divertiram no festival, o topo certamente é das crianças, principalmente aquelas que estavam acompanhando os pais vendedores ambulantes e acabaram encontrando um parque de diversões. Na pista de skate, elas ficavam de queixo caído com as manobras e velocidade da galera e, quando tinham uma chance, pegavam um skate emprestado pra usar como carrinho de rolimã; na tabela da NBA, montada no espaço #SempreTemJogo, fizeram maratona de cestas e disputavam, inclusive, com os adultos veteranos; no show da ÀTTØØXXÁ, conquistaram uma área VIP exclusiva na frente do palco, a pedido da banda - “libera a frente pras crianças dançarem”, pediram Raoni Knalha e Osmar Oz. Ou, como dizemos aqui no Rio, “deixa os garoto brincá”.
Se alguém ainda tinha dúvidas da importância de ir pra rua, ouví-la e se conectar com ela, acho que elas foram sanadas.