Abutre's sempre. Sempre Abutre's
Uma espiada no mundo underground do temido motoclube
Publicado em 04/2016
Vou contar a experiência que tive no maior moto clube do país – e um dos mais famosos do mundo – do jeito que seus membros recebem os novatos: sem muita cerimônia. Antes de chegar ao Abutre's, já sabia que a fama do pessoal não era das melhores. A permissão para fazer uns retratos, portanto, não seria fácil. Mas quis tentar mesmo assim, afinal, pouquíssimas pessoas têm acesso ao estilo de vida desse grupo, e seria muito bacana poder mostrar a realidade dele.
Sempre fui muito fã da cultura urbana, em especial, dos movimentos que nascem e se desenvolvem nas ruas. Ao longo dos anos fui pesquisando e aprendendo sobre os grupos que usam a rua como forma de expressão. Dentro desta vasta lista, estão os motoclubes, organizações que reúnem amantes do motociclismo com a finalidade de desfrutar do lazer, entretenimento e, em alguns casos, também promover ações filantrópicas. O Abutre's, por exemplo, realiza com frequência ações beneficentes em prol da Ação de Combate ao Câncer (ACC) e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Acho muito foda a paixão que os motoclubes têm pelo estilo de vida que propagam.
Nessa jornada de buscas, descobri o Abutre's uns 12 anos atrás. O motoclube foi fundado em São Paulo em 1989, ano em que nasci. Não é à toa que os caras são preocupados com o acesso às suas dependências. Eles têm muita estrada rodada e um nome a zelar. Mas vou contar algumas curiosidades sobre essa turma. A primeira regra é: só entra quem é convidado e apadrinhado por algum membro mais antigo. Ou seja, todos que fazem parte do clube já foram um aprendiz um dia. Há todo um processo de crescimento pessoal dentro da organização. E isso é muito bacana. Todos os membros precisam ter uma moto preta e serem habilitados para conduzi-la de forma legal. É o famoso "ter licença para dirigir". Ah, um detalhe importante: a idade mínima de ingresso é 25 anos. Antes disso, os garotos podem apenas observar e aprender.
Mesmo depois de ser autorizado a fazer parte do clube, o indivíduo só passa a ser chamado de "parceiro" depois de alguns meses de estrada. Se continuar participando das viagens, reuniões e atividades, aí ele pode se tornar um "raça". Com mais algum tempo de experiência, ele é nomeado "meio escudo". Por fim, depois de uma sequência de avaliações e muitos meses de dedicação ao motoclube, o novo integrante é aceito completamente e torna-se um membro "escudado". Já deu para entender que não é um grupinho qualquer, né? O processo exige dedicação aprendizado contínuo.
Conforme o tempo for passando e o motociclista (nunca use o termo "motoqueiro", que é mal visto entre o clã) for acumulando mais experiências, viagens e dedicação ao clube, ele pode se tornar um "nômade", que é a categoria com mais moral entre os membros do Abutre's, abaixo apenas da presidência e dos diretores.
O clube, no entanto, não aceita mulheres. A maioria das que querem seguir o mesmo caminho faz parte do motoclube Perpétuas, só para mulheres. Lá, elas mandam. E fica cada um no seu quadrado – os caras dirigem seu clube e as minas, o delas.
O nome Abutre's foi escolhido porque representa a ave que voa mais alto e é mais livre. Assim é a vida dos membros desse clube. A liberdade é o ideal mais importante para esses motociclistas. Porém, entrar para o time não é um oba-oba. É importante que cada pessoa avalie bem sua própria personalidade e suas próprias intenções antes de se inscrever. O bagulho é sério. Para fazer uma tatuagem que remeta ao Abutre's, por exemplo, o membro precisa ter uma autorizacão de seus superiores. Mas, caso o cara desista de fazer parte do grupo, ele terá que remover também as marcas do clube da pele, além de devolver o colete de couro. E sua volta jamais será permitida novamente.
Um dos símbolos mais importantes da turma é o "1%", que significa a parcela dos que realmente levam o motociclismo a sério em suas vidas. A sigla A.S.S.A. (Abutre's sempre. Sempre Abutre's) é outro signo muito visto por quem transita entre os caras.
Muita gente acha que ser motociclista significa apenas ter atitude, usar roupas pretas, jaquetas de couro, barba grande, gostar de rock n' roll e fazer cara de mau. Alguns até acreditam que os caras são "malvadões". Mas a verdade é que eles são muito gente boa e têm uma boa reputação até na Organização das Nações Unidas (ONU). Eles já foram premiados pelo órgão internacional em reconhecimento às ações beneficentes que fazem em prol da ACC e da APAE. O pessoal do Abutres promove constantes eventos de doações de brinquedos, roupas e comida para a população mais necessitada. No fim das contas, isso que significa fazer parte dessa galera.
Consegui acesso a esse universo quando fui convidado por um dos diretores regionais do Abutre's do Rio para fazer as fotos de um evento anual, onde rolou muita música, motos, churrasco e, principalmente, cerveja. Pude registrar o evento, fiz retratos de outros clubes presentes e de tudo o que tinha ao redor. Fiquei fascinado com tudo o que vi e fico feliz de poder compartilhar o que descobri sobre esse grupo de caras mau-encarados que não gostam de fotos. E ainda digo mais: pretendo continuar frequentando a sede.