Vinicius Castro, letra e música
O artista que faz música para as próximas gerações pensando nas anteriores
Publicado em 04/2018
Falar sobre amor é legal, e 150% dos músicos e compositores do universo sideral já o fizeram. Mas como encontrar uma forma particular, quem sabe inédita, especial, pra falar sobre o seu amor? Vinicius Castro encontrou, e nem foi diretamente na relação entre ele e sua mulher, mas no caminho que seus antepassados percorreram até que eles se encontrassem. Bonito, né?
Em dez anos de relacionamento, a ideia só surgiu em 2017, na pequena cidade de Múrcia, no sul da Espanha, para onde o casal se mudou para que ela pudesse fazer mestrado, e se transformou no single "Ancestrais" - escuta aqui.
“A cidade toda é muito ancestral. É um país que tem muitos séculos de história a mais que o Brasil, e isso é muito latente no dia a dia. Nunca soube como fazer uma música pra ela, e a única forma que eu percebi foi nós estarmos lá sozinhos, numa cidade que tem um passado enorme, mas nada daquele passado faz parte do nosso passado. Parei pra pensar nos nossos antepassados e em cada micro escolha que eles fizeram para que nós nos encontrássemos. Tanta coisa precisou acontecer até que nós decidíssemos casar. É realmente a imagem de um funil, um relógio de areia, que a partir de nós vai voltar a se abrir com os descendentes que virão”, explica o compositor, músico, instrumentista, engenheiro de áudio e mais um pouco - tudo o que você precisar dentro do universo musical o Vinicius faz.
Mas tudo começou sem música, só com lápis e papel, quando ele tinha doze anos. Já as primeiras poesias da pré-adolescência estavam fadadas a se transformarem em canções. “Mesmo sem tocar nada, eu falava que aquelas eram letras de música e não poesias. Aí fui aprender arranjo para fazer músicas com aquelas letras. Depois, fiz faculdade pra produzir os arranjos das músicas com aquelas letras. Aí fui morar em Nova York para estudar engenharia de áudio e gravar a produção dos arranjos das músicas que eu fiz para aquelas letras. Tudo sempre esteve conectado à letra”, recorda. E por mais que ele acumule experiências e especializações, é a letra que sempre guiou o seu caminho.
Mesmo sem ter crianças em casa, Vinicius não aguentava mais ouvir músicas infantis, ainda que esporadicamente. Da Galinha Pintadinha à ciranda cirandinha. A questão não eram os acordes (ok, talvez também fossem eles), mas principalmente as letras, “que não respeitam a inteligência da criança”. “Ainda dizem que todo trabalho infantil ‘é pra família toda’ e não é, nos shows os pais estão querendo se matar, cansados de ouvir aquelas coisas”, desabafa o músico, que pra não ficar só reclamando, decidiu se desafiar e escrever músicas para os pequenos.
Do primeiro jogo de palavras até hoje, já se passaram oito anos, uma música gravada pela Vila Sésamo e pelos ídolos Gilberto Gil e Lenine ("Ser diferente é normal", feita com Adilson Xavier, para a divulgação da campanha de inclusão de pessoas portadoras de síndrome de Down), um Grupo Cria e muitas crianças cantarolantes nos shows que a banda faz pelo país - mesmo quando Vinicius está em outro país.
Faz quase três anos que o músico e sua mulher estão com CEP estrangeiro: foi um ano e meio em Nova York, pro curso de engenharia de áudio, e os últimos meses em Múrcia. Mas nos encontramos no Rio de Janeiro mesmo, entre uma sessão e outra de gravação do segundo disco do Grupo Cria - o projeto infantil que acabou virando “talvez o único trabalho que tenha algum sentido de fato”, entre todas as posições em que ele joga.
Mas por quê? “Não sei, talvez porque é um trabalho de criança, supostamente, um trabalho de base. O Cria é sobre estabelecer comunicação, acho que por isso ele é o mais bem sucedido nesse sentido. Foi o primeiro trabalho que eu falei: ‘cara, preciso comunicar essa mensagem com essas pessoas’. Acho que é por isso que ele faz sentido”, reflete.
O primeiro álbum foi regido pela família e cada faixa falava sobre um componente dela, a mãe, o pai, os avós, o cachorro e até o bolo de chocolate, mas sem se restringir a palavras fáceis ou trechos de repetições óbvias. “As minhas músicas não são infantis, são músicas que tratam do universo lúdico. E é por isso que não é pra falar que é infantil e que podemos falar que é pra família toda, porque não é pra criança, é pro ser humano e falando sobre o lúdico. A criança está vivendo o lúdico e o adulto está nostalgicamente presenciando a retomada do lúdico pelo filho. Todo mundo tem isso”, explica. Mas e se a terceira faixa tiver uma palavra difícil, que os pequenos não entendem? É só explicar.
O próximo disco, a ser lançado em outubro, é construído com desconstruções, aquelas que a gente tanto gosta. Tipo a princesa que não precisa só esperar pelo príncipe encantado e questionamentos sobre o herói que, além de bonitão, faz de tudo um pouco e, ainda bem, só existe na TV. A ideia é fazer da música um meio de contar histórias que atraiam diversas faixas etárias, como um livro.
“Começamos até a imaginar um novo nicho, que seria o da música literária para criança. Não se espera que uma criança grave toda a história daquele livro que você leu pra ela, e da mesma forma a música pode ser o ato de contar uma história. Ela pode ter cinco minutos, um milhão de partes diferentes, uma narrativa. E isso quebra conceitos de faixa etária. Delimitar faixa etária é emburrecer o conteúdo, e direcionar um conteúdo que não deve ser direcionado”, acredita.
“Se produzirmos um trabalho que só tem uma camada e o público não a enxerga, ele não enxerga mais nada. Mas se temos várias camadas, a criança vê uma, o adolescente vê outra, o adulto mais uma e o idoso enxerga ainda de outra forma e se identifica com cada uma daquelas camadas. O trabalho é pensar sobre o ser humano e não sobre a criança”, explica. Pensar em diversas gerações, afinal, em todas aquelas que se conectaram até a gente conhecer o Vinicius.
Agradecimento: Sofá Café Copacabana