Começar recomeçando - Tim Bernardes sem O Terno
Uma entrevista com lula ao vinagrete, arroz de brócolis e salada
Publicado em 02/2018
Na noite de 6 de outubro de 2017, no camarim do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, Tim Bernardes refletia apreensivo. Em meia hora começaria o show do seu disco solo, os ingressos tinham se esgotado e o público começava a encher o local. Mas não era por medo do público que ele estava preocupado. Tim estava rouco. Quando alguém aparecia para lhe perguntar alguma coisa, respondia com gestos, poupando a voz. Em silêncio no seu habitual estado de concentração antes de qualquer apresentação, ele pensou que a sua rouquidão, embora tivesse uma dose de nervosismo, era decorrente do cansaço de uma longa estrada que começou alguns anos antes daquele momento, o show de lançamento do seu primeiro álbum solo.
A criação de “Recomeçar” não foi um processo simples. Ele tinha trabalhado duro e se arriscado nas composições como nunca tinha feito antes. Com treze faixas autorais, o disco também traz a assinatura do músico na produção, mixagem e nos arranjos orquestrais de cordas, sopros e harpa. Aproveitando o embalo, ele mesmo dirigiu o clipe de uma das músicas. E fez tudo isso sem deixar de tocar com sua banda, O Terno, em turnê pelo país. Por isso, quando chegou o dia de lançar o disco, Tim já estava morrendo de cansaço.
"Isso que é meio foda de fazer um disco", ele me disse. "Quando termina, você pensa 'Pronto, agora eu quero dormir dois meses' Só que não dá porque logo começam os shows."
As luzes do Auditório Ibirapuera se apagaram e Tim entrou sozinho no palco, acenando para o público. No corpo esbelto de 1,91 metros de altura, vestia uma camisa vermelha surrada, calça jeans clara, cabelos longos e lisos presos em um coque com algumas mechas caindo no rosto, que davam o aspecto de ter sua aparência cuidadosamente desleixada. Sentou-se no banco do piano no centro do palco e começou a tocar as primeiras notas da faixa-título “Recomeçar”. Assim que começou a cantar, Tim percebeu que não iria conseguir alcançar o tom original da gravação e teve que, de improviso, mudar a melodia até o fim da canção. Depois emendou em uma versão ao piano da música “Talvez” e, novamente, ao cantar, percebeu que não ia dar. "Não vai rolar", ele pensou, "vou ter que falar pra galera que não vai rolar." No final da música, Tim virou-se de frente pra platéia, ajeitou o microfone e confessou que estava rouco, mostrando-se preocupado em não alcançar algumas notas das versões originais.
Sua sinceridade, seu carisma e sua conhecida irreverência - tanto vista nas músicas e nos shows da banda O Terno - foram eficientes em seduzir a platéia, que não se importou com a rouquidão, lhe aplaudiu e demonstrou estar junto do ídolo. Seus fãs não estavam ali para ouvir as músicas como no disco, mesmo porque já sabiam que não era isso o que Tim iria apresentar, mas sim uma versão onde tocaria sozinho todas as músicas, alternando o acompanhamento entre o violão e o piano. Mais que isso, seus fãs estavam ali para vê-lo dividir a sua intimidade, nesse que é seu trabalho mais íntimo. E como ser mais íntimo do que confessar suas falhas? A rouquidão tornou-se parte da proposta.
Assim o show prosseguiu.
Em uma música ou outra Tim Bernardes continuou fazendo pequenas alterações nas melodias, trocando os timbres de acordo com o que fosse achando legal na hora, e no final das contas percebeu que a situação tinha muito a ver com o álbum. "Era como se eu estivesse caminhando no escuro, como na época que gravei o disco. Por isso esse show acabou sendo para mim mais como um ritual do que um show."
Quem é quem
Martim Bernardes nasceu no dia 18 de junho de 1991 em São Paulo. Segundo conta a sua mãe, a primeira palavra que ele aprendeu a falar foi "musca", antes mesmo de "mamãe" e "papai". Desde que começou a engatinhar e a se apoiar nos móveis para poder ficar em pé, ele esticava seus bracinhos, impulsionava as pernas, erguendo o corpo para ficar hipnotizado vendo o vinil girar na vitrola. Na sua casa a música era mais do que um prazer, era também trabalho. Tim é filho do músico Maurício Pereira, ícone da música independente brasileira, integrante da banda Os Mulheres Negras. Percebendo que seu filho demonstrava um interesse particular pelo som, matriculou-o, aos seis anos de idade, numa aula de musicalização. A partir daí Tim foi conhecendo e aprendendo a tocar teclado, guitarra, baixo, bateria, um pouquinho de tudo. Mas foi aos quinze anos, após escutar Beatles e Mutantes, que percebeu como a música mexia com ele e sentiu que não tinha como escapar.
Cresceu trabalhando como roadie nos shows do pai e indo nos estúdios acompanhar as gravações. Com essa experiência, percebeu como a vida de músico no Brasil é difícil, complicada financeiramente, não proporciona segurança, nem estabilidade. Por isso, na hora de decidir prestar vestibular para uma faculdade, Tim pensou que deveria cursar outra coisa e levar a vida de músico como uma atividade paralela. "Eu falei para os meus pais que iria cursar jornalismo ou design, mas que queria ser músico", ele conta. "Então eles me disseram 'Se você quer fazer música, então não vai perder tempo fazendo outro curso'. Então entrei na faculdade de música".
Estudando música e contando com o apoio dos pais, ele pôde focar no seu desejo. Em meados de 2009, junto de dois amigos, Guilherme D'Almeida ("Peixe") no baixo e Victor Chaves na bateria, Tim assumiu a guitarra e os vocais e juntos montaram a banda O Terno. "Conheço o Peixe e o Chaves desde a escola e desde essa época já queríamos formar um trio. Montamos uma banda onde tocávamos cover dos Kinks, Yardbirds, Mutantes e Beatles, mas chegou a hora que queríamos compor e tocar nossas próprias músicas." Há três possíveis explicações para o nome da banda. Terno, substantivo: conjunto de três, trio; objeto: referências às bandas dos anos 60, onde os músicos tocavam de terno; adjetivo: quem tem sentimentos afetuosos, quem desperta afetos, ternura.
Em junho de 2012, a banda lançou o primeiro álbum, “66”, de forma independente. O disco contém cinco músicas autorais e cinco músicas escritas pelo Maurício Pereira. Desde seu lançamento, o disco foi muito bem recebido, sendo considerado "um dos mais impressionantes discos de estreia de uma banda brasileira" - segundo o jornal O Globo. Acabou ficando entre os 25 melhores álbuns brasileiros de 2012, escolhidos pela revista Rolling Stone. "Na primeira vez que pegamos um avião para tocar em outra cidade [Brasília], eu senti que o lance de fazer uma banda estava se concretizado", Tim me explica. "Eu tinha andado duas vezes de avião na vida, e aquilo de viajar carregando a própria guitarra representava para mim o sonho de ser músico e de ter uma banda."
Com o disco lançado e fazendo shows pelo país, O Terno foi se tornando conhecido, especialmente pelo estilo irônico e bem humorado das canções, como nos versos “Me diz meu Deus o que é que eu vou cantar? Se até cantar sobre ‘me diz meu Deus o que é que eu vou cantar’ já foi cantado por alguém? Além do mais tudo que é novo hoje em dia falam mal”. Em 2012, eles ganharam o prêmio de Aposta MTV no VMB. A faixa-título,”66”, rendeu o primeiro clipe da banda e foi premiado como Clipe do Ano do Prêmio Multishow 2012. Neste mesmo prêmio, eles se apresentaram com Nando Reis e Arnaldo Antunes. E no final do ano fizeram uma participação no Som Brasil Tropicália, da Rede Globo.
Em 2014, através de financiamento coletivo, lançaram o segundo álbum, “O Terno”, com 12 músicas autorais. Segundo o crítico André Felipe, do Monkeybuzz, "O Terno já tinha seu lugar firmado na música dos nossos dias. Com este lançamento, fica a ideia de como a banda será lembrada no futuro, com adjetivos muito mais apropriados do que os 'meninos que fazem música nostálgica'. São músicos que fazem música relevante."
Em março de 2015, Gabriel Basile ("Biel") substituiu Victor Chaves na bateria. Com essa nova formação, lançaram, em 2016, o terceiro álbum da banda, “Melhor Do Que Parece”. O disco, com 12 faixas, apresenta um passo em direção à maturidade, reflexo da chegada da vida adulta nos integrantes, como músicos e como indivíduos. Neste trabalho eles discorrem sobre os principais tormentos na vida de um jovem adulto. Sem deixar de lado a poesia bem humorada, que é uma marca das letras do Tim, agora também revela um romantismo em algumas composições importantes do disco, como em "Volta", que tem um milhão de cliques no Spotify, um número expressivo para uma banda indie que só lançou discos de forma independente.
Desde o lançamento do primeiro disco, Tim Bernardes teve as suas composições elogiadas. O reconhecimento lhe abriu caminhos e possibilitou parcerias com David Byrne, Tom Zé e Paulo Miklos.
Após cinco anos tocando em várias cidades do Brasil, em festivais internacionais, participando de diversos programas de televisão e da internet, a banda fez uma pequena pausa no início de 2017. Foi a brecha perfeita para Tim decidir juntar as canções que escrevia mas não se encaixavam no formato do trio, para trabalhar no seu primeiro disco solo.
Recomeçar
Encontrei com Tim Bernardes em uma tarde quente do mês de janeiro de 2018, na Adega Pérola, um bar tradicional de Copacabana. Quando eu e o fotógrafo Francisco Costa (o Chico) chegamos para a entrevista, Tim já estava sentado em uma das sete mesas de madeira do salão, de frente para a rua, com um cardápio na mão. "Estou morrendo de fome, vocês já almoçaram?", ele perguntou. Eram cinco horas da tarde, nosso almoço tinha sido algumas horas antes, então valia a pena comer mais um pouquinho. Chico pediu uma porção de lagosta em conserva como petisco e Tim pediu lula ao vinagrete com arroz de brócolis e salada.
Reparei o case da guitarra encostado na parede. Ele disse que estava voltando de uma entrevista na rádio e não havia encontrado tempo para comer nada. Perguntei se ele ainda aguentava responder as mesmas perguntas. "Ah, sim, é o meu trabalho. Eu tento encontrar formas diferentes de responder essas perguntas." Então comecei com a clássica "Como surgiram as composições para o disco solo?". É uma pergunta um tanto cretina cuja resposta é previsível, afinal, é normal um compositor compor muitas canções e, entre essas, algumas são finalizadas e gravadas, enquanto outras, ou são descartadas e vão pro lixo ou são guardadas para um outro projeto.
"Uma das primeiras músicas que compus e senti que não serviria para o repertório do Terno foi ‘Não’. É uma canção que fiz na época do primeiro disco da banda e as pessoas sempre me disseram que gostavam", respondeu. "Depois, numa fase após o término de um namoro, eu compus algumas músicas que não eram apenas sobre amor, mas também sobre estar sozinho, tentando entender o que eu queria fazer da vida."
Com o tempo ele foi juntando esses rascunhos numa lista intitulada Meu Disco Solo. "Eu ia fazendo as coisas do Terno e esquecia da lista, mas às vezes olhava ela, pensava numa ordem, pensava que poderia começar assim, assado, poderia ter uma abertura, pensava nos arranjos. Ou seja, eu tive muito tempo para pensar neste disco com calma porque não era um foco meu."
O Terno sempre foi o foco principal dos três integrantes, mas fazer projetos paralelos nunca foi um problema. Peixe e Biel já conheciam essas músicas que Tim estava compondo e sabiam que alguma hora ele iria fazer um disco sozinho, só precisava ter um tempo na turnê. "Eles apoiaram, eles são meus melhores amigos, eram as primeiras pessoas para quem eu mostrava as coisas."
Enquanto almoçava, Tim me explicou como foi o processo. "Em janeiro de 2017, eu marquei e paguei o estúdio. Assim virou um compromisso que eu tinha que cumprir. Já cheguei no estúdio com tudo pensado e anotado, trechos gravados no celular, anotações em cadernos, ideias de melodias, etc. Daí eu só tinha que seguir o roteiro que estava na cabeça."
A gravação aconteceu durante os três primeiros meses de 2017. De segunda a sexta, Tim chegava às dez da manhã e, junto do engenheiro de som Gui Jesus - dono do estúdio Canoa e produtor dos discos do Terno -, passava o dia inteiro trabalhando nas canções, só encerrando o expediente às dez da noite. O disco foi tomando forma e Tim foi tomando conta da produção, da costura das músicas e dos arranjos orquestrais de cordas, sopros e harpa, todos escritos por ele. Parte dos arranjos foi gravada por convidados especiais, entre eles Felipe Pacheco Ventura nas cordas, Marina Mello na harpa e Filipe Nader nos saxofones e na tuba.
Mesmo depois desses três meses de imersão no estúdio, Tim sentia que o disco ainda não estava pronto, então levou o material para casa, onde continuou mexendo nas gravações dos vocais e da percussão e acabou mixando tudo sozinho.
Enquanto falava, Tim gesticulava usando as duas mãos em movimentos sincronizados, isso me fez pensar que seus gestos pareciam com os de um maestro. Fiquei preocupado de estar atrapalhando seu almoço com tantas perguntas, mas ele respondia tudo com gentileza e graça. Chico retirou sua câmera da mochila e explicou que havia trazido uma Leica (na verdade uma versão digital da clássica câmera analógica alemã) especialmente para fazer as fotos do músico, por considerar que seu trabalho tinha uma forte influência dos estilos musicais dos anos 60. "Inclusive neste disco novo, não apenas nas músicas", Chico disse. "Hoje em dia, graças à democratização da criação musical possibilitada pela tecnologia, os músicos têm se preocupado em lançar singles ao invés de discos. E acho que nesse seu último trabalho você fez um disco, no sentido de que se preocupou com a obra completa e não apenas em criar hits."
Chico tinha razão. Tim confirmou a sua análise e disse que foi intencional. As treze canções de “Recomeçar” compõem uma narrativa, representam muitas partes de uma mesma história: “As músicas têm temáticas que se misturam, é como se o disco fosse uma música grande de 40 minutos”, explicou o cantor.
O álbum tem músicas que são sobre dor de amor e sobre solidão. O título do disco veio da música “Recomeçar”, que era uma de suas favoritas. "Decidi começar com uma versão instrumental de 'Recomeçar' como uma abertura de piano e orquestra na qual são apresentadas as melodias que aparecerão ao longo do disco." Esta é também a música que encerra o trabalho, e a sua letra abre uma esperança para uma nova chance na vida, “O que começa terá seu final / E isso é normal / A dor do fim vem pra purificar / Recomeçar”.
“Eu sentia que ela era muito importante porque eu não queria fazer um disco de fossa, de músicas tristes. O disco tem um arco, é sobre uma coisa que foi destruída e outra coisa que vai se construir. O disco é o caminho até de repente você se sentir pronto para recomeçar. Por isso essa é a música que abre e fecha o disco. O disco é sobre esse ciclo."
Entre as multitarefas empreendidas por Tim para este projeto, destaca-se também sua estreia como diretor do clipe de “Tanto Faz”. "Eu sempre tive vontade de dirigir um clipe, sempre quis estar envolvido. Como participei ativamente de tudo nesse disco, essa vontade de dirigir veio mais forte ainda.”
Depois do almoço, falei que precisávamos tirar algumas fotos dele. Perguntei se gostaria de ir até à praia, poderíamos fazer uma brincadeira com o fato do paulistano vir apresentar seu trabalho no Rio. Tim disse nunca ter ido à praia no Rio, mas se mostrou preparado ao mostrar que trazia em sua bolsa, além do celular e da carteira, um headphone, algumas cópias do disco, um antialérgico e uma sunga.
Mas Chico deu uma ideia melhor. Ao invés de contrastar o músico com o ambiente, porque não buscar algo que o identificasse? Sugeriu procurarmos algum cenário nos sebos ou nas lojas de vinis e antiquários da Galeria Cidade Copacabana, mais conhecida como Shopping da Siqueira, que ficava do outro lado da rua. Tim então nos revelou que numa outra vez que veio ao Rio, foi até o Shopping da Siqueira e entrou numa loja que vendia aparelhos eletrônicos antigos e comprou um microfone do mesmo modelo usado pelos Beatles para gravar a bateria. Foi com esse microfone que ele gravou “Recomeçar.”
Estava decidido. Era lá que faríamos as fotos.
Pagamos a conta e partimos para o outro lado da rua. Subimos a escada rolante, Tim carregando nas costas o enorme case com sua guitarra, e fomos direto para a loja, que, coincidentemente, ficava ao lado do Theatro Net Rio, onde ele se apresentaria no dia seguinte.
Uma vitrine pequena exibia dezenas de máquinas fotográficas antigas, câmeras de filmar e alguns outros “gadgets” eletrônicos do passado. Na porta de vidro, estava pendurada uma plaquinha com a palavra “Fechado”. Já se passavam das seis da noite, provavelmente todas as lojas estavam fechando, embora a noite estivesse clara graças ao horário de verão. Decidimos fazer as fotos na vitrine, em frente ao mostruário das câmeras fotográficas.
A ideia para a capa de “Recomeçar” seguiu o conceito da produção das canções. Tim chamou seu amigo Marco Lafer, diretor de alguns dos clipes do Terno, e pediu para ele usar uma câmera analógica. "No começo, o Marco sugeriu pegarmos uns rebatedores, umas luzes loucas, e eu disse: 'Não, vamos tentar fazer o mais cru possível, com luz natural, sem photoshop.' Então fomos para o sítio dele em Campos do Jordão. A gente acordava bem cedo, às cinco da manhã, e tirávamos umas fotos no sofá."
Terminada a nossa sessão de fotos, descemos pela famosa rampa circular localizada no centro da galeria. "Tenho que dar uma outra entrevista agora mas a jornalista está atrasada", Tim falou consultando o celular. “Vocês se importam de darmos mais uma volta por aqui até ela chegar?”. Respondemos que não e decidimos tomar um açaí. Perguntei o que ele tinha feito no Rio desde que havia chegado. Ele respondeu que no dia anterior tinha se encontrado com Cícero e foram juntos a um ensaio do bloco de carnaval Boi Tatá, no centro da cidade. Achou bonito a orquestra de metais tocando as tradicionais marchinhas.
Paramos na saída da galeria, de frente para a rua Figueiredo Magalhães. Tim seguiria para mais uma entrevista, depois voltaria ao hotel para descansar. No dia seguinte, planejava acordar cedo, andar pela praia, almoçar e ir direto para o teatro se concentrar para o show, marcado para começar às nove horas da noite.
O show de lançamento em São Paulo teve os ingressos esgotados. No Rio, estavam perto disso. "A recepção está excepcionalmente boa. Eu tô muito feliz. Não era super claro para mim a minha expectativa com esse disco. Mas na medida que o disco foi sendo feito e ficando pronto, eu me dei conta de que esse talvez seja o maior trabalho que eu fiz até agora. E por isso tentei lançar da melhor forma possível, tentando chegar no maior número de pessoas possível. Fiquei contente porque teve uma recepção boa na mídia e entre os músicos, mas principalmente do público.
"Passei o ano novo no litoral paulista e vieram duas garotas, uma de nove e outra de doze, e me falaram que foram no show e gostaram. Depois, voltando da praia, uma mulher de sessenta anos me parou e disse que tinha ouvido o disco e que tinha gostado. Eu reparei que, por ter feito um trabalho sincero, eu consegui amplificar uma coisa que é muito universal... porque o hipster sofre, o sertanejo sofre, o metaleiro sofre, então não é uma coisa só de nicho. O Terno é um pouco mais freak, nesse trabalho solo eu quis que fosse mais plural mesmo."
Tim recebeu a mensagem da jornalista avisando que ela já tinha chegado. Nos despedimos e avisamos que voltaríamos no dia seguinte para assistir o show. Então, a figura esbelta e alta de 1,91 metros de altura, cabelos desgrenhados presos num coque no topo da cabeça, carregando sua imensa guitarra nas costas, sumiu pelos corredores do interior da galeria.
Daqui pra frente
Na entrada do Theatro Net Rio, uma fila se formava com um público jovem de visual descolado, roupas cuidadosamente garimpadas em brechós ou compradas em lojas gringas, portando uma estética retrô vanguardista. Como é sabido, faz parte da concepção da personalidade de qualquer fã se inspirar no ídolo, em todas as camadas, desde no comportamento até nas roupas e acessórios que ele usa. Entre o público presente havia conhecidos nomes da cena musical indie do Rio: Clarice Falcão, Cícero, os integrantes da banda Baleia, Tom Veloso, Marcela Vale (Mahmundi), todos em turma.
Enquanto o público entrava e procurava seus assentos, Tim se concentrava em silêncio no camarim, dessa vez sem a apreensão da sua estreia em São Paulo - afinal, ele não estava rouco e poderia mostrar suas canções como havia gravado.
No palco, o cenário consistia em um belo piano de cauda, duas guitarras, pedais e caixas de som, tudo comprimido no centro para dar a sensação de estar num quartinho cheio de instrumentos.
As luzes se apagaram e um foco de luz iluminou Tim surgindo da coxia, acenando para o público que aplaudia a sua entrada. Vestindo o mesmo figurino da estreia em São Paulo, sentou no banco do piano e começou a tocar a música de abertura do disco. Tocando sozinho, as canções perdiam os aspectos orquestrais para proporcionar uma nova experiência mais enxuta e intimista. "Minha ideia é mostrar para as pessoas as canções como eu as compunha, no meu próprio quarto", me revelou no dia anterior.
Depois, emendou o fim da primeira música com uma versão de “Talvez” no piano. Com sua voz preenchendo todo o teatro, acompanhado apenas do dedilhar hipnótico no piano, não senti falta dos outros instrumentos. No final dessa, ele pegou uma das guitarras e conferiu a afinação. "Deixa eu afinar rapidinho", ele disse no microfone. "Na verdade, é só uma desculpa para eu poder conversar com vocês. Afinal, eu vim para o Rio e quero aproveitar ao máximo", completa, ganhando a simpatia do público, que respondia seus comentários. "Nossa, hoje está fazendo muito calor. Mas muito calor mesmo. Bastante calor. Acho legal que vocês têm isso" disse, irônico, e todos riram.
O show seguiu neste misto de músicas tristes com intervalos doces e cômicos falados pelo autor. O que poderia ter sido um show melancólico, pelo conteúdo das letras, foi uma apresentação divertida e suave. Enquanto executava as canções, a plateia permanecia atenta, em silêncio. Tim aproveitou para tocar versões de músicas que o inspiraram. "Decidi tocar aqui também algumas canções que eu tocava sozinho no meu quarto na época que estava compondo o disco. São músicas que de certa forma me influenciaram", e então fez um medley de “Que Nega é Essa”, de Jorge Ben, com “Esotérico”, de Gilberto Gil. Durante o show, ele também tocou Black Sabbath, Belchior, Jards Macalé, algumas músicas do O Terno, uma canção que compôs para o disco do Paulo Miklos e uma música inédita do seu amigo Marcelo Cessa, ex-integrante da banda Garotas Suecas.
Tim Bernardes deixou claro que é um dos nomes mais instigantes de uma geração de músicos que compõem canções, mesmo após a morte da canção, anunciada por um de seus maiores compositores, Chico Buarque. Mas como escreveu o próprio Tim no primeiro disco do Terno, Me diz meu Deus o que é que eu vou cantar? Se até cantar sobre ‘me diz meu Deus o que é que eu vou cantar’ já foi cantado por alguém?, não há mais a intenção de ser referência de um ideal coletivo de transformação do país, nem de ser um veículo que fala com todo mundo, como a canção foi há décadas atrás. Agora é a canção após a sua morte (não confundir com pós-canção), livre dos compromissos e pretensões de ser mais do que uma história cantada sob um ritmo melódico e que possa encontrar seus dez ouvintes ainda interessados em sua mensagem.
O final do show foi como o final de um filme. Após nos fazer atravessar por momentos sublimes de tristeza, graça e empatia, movimentos mais rápidos e outros mais lentos, o show acabou calmo como os créditos que sobem numa tela preta e deixam no público a sensação de ter vivido a fantasia no real.
Em um país quebrado como esse - para não dizer trucidado, humilhado, esquartejado -, que outra mensagem pode ser mais valiosa do que recomeçar?