RETRATO: ANA FRANGO ELÉTRICO
A trajetória da artista até o lançamento do seu disco Mormaço Queima
Publicado em 05/2018
Em março de 2016, 65 escolas públicas no estado do Rio de Janeiro foram ocupadas por centenas de alunos que reivindicavam melhorias e mudanças no sistema de ensino público. Durante vários dias eles produziram debates sobre educação e sociedade, exposições de artes, saraus, shows de música, teatro, aulas de dança, música, capoeira, entre outras atividades. Juntos deles, ex-alunos do ensino público, alunos engajados das escolas privadas, artistas, professores de todas as redes, colaboraram e acompanharam tudo de perto.
No dia 13 de maio, fui à ocupação da escola Amaro Cavalcanti, localizada no bairro Laranjeiras, para assistir um dia cheio com apresentações de artistas locais. Poetas declamaram poemas, atrizes e atores performaram cenas, palhaços contaram piadas, músicos tocaram canções próprias e versões de músicas conhecidas. Era contagiante estar junto, fazer parte do movimento gerado por uma força jovem e enérgica que pulsava sugerindo novidades. Estava chegando perto do fim da programação quando uma garota subiu ao palco empunhando uma guitarra. Vestindo uma camisa xadrez, calças jeans rasgadas, cabelos pretos cacheados que escondiam parte do rosto, se posicionou em frente ao microfone, tocou uma sequência de dois acordes e começou a cantar:
"Ainda tentando chutar a bola
com o pneu da bicicleta.
Se de noite cada vez que liga a luz
é um novo dia pro seu peixe.
Amanhã, por acaso
pode ver o passeador de cachorros,
que parece o Lenny Kravitz."
A simplicidade da batida tocada em uma guitarra sem efeitos e a letra irreverente provocaram risadas na plateia acometida por um interesse incomum. Quem era ela? Seu jeito despretensioso de tocar e cantar era diferente de tudo o que tínhamos visto ao longo do dia.
"Mistura magenta com azul e vai botar
algum fogo no pau santo esquecido
que sua irmã te trouxe de viagem."
Ela cantava olhando para um ponto fixo no fundo da plateia e de vez em quando escorregava o olho para as pessoas, disfarçando o que talvez era sua timidez. Errou uma nota, deu uma risada, colocou a língua pra fora e seguiu em frente. Dessa vez acelerou a batida e começou a gritar:
"Fala pa caraio mas não pixa igreja.
Fala pa caraio mas não fax xixi em igreja."
Todos riram e aplaudiram. Logo que terminou uma música começou outra, com a mesma pegada, e provavelmente a mesma sequência de acordes, só mudando a letra e a melodia. Não dizia nada, apenas tocava e cantava. Seguiu assim por mais duas ou três canções próprias, todas no mesmo estilo. Seu jeito desleixado, escancaradamente jovem, suas músicas que mais pareciam rascunhos, davam o carimbo da sua autenticidade. Essa impressão também foi percebida pelas outras pessoas que estavam ali comigo na plateia, incluindo meu amigo Vitor Paiva, poeta e músico possuidor de um conhecimento enciclopédico sobre música. "Quem é essa garota?", a gente se perguntava. "De onde ela veio? Qual o nome dela?" Então um dos estudantes ao meu lado respondeu "Ela é a Ana Frango Elétrico."
Após a apresentação, Ana desceu do palco da mesma forma como subiu, tímida e desengonçada, carregando o enorme case da guitarra nas costas.
Eu e Vitor a encontramos no pátio da escola, conversando com Santiago Perlingeiro. San, como é chamado por nós, foi quem a trouxe para a ocupação. Ele trabalhava há algum tempo como produtor do sarau de poesia CEP 20.000, função que havia lhe apurado os sentidos para reconhecer um talento quando via um. San havia conhecido Ana uma semana antes, na apresentação que ela tinha feito na ocupação de outra escola, e não perdeu tempo, a convidou para se apresentar na Amaro Cavalcanti.
Assim que a encontramos, nos apresentamos e elogiamos sua performance. Ana sorriu aceitando os elogios com surpresa. Conversar com Ana comprovou a sua autenticidade, revelando um descompromisso cool de quem parece que não sabe do que é capaz, mas na verdade sabe muito bem o que está fazendo. Eu e meus amigos, que estávamos cansados de tanta seriedade, dos artistas que se achavam sérios demais, forçados a defenderem seus projetos para editais ou bancas acadêmicas, vimos em Ana Frango Elétrico um poço de talento criativo.
Quando ela nos disse que tinha 17 anos foi como um tiro nas nossas tristes almas de velhos de trinta e poucos. E nós, como pobres artistas que se consideram maduros e entendedores demais do assunto, dissemos que ela teria um futuro lindo pela frente se a partir dali escutasse as nossas sugestões. Não dissemos assim, com essas palavras, mas deixamos entender que ela poderia fazer parte da turma.
Por sorte, e por sua sagacidade, ela não nos escutou, e dois anos depois Ana Frango Elétrico estava lotando o tradicional teatro Sérgio Porto com o show de lançamento do seu primeiro disco solo, Mormaço Queima.
ENCONTRO NO ESTÚDIO
Poucos dias antes do show de lançamento do seu primeiro disco, eu e o fotógrafo Francisco Costa fomos encontrá-la no estúdio onde ensaiava com sua banda. Chegamos na hora marcada, às 20h, e Ana nos recebeu na porta. O ensaio estava acontecendo desde às 18h, mas ela tinha pedido para chegarmos um pouco depois pois estava nervosa com os arranjos de algumas músicas. No estúdio, os integrantes da banda empunhavam seus instrumentos. No baixo, Vovô Bebê (nome artístico de Pedro Dias Carneiro); na bateria, Guilherme Lírio; Antonio Neves no trombone.
Era um estúdio pequeno, cheio de instrumentos, caixas e mesas de som, cabos e tripés. "Vocês podem sentar onde quiserem, fiquem à vontade", disse Ana, se posicionando atrás do microfone. Sentei em cima de uma caixa de retorno que não estava sendo usada e Francisco sentou na cadeira do engenheiro de som, a única cadeira do lugar. Ele tirou uma câmera analógica da mochila, escolhida especialmente para a ocasião. "Posso tirar umas fotos?", Francisco perguntou. "Só vou deixar porque é com essa câmera", Ana respondeu sorrindo.
Falei para eles voltarem ao ensaio e não se importarem com a gente.
Ana passou a correia da guitarra pela cabeça e comandou o ensaio, "Então vamos voltar. Queria testar um solo para 'No Bico do Mamilo'". Guilherme fez a contagem um, dois, três com a baqueta da bateria e começaram a tocar.
"No metrô eu penso que passo
Num subterrâneo, perto da tua casa
Como dói
No bico do mamilo
um peteleco gelado"
No instante em que repetia "Como dóóóiii", Ana deu um salto para trás. A banda parou de tocar e perguntaram o que tinha acontecido. "Levei um choque do microfone", ela respondeu rindo. Perguntei se ela estava bem. "Tudo bem", ela disse, "Eu vivo tomando choque. É normal. Deve ser por causa do nome."
Ana puxou uma meia e cobriu o microfone para protegê-la do contato.
"Qual música vamos tocar no bis?", Vovô Bebê perguntou.
"Eu acho que podemos tocar 'Picles', e aí a gente pode se dar uma zoada", Ana respondeu.
O que Ana quis dizer com "se dar uma zoada" é ficar improvisando até o final. "A gente pode ficar tipo futebol, vai passando a bola pra cada um, primeiro você faz uma coisa no baixo, depois o Gui na bateria, e assim por diante. A gente vai acompanhando com o que cada um for tocando."
MAGENTA COM AZUL
Ana Fainguelernt nasceu no dia 9 de dezembro de 1997 no Rio de Janeiro. Filha de um artista plástico e uma psicóloga, Ana entrou numa escola de música aos seis anos, para fazer aula de experimentação sonora. Aos sete já sabia ler partitura e tocava piano clássico em recitais.
"Estudei a vida inteira no CEAT, que é um colégio que tem uma preocupação com a educação artística e cultural dos alunos. Pois então, graças aos meus pais e ao ambiente da escola, fui estimulada desde cedo a gostar de arte", disse ela durante um intervalo do ensaio.
Aos dez anos passou na prova de admissão da conceituada escola de música Villa Lobos. Foi então que começou a estudar mais aprofundadamente os conceitos de música, escalas, tempo, afinação, teoria musical. "Foi aí que comecei a não gostar mais de música. Poxa, o negócio que antes para mim era divertido se tornou uma obrigação. Virou uma coisa muito careta, tinha até prova pra passar."
"Eu gostava de música pop norte americana. Com 10 anos de idade eu queria ser cantora pop, não queria estar tocando música clássica. Na escola eu estudava concerto e em casa eu tocava música pop."
Perguntei para ela que tipo de pop ela gostava de ouvir. Spice Girls? Britney? Madonna? "Nããão, essas coisas eram velhas para mim", ela respondeu. "Eu gostava do pop adolescente da minha época. Hannah Montana, era o que eu mais curtia. Desde pequena eu ouvia Gil, Novos Baianos, Chico César, eram coisas que tocavam na minha casa e eu gostava. Mas nessa época eu era fissurada mesmo em Hannah Montana, e pensando agora isso é um dado muito engraçado sobre mim porque tem uma coisa que me pegava nessa série que era de ser duas pessoas."
Eu não sabia do que ela estava falando e então pedi para me explicar. Desconfiando que alguns leitores aqui também não farão a mínima ideia do que significa, explico.
Hannah Montana foi uma série de televisão estadunidense que contava a história de Miley Stewart, uma garota do ensino médio que escondia o segredo de ser a pop star chamada Hannah Montana. Escondendo sua verdadeira identidade com uma peruca loira, Miley viajava pelo mundo tocando em shows repletos de fãs. Dessa forma, ela vivia uma vida popular que muitas garotas sonham em ter, mas ao mesmo tempo em que desfrutava do glamour como Hannah, ela também queria ser tratada como uma garota "normal" na escola e no dia a dia.
"Essa história me tocava porque... a adolescência tem isso da gente querer parecer com o outro. Eu sempre fui uma garota meio moleque, mas aí cê vai crescendo e tem uma fase que você tem que ser meio patricinha."
O processo de entender a própria identidade despertou quando formou com seus amigos de colégio a banda Almoço Nu (referência ao livro Naked Lunch, de William Burroughs). Ana tinha 16 anos e começou a compor as suas primeiras músicas. "Eu vivia a vida normal de uma garota, ia pra escola, me apaixonava, sofria, mas esse foi o momento que parei de querer parecer com alguém, sabe? Antes eu alisava o cabelo, por isso não era bonita. Mas a partir desse momento que comecei a compor, pintar e escrever, foi também o processo que me fez entender quem eu era."
Conhecida como doença do beijo, a mononucleose costuma acometer os adolescentes, provoca febre, dores no pescoço, a indicação é de permanecer em repouso completo, e dependendo da pessoa, pode durar de semanas há meses para se recuperar totalmente. Ana passou vários meses em tratamento e aproveitou os dias que não ia para escola para trabalhar em suas criações. Criou uma personagem, espécie de alter ego, e deu o nome de Nóia. “Eu sentia aquela fadiga característica da mononucleose e achava que ia morrer! A primeira música que fiz se chamava 'De mim para Nóia'. Essas primeiras composições eram bem 'noiadas'. Eram músicas que simplesmente vinham, como se eu tivesse uma antena que captava tanto a letra como a melodia do nada.”
Nesta mesma época ficou sabendo, através da sua irmã, de uma velha história da família. Seu avô, na época em que fazia faculdade de engenharia, sofria bullying dos colegas pela dificuldade que eles tinham de pronunciar o sobrenome de origem russa, Fainguelernt, e o apelidaram de "Frango Elétrico". Ele detestava a brincadeira e fez de tudo para que o apelido não colasse. Assim que ouviu essa história, Ana teve uma ideia. Contou para uma amiga que comentou “Frango Elétrico? Esse nome é a sua cara! Como você nunca pensou nisso?”. O apelido do avô tinha sido predestinado a batizar a neta artista.
ELECTRICHICKEN
Ana Frango Elétrico assumiu o nome artístico em sua primeira apresentação solo, no dia 2 de maio de 2016, na ocupação da escola André Maurois.
"Eu já estava tocando em saraus de colégio, mas tava querendo tocar mais as músicas que eu tinha e não serviam para o Almoço Nu. Então soube que tava rolando as ocupações das escolas públicas. Fui lá ver qual era. A galera tinha falado que a gente podia levar o que tivesse para mostrar, então levei uns quadros, mas quando vi que estava rolando uns showzinhos, pedi pra tocar. Antes de me apresentar, o organizador perguntou meu nome e eu disse Ana Frango Elétrico."
Ou seja, no dia em que a conheci, era a segunda vez que ela se apresentava como Ana Frango Elétrico. Me lembro de naquele dia conversar com ela sobre isso. "De onde veio esse nome?", perguntei e ela balançou a cabeça dizendo "Meu nome de verdade é Fainguelernt, mas ninguém sabe falar. Ainda não tenho muita certeza de qual nome devo usar." Imediatamente respondi "Frango Elétrico, com certeza!"
Depois daquele dia, Ana foi sendo convidada para tocar em outras ocupações, em saraus, pequenos encontros, cada show lhe fazia conhecer mais pessoas que acabavam lhe chamando para outros eventos. Santiago foi seu principal divulgador, sempre lhe colocando na programação de shows e de pequenos festivais que ele organizava. A troca entre os dois funcionou tão bem que San acabou se tornando seu namorado e produtor.
Em 2017 Santiago foi responsável por indicar jovens artistas para um evento na programação da FLIP. Esperto e antenado, ele indicou Geovani Martins (escritor que acabou de lançar o livro O Sol na Cabeça, pela Cia das Letras), Matheus Torreão (músico que está prestes a lançar seu primeiro álbum), e claro, Ana Frango Elétrico. Participaram de uma mesa sobre canção, conversaram sobre suas composições e depois cada um tocou cinco músicas. No dia seguinte uma foto da Ana estampava o caderno de cultura do principal jornal do Rio.
A partir daí seu nome circulou em alta voltagem pelo público e artistas da cena alternativa carioca. Foi uma questão de tempo para que ela sentisse vontade de gravar suas músicas. Uma das primeiras pessoas com quem falou sobre isso foi com o baterista Marcelo Callado, que topou produzir o disco.
A gravação durou um ano, tempo necessário para a criação dos arranjos dessas canções que ela costumava tocar apenas com voz e guitarra. "Acho que a gravação fez jus à maneira que eu toco, simples e natural. Mas o disco não é aquela coisa crua das primeiras apresentações. Adoro sopro, adoro backing vocal, dobrar a voz, são coisas que eu quis colocar no disco." Além de Callado, Gustavo Benjão, Nassif e Guilherme Lírio também assinam a produção. "Cada produtor tinha um processo e todo mundo me deu muita liberdade, não me menosprezaram por eu ser mais nova, pelo contrário, foi uma produção muito horizontal."
Enquanto ela falava, reparei que as unhas da sua mão esquerda estavam pintadas cada uma de uma cor, vermelho, amarelo, azul, roxo, preto.
"Gosto muito da combinação da cor vermelha com amarela." Inclusive essas são as cores que predominam na capa do disco, criada por ela e pelas irmãs Joana e Bárbara Tavares. Na capa, Ana sopra uma bola de sabão por cima de uma mesa cheia de brinquedos. "Eu uso muitas referências de desenhos animados como estética. Gosto de buscar essas influências que estão na gente desde criança e pensar em como que acessamos coisas que estão no nosso inconsciente. Cores, formas, coisas."
O show de lançamento do disco Mormaço Queima aconteceu na noite de 20 de abril de 2018 no tradicional teatro Sérgio Porto, palco de bandas independentes. Meia hora antes do show, o lugar já estava lotado, com os portões fechados e uma fila de umas 50 pessoas do lado de fora que não conseguiram ingresso. Ellen, uma das meninas que ficaram do lado de fora, me disse "Eu não esperava que isso fosse acontecer. Não é comum um evento lotar aqui no Sérgio Porto." Miguel, que estava com ela completou "Todo mundo está acostumado a chegar uma hora, até meia hora antes do show e conseguir ingresso."
Ouvi os primeiros acordes e corri para dentro do teatro. O show havia começado. O ambiente estava fervendo, o chão tremia, as pessoas, em sua maioria adolescentes, se encostavam suadas, dançavam juntas, pulavam e cantavam. No palco, Ana cantava sorrindo, piscando para a platéia e descendo a mão na guitarra. Era uma artista completamente diferente daquela que eu havia visto na primeira vez. Quer dizer, seu talento e sua autenticidade permaneciam intocáveis, mas sua presença de palco havia amadurecido.
BOSSA POP ROCK
Saindo do estúdio após o ensaio, perguntei a Ana sobre a matéria que havia saído no jornal em que ela própria dizia que sua música era Bossa Pop Rock. Ela soltou um Ahhh virando o rosto e disse "Tenho aversão ao termo 'Nova MPB', e para escapar disso eu saí dizendo que meu trabalho era Bossa Pop Rock, para não dar nem brecha, pois iam logo dizer que meu som é ‘nova mpb que bebe com a tropicália’, etc."
Ana falava rápido, estava numa excitação pós-ensaio-pré-show. As palavras se atropelavam quando saiam da sua boca. Sua cabeça parecia funcionar em alta velocidade. Ela estava segura em relação ao seu trabalho, à artista que havia se tornado, suas ideias estavam se concretizando e ela sabia muito bem o que estava fazendo.
"Detesto quando me elogiam dizendo 'Você lembra tanto fulaninho com fulaninho, misturado com fulaninho'. Eu acredito num pós Tropicalismo. Não tem mais Duprat, não tem mais Rogério Duarte, agora a liga é outra. Me irrita muito isso, pois minha geração vive uma ressaca de grandes artistas que bombaram e tiveram influência tanto no meio intelectual como popular. Os artistas da minha geração vivem lamentando o quanto é difícil fazer uma parada nova depois do que esses artistas criaram, mas eu fico pensando... eu sou de uma geração que já nasceu com a internet, é muita informação, a gente não consegue mais dizer o que influencia e o que não influencia, não dá mais pra saber quem é minha referência e a referência do meu amigo, porque, por exemplo, as coisas que escuto no Youtube vão me recomendar outras coisas que não serão as mesmas recomendadas para você."
Na hora de nos despedirmos, perguntei se ela tinha receio de que suas músicas fossem incompreendidas.
"Eu sei que tem gente que gosta das músicas, mas com certeza tem gente que fala 'Que merda é essa? Que idiotice é essa que essa garota está falando aí?'. O que eu quero é fazer a pessoa pensar enquanto está escutando. Porque a maioria das músicas que fazem sucesso... não necessitam que você pense. Eu não preciso usar palavras para dizer que tô sofrendo ou que tô feliz, eu falo outras coisas e a pessoa que ouvir que entenda como queira. A música tem várias camadas, não é só letra, tem melodia, harmonia, interpretação, ritmo, há um preciosismo em considerar a letra como a parte mais importante, como se a música precisasse conter uma história ou uma mensagem. Uma vez eu disse que minhas músicas podem servir para filmes europeus, porque lá ninguém vai entender do que estou falando."
Para terminar, decidi fazer o jogo do significado das canções. Eu falava o título das músicas e Ana me dizia a primeira coisa que vinha em sua cabeça. Na linha inspirada em Tom Zé, o resultado da brincadeira produz confusão para poder explicar.
Aqui vão as músicas de Mormaço Queima por Ana Frango Elétrico:
- FARELOS
A gente estava um dia no bar bebendo uma cerveja e tinha um amigo israelense, e a gente estava comendo uma coisa que tinha acabado. Esse amigo queria comer mas só tinha sobrado os farelos, mas como explicar para um gringo o que é Farelo? Sempre gostei dessa coisa de misturar e colocar palavra no português.
- NO BICO DO MAMILO
Metrô, onda paralelismo, desce em cima embaixo, esse raciocínio de estar embaixo, a casa estar em baixo, e só desemboca nas semelhanças entre peixe, pirata e suicídio.
- ROXO
Poesia mundana, também paralelista, ligar a luz e ser um novo dia para o seu peixe, o passeador Lenny Kravitz era um cara bonito que eu via carregando vários cachorros e me gerava muita curiosidade. Pixar e fazer xixi é questão de território. Essa música é para um burguês que ainda bate a cabeça na parede com questões ridículas. No final é isso, vai colocar fogo em alguma coisa, em que seja no pau santo que sua irmã lhe trouxe de viagem.
- LOTERIA
Uma das minhas primeiras músicas. Onda mais rock decadente com pegada pop na cor. Música circular.
- TRAGO
Onda circular, pressão baixa, queda.
-PICLES
Tem a ver com esse lugar pelo meu interesse pela criança e inconsciente coletivo, coisas que entram na cabeça. Como MCDonald's, o vermelho e amarelo, e o diacho do picles que todo mundo pedia pra tirar.