JamaiCaxias:
Cultura Dancehall até o talo
Publicado em 01/2019
O Dancehall nasceu na Jamaica, como a renovação da juventude de lá. Ao procurarem referências para além do Dub, Reggae e da cultura Soundsystem, acabaram desenvolvendo sua própria forma de se expressar.
O Nyabinghi, a batida que move os corações de quem respira essa cultura, parte da concepção de que você é o que é, de dia trabalhadora, a noite, a trabalhadora que dança e não deixa as responsas caírem. Sua relação com o empoderamento feminino é extrema, e daí Isa Czar e KBrum, foram aos poucos construindo sua visão da onde estavam indo e como criar uma relação fluida.
"Cara, assim como foi na Jamaica, a gente não tinha grandes pretensões. A gente só queria fazer o nosso rolé, com os nossos amigos, que as minas se sentissem seguras e geral pudesse dançar", conta KBrum. "Sempre fomos envolvidos com a dança, eu sendo b-girl, o KBrum, b-boy aqui em Caxias. Com a troca que tivemos com um parceiro que foi morar na Jamaica, nosso interesse por esse universo aumentou, até que decidimos dar um salve no Russo, dono do bar em frente ao Lira de Ouro, pra fazer uma parada sem pretensão de ser algo a mais. Só que as proporções cresceram rapidamente", complementa Isa.
Depois que a parada foi confirmada, eles começaram a divulgar que rolaria um "Churrasco com Dancehall no Bar do Russo", aí, cês já sabem como essa parada fica, né? O momento era muito propício, a Baixada estava sendo mais vista e falada. De um em um, a galera foi espalhando a notícia e tudo deu certo. Em pouco tempo, outro baile foi marcado e mais amigos se juntaram para contribuir. Entraram Agatha Alves, Monçores e Karine Lima, "a galera foi chegando, era um rolé bem familiar mesmo, coisa de amigos, então o processo foi bem natural, até o nome foi assim. Divulgávamos como 'Dancehall no Bar do Russo', de tanto brincarmos que era um culto, porque rolava aos domingos, vimos que tinha uma brecha para um nome. O Rapha Sancho, da Cena BXD foi quem batizou a gente de JamaiCaxias e o bagulho pegou mesmo", KBrum me explicou.
"Com isso, mergulhamos legal na história do Dancehall, com o passar do tempo descobrimos o Jerk Food jamaicano, estudamos sobre os temperos, os processos de cozimento, o que ele representava dentro do ambiente que a cultura proporcionava. Da mesma forma, foi algo totalmente desproposital que virou mais um elemento nosso. Fomos montando um quebra-cabeças, onde o 'Tipo Jamaica' fortaleceu não só no mais óbvio, que é a galera comer algo, mas comer algo que faz parte da identidade da cultura que a gente está propagando”, disse Isa.
Agatha também conta que "a gente investiu no som, na comida, no posicionamento, no jeito de se vestir. KBrum começou a investir mais nele como MC, o que trouxe mais força ainda pra nossa identidade, e foi mais ou menos nesse momento, que a gente começou a sacar: 'é, a gente é um coletivo'. Foram surgindo convites e oportunidades, matérias saindo em sites importantes… Nossa circulação foi ganhando força."
Um bom exemplo desse crescimento, foi a festa em parceria com a Batekoo em São Paulo, na qual eles viajaram juntos a primeira vez e criaram uma experiência foda, passando no pique de trem bala da BXD. Sem contar uma entrevista que deram para o site "Meio & Mensagem", sobre quais eram as festas, ocupações e projetos que vinham tomando a cena. Agatha e KBrum desenrolaram assim, "as coisas foram acontecendo, nosso ânimo cresceu em fazer o projeto dar certo. Nisso, KBrum já estava nas gravações do primeiro álbum dele, o 'Top Bolt Top Shabba', além de preparar o primeiro clipe junto com o Severo, do Imperadores da Dança."
Todos puxam a responsa pra si, sem deixar os corres diários de lado. Isa explica que ser mãe não anula o seu rolé e vice-versa. O Dancehall é a espinha dorsal que atravessa a vida das pessoas por completo, e por isso é importante estudá-lo, enxergar que vai muito além de um gênero musical tornado popular recentemente. "Na maioria das vezes, o que chamam de Dancehall na pista, nem é realmente Dancehall, é só um som que simula o que ele é. A gente tem um trabalho de curadoria e estudo, pra manter nosso baile original de fato, e também de compartilhar o entendimento que estamos aqui pra viver nossa vida de maneira inteira, que o Dancehall pode sim me ajudar a compreender como lidar com as coisas do dia a dia, com meu filho e o que mais surgir."
A conexão entre os coletivos e projetos de Dancehall no Brasil, é um dos pontos que eles vêm investindo. Construir uma relação saudável com quem faz o mesmo corre é a meta, até pra pensar futuras colaborações.
"A gente precisa saber quem veio antes da gente e quem tá fazendo o mesmo corre. Acreditamos muito que é importante reconhecer quem construiu a estrada que a gente tá trilhando. A Família 7 Velas, de SP, sem dúvidas é um peça primordial da história do Dancehall no país e assim como eles, outros, que também estamos fazendo amizade e pensando parcerias futuras", compartilha KBrum.
Questionei eles sobre os próximos passos, o que vislumbram pro JamaiCaxias daqui pra frente, "mano, a gente abriu o TLOB, né? - The Life Of Baixada, um bar que funciona no Galpão Goméia, no centro de Caxias. Nossa meta é gerar grana e apoiar artistas daqui, conseguir trazer mais gente pra frequentar a cidade, vir pra Baixada. Estamos levantando isso um pouco por vez, a expectativa é de mais crescimento. Isso também faz parte de outro elemento que compõe o Dancehall, a Tabacaria e a relação com a Ganja."
Em dois anos de existência, demonstram uma maturidade consistente, analisando os pontos que precisam melhorar e o que já foi superado. Isa lembra do caso da festa de virada num sítio, que acabou dando errado por conta de um temporal que derrubou a luz da região. "Por causa da animação do ano maravilhoso que a gente passou com os bailes, decidimos fazer um rolezão com open bar e uma mega ceia, pra agradecer a todos que apoiaram a gente desde o início. Mas, na época, não havíamos nos preparado para surpresas, não tínhamos planejado o rolé todo, focando só na execução dele. De lá pra cá, criamos nosso processo de organização incluindo uma visão mais profissional, entendendo a necessidade de previsão de fluxo de caixa, público, bar, tempo, etc."
Original Baixada, original Dancehall, esse é o JamaiCaxias. Soltando rajada de fé e um "salaam aleikum, aleikum salaam". No pique Top Bolt Top Shabba, aproveitem pra curtir o álbum do KBrum no Spotify.
"Aí eu vô falar pra tu, baile legalizou, bem melhor que Zona Sul."