O Prophets of Rage também quer que o Temer caia fora
Batemos um papo com a banda horas antes dos caras fazerem seu primeiro show no Rio de Janeiro
Publicado em 05/2017
Tem gente que quer reclamar sobre governos absurdos e/ou golpistas só na internet, tem gente que faz manifestação, tem gente que faz arte e tem gente que quer fazer a revolução com música, tipo os caras do Prophets of Rage. A banda, nascida em 2016, em meio à campanha eleitoral norte-americana, reúne membros do Rage Against the Machine, Audioslave, Public Enemy e Cypress Hill para, como o seu primeiro single diz, “Unfuck the world” (ou “Desfoder o mundo”, em tradução livre).
Depois de uma turnê pelos Estados Unidos, o grupo começou a rodar o mundo e passou pelo Brasil para uma série de shows na semana passada. Horas antes de subirem ao palco do Vivo Rio, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (9), encontrei Tim Commerford, B-Real e a lenda Tom Morello para uma conversa no Fasano, hotel em que estavam hospedados.
Realizei o sonho de grande parte da equipe do I Hate Flash, é verdade - logo eu, que não tenho nenhuma história com as músicas deles. Mas, pelo menos, comecei bem com uma primeira história bem maneira.
I Hate Flash: Vocês chegaram no Rio há três dias, certo? O que fizeram por aqui até agora?
B-Real: Bem… Fomos ao Corcovado. Já estive aqui várias vezes, mas essa foi a primeira em que eu fui lá em cima, e foi realmente muito incrível ver o Cristo Redentor lá do alto, assim (faz o sinal dos braços abertos). A vista é linda. Muito impressionante.
I Hate Flash: Vocês faziam parte de grandes bandas de rock e hip hop, como Rage Against the Machine, Audioslave, Public Enemy e Cypress Hill, e decidiram se unir para formar uma nova banda. O que os motivou?
B-Real: A campanha presidencial americana do ano passado foi um dos fatores que motivaram essa banda a se juntar. Tim (Commerford) e Brad (Wilk) conversaram sobre formar algo novo, mas tocando as músicas que já existiam e chamaram Chuck-D e eu. Ficamos muito empolgados com o convite para estar nessa banda nova que todos criamos juntos e está sendo divertido. Nós nos conhecemos há alguns bons anos e já trabalhamos juntos aqui e ali, mas fazer algo neste nível acho que animou todo mundo e, assim que começamos a planejar os shows, as coisas começaram a se encaixar.
I Hate Flash: Vocês são uma banda com um tom político muito forte - aliás, obrigada pelo “Fora Temer” durante o show (no Audio Club, em São Paulo, no dia 9), é sempre bom ter esse tipo de apoio. O Brasil está passando por uma fase difícil politicamente, sofremos um golpe há exatamente um ano e todos os dias surgem novos problemas. De alguma forma, esse cenário influenciou vocês na decisão de tocar aqui?
Tom Morello: Não que essa situação específica tenha nos motivado a vir pra cá, mas o desejo de levar a mensagem do Prophets of Rage para fora dos Estados Unidos é a grande questão dessa turnê. Estamos tocando na América do Sul e, em seguida, ficaremos umas cinco semanas tocando na Europa também. Em primeiro lugar, muitos fãs queriam ouvir a nossa música e nós queríamos tocar para eles e abalar as estruturas, mas também há o desejo de ter um planeta mais justo e humano, que nós compartilhamos com pessoas ao redor do mundo e a nossa música, eu espero, fala diretamente com elas sobre isso.
I Hate Flash: E como tá essa turnê?
Tom: Está sendo ótima.
B-Real: Está sendo incrível. A receptividade, a energia… Na verdade, nós não sabíamos o que esperar. Essa é uma banda nova, que está aqui pela primeira vez, quer dizer, todos nós já estivemos no Brasil com nossas outras bandas, mas estar aqui com esse grupo e receber o amor como o que estamos recebendo, só nos mostra que a mensagem da nossa música ainda é relevante e importante e que as pessoas ainda se empolgam com ela. Nós estamos nos divertindo muito com a oportunidade de tocar para pessoas que queriam nos ouvir.
Tom: E para Tim, Brad e eu, esta será a primeira vez que tocamos no Rio, então estamos muito empolgados. Além disso, nós gravamos um novo disco, com o produtor Brendan O'Brien, que deve sair em setembro, e nesses shows da América Latina, nós estamos tocando a primeira música nova, que se chama “Unfuck the world”.
B-Real: Essa é parte da nossa mensagem para o mundo e a América Latina está ouvindo primeiro.
I Hate Flash: O que vocês diriam pro Trump e pro Temer caso estivessem frente a frente com eles?
Tom: Pra mim, é menos importante o que nós diríamos para eles e mais importante o que diríamos uns aos outros e como podemos unir as nossas forças para resistir à opressão em qualquer lugar. Eles vão fazer o que devem fazer, mas nós vamos fazer o que nós devemos fazer, e acho que é aí que está a minha esperança de que, quando há um líder horrível no poder, isso estimula a construção de uma resistência que não só pode parar esse líder ou tirá-lo do poder, mas também pode transformar a sociedade em um lugar melhor.
I Hate Flash: O feminismo é um dos movimentos mais fortes e importantes que estão rolando ultimamente, e não existem muitas mulheres na indústria musical, especialmente no rock e no hip-hop. Qual a opinião de vocês sobre os movimentos pelos direitos das mulheres? E por que acham que não existem tantas mulheres no cenário?
Tom: Em primeiro lugar, eu diria que a humanidade não pode ser livre enquanto as mulheres não forem livres. Então, isso não é uma parte importante de qualquer movimento ou resistência, é a pedra angular de qualquer movimento ou resistência. Nos Estados Unidos, as mulheres estão realmente liderando a luta contra Donald Trump, o que é realmente encorajador. Já falando sobre como poderia haver mais mulheres no rock e no hip-hop, tá na hora de você montar uma banda! (Risos) Está na hora de pessoas que estão nos lendo começarem a rimar ou formarem uma banda.
B-Real: Acho que sempre foi difícil para as mulheres se conectarem com as cenas de rock e hip-hop porque elas são movidas a testosterona, sabe? É tudo muito bruto. Algumas mulheres conseguiram fazer essa transição, mas acho que, hoje em dia, as pessoas estão com a cabeça mais aberta e só depende da indústria fonográfica descobrir uma forma de fazer o marketing de uma banda liderada por uma mulher, de uma banda só de mulheres ou de uma rapper. Eles (a indústria) sacam algumas coisas, mas outras definitivamente são deixadas de lado. As mulheres devem, obviamente, ser respeitadas e ter as mesmas oportunidades que nós temos. Por muitos anos, tem sido só o esquema da rede de contatos e amizades dos caras, mas acho que quando essa mentalidade cai, as oportunidades se abrem e veremos mais artistas. Como o Tom disse, as pessoas têm que começar a criar suas bandas, mas não só isso: é preciso fazer música boa - e digo isso para os homens também. Existem muitas bandas e rappers péssimos, que nunca vão conseguir espaço. Ao mesmo tempo, não existem tantas oportunidades por aí, então as mulheres têm que ser muito melhores quando apostam nisso. É muita pressão.
I Hate Flash: É aquilo que nós sempre falamos: as mulheres têm que ser duas vezes melhores. Temos que trabalhar mais, temos que fazer músicas duas vezes melhores…
B-Real: Sim. Têm que compor duas vezes melhor… É muita pressão.
I Hate Flash: E quem são as mulheres que vocês escutam?
Tom: Eu sou um grande fã de Pussy Riot, elas fazem o melhor punk rock que eu já ouvi em muito tempo, realmente se destacam no meio. Também gosto da banda Savages. E, bem, escutar uma Beyoncé de vez em quando eu não sou contra… Hahahaha
I Hate Flash: Eu quaaaase disse que a Beyoncé não conta, mas tudo bem, tá valendo! hahahaha
B-Real: Uma das mais poderosas rappers femininas, e rappers em geral, é Lauryn Hill. Ela conseguiu conectar homens e mulheres através só das experiências e escrevendo e tocando músicas incríveis. Eu sempre gostei do que ela estava fazendo no hip-hop. Mas também existem outras mulheres muito boas… Nicki Minaj é muito pop, mas ela é uma rapper boa pra caralho. Se você for retirando “as camadas”, ela é muito boa. Falando de rock, existem tantas - e tão poucas… Sempre gostei da Joan Jett, porque ela é uma rebelde da porra e tem um fucking hino ("I Love Rock And Roll")!
Tim: Eu ia dizer que existem muitas pessoas nesse planeta que deveriam estar fazendo música - não só mulheres. Claro que é importante que elas se levantem, mas existem tantas pessoas neste planeta, sejam elas afegãos roqueiros ou mulheres brasileiras, que deveriam estar fazendo música. No fim das contas, você faz música para a Terra, ela vai ficar aqui para sempre, ela não vai a lugar nenhum. Então você deveria tentar fazer música que inspira as pessoas - e eu acredito que nós fizemos isso. Acredito que colocamos isso em nosso inconsciente coletivo, arranjamos os melhores artefatos e criamos essa música que acabamos de terminar. Da forma como ela foi gravada à ideologia, ela foi feita do jeito certo: tipo, nós aprendemos a tocá-la, ficamos bons nisso, então gravamos a música e estamos tocando-a neste momento com essa banda incrível. E fizemos tudo isso do jeito certo. Então, em última análise, ela consegue atingir todo mundo e vai inspirar mulheres, homens afegãos, crianças, idosos...
I Hate Flash: Só pra terminar: o que vocês conhecem e curtem de música brasileira?
Tom: Não é que eu tenha um artista específico, mas uma das experiências de audição musical mais incríveis da minha vida rolou quando eu estive aqui da última vez, em 2010, em São Paulo. Um amigo disse que me levaria em uma escola onde as pessoas ensaiam para o Carnaval. A princípio eu achei estranho ele me levar numa escola à noite, mas beleza. E aquela foi uma das mais poderosas experiências musicais. Eu não conseguia acreditar! Aquelas centenas de percussionistas, as pessoas fantasiadas… (Tom fica sem palavras) Você acha que tá arrasando com uma guitarra elétrica e um amplificador, aí fica de frente pra aqueles caras super musculosos tocando instrumentos pequenininhos, mas são, tipo, duzentos deles! E tem mais 200 outros caras tocando tambores enormes! Eu já fui a muitos shows de rock na vida e aquela foi uma das maiores forças musicais que eu já encarei. Então, continue nessa, Brasil!