De Rolé com a 3gal0
Subversão do busão ao coletivo
Publicado em 09/2018
Quantos coletivos, bondes ou rolés com nome de linha de ônibus cês conhecem? Dei uma googlada, troquei ideia com alguns parcerxs mais safos de várias partes do país e não encontrei nem vestígios de algo parecido. A 3gal0 nasce daí, o encontro entre a ânsia de levantar a bandeira da Zona Norte como conceito territorial - o nome deriva da linha 350 que faz o trajeto Irajá x Passeio, atravessando boa parte da região suburbana do Rio - e o galo como mascote visual, baseado no jogo do bicho, outro elemento com forte peso identitário.
Natural na cena underground o movimento da gente conhecer pessoas aleatórias em bailes, bares e principalmente na rua, foi assim que fui trombando cada um dos caras, primeiro Lucão, pixador, grafiteiro e tatuador brabo, Dani, menino dos vinis, depois Shift, nosso “Rent Boy” do subúrbio, o budista Mamute e por fim, o Índio, cabeça criativa por trás da identidade visual e linguística trash generation que a 3gal0 carrega.
Por conta disso, nosso papo não podia ser feito de outra forma, aproveitei a participação deles em um dos inúmeros eventos do Playing 4 Change pra gente rodar a rua no pique do 350 e discutir o corre que eles tão imprimindo nos arredores da Penha e fora dela.
Partimos da primeira ação que eles realizaram durante quase 2 anos no bar Espaço Bistrô, “sendo o audiovisual a mídia que melhor se comunica com a periferia pela facilidade de entendimento e por sempre estarmos de frente para algum display, da televisão ao celular, exploramos projeções como ponto de partida para uma experiência cenográfica sensorial com a 3gal0 radio, nossa forma mais compacta”, dizem Mamute e Índio.
“O giro econômico é indireto na maioria das vezes. Artistas vendem sua arte, tatuadores são pagos pelas tatuagens, mas quando chega a hora dos músicos daqui, a parada aperta. Realizar o nosso rolé em paralelo aos nossos corres autorais tem sido a única alternativa até o momento, ou seja, adaptamos o nosso formato para cada situação, com a busca de pequenos apoios financeiros em alguns casos, em outros com a venda de camisetas da 3gal0, por exemplo”, conta Shift.
Mesmo assim, experiências no outro ponto final do itinerário do 3gal0 surpreenderam eles, como a vez em que decidiram - com apenas 2 dias de produção - realizar uma edição nu.miolo, pico que também serve como QG dos realizadorxs do Eu Amo Baile Funk e Rio Parada Funk. O retorno financeiro, digital e de público ultrapassou as expectativas, assim como trouxe para eles a noção de escrever uma história que conecte áreas, do mesmo jeito que o busão leva pessoas até a Lapa.
Shift complementou contando sobre uma experiência mais recente, numa parceria que fizeram para o lançamento do studio de tattoo kaza17 e o baile lotado que realizaram logo após, “depois que passamos a convidar artistas visuais, DJs, MCs e empreendedores para apresentarem seus trampos, possibilitamos que mó galera do corre de várias partes da Zona Norte se conhecesse, daí ocupamos um pico pra estréia da kaza17, uma tarde de flash day, exposições, sets focados em acid, house, techno, soul, disco e afrobeats, aquele aquecimento pro baile que fizemos a noite no Bar dos Fundos, que antes era um puteiro, de frente pra estação da Penha”.
O corre dos caras transita entre criar uma conexão forte com sua área e botar um som que não represente o estereótipo reducionista que põe boa parte das periferias como lugar exclusivo do Pagode e do Funk, e obviamente, é dessa escolha que surgem tretas, como a dificuldade ainda existente de realizar o giro de grana, mesmo com toda uma galera botando energia junto.
Dani explana que foi no meio de uma fase de desemprego que o chamaram para participar da 3gal0. “Nessa época eu estava enlouquecido estudando o movimento Black Rio, completamente aficcionado pelo conceito, musicalidade que acontecia e se sucedeu a ele. Com isso, imprimir a identidade de uma música que foi criada em subúrbios mas que os próprios suburbanos não estão consumindo, na maioria dos casos, é a barreira que decidimos trabalhar pra derrubar. Ao mesmo tempo, nas áreas ricas da cidade, esses sons estão sendo consumidos, monetizados e sendo representados por DJs que muitas vezes não entendem a substância original do próprio som que tocam. O que gera um imaginário de que aquela música não é pra gente como a gente.”
“Sempre tento me colocar no lugar do público quando estou produzindo algo; se eu gosto, penso que o público vai gostar. Uma parte vem da intuição, outra da experiência para aprovar se algo deve ser liberado ou não. Quantos criadores e realizadores que estão lá no topo vieram do subúrbio? Poucos, certo?”, questiona Mamute e continua, “por isso somos focados em projetos autorais que trazem informação musical e cultural com uma curadoria voltada para desafiar nossos iguais e aproximar as diferentes galeras dos rolés, unindo isso aos conteúdos que lançaremos em breve, ampliando o entendimento de uma nova ZN, explorando novas linguagens e dispositivos.”
É com esse cuidado, análise e feedback constantes que o coletivo tem buscado construir narrativas relevantes pra cena carioca e manter sua relação territorial viva. Uma ação, que não me lembro de ter visto outros coletivos realizando, foi um encontro de cocriação onde parte do público foi convidado a construir colaborativamente o que o 3gal0 poderia aperfeiçoar e modificar, que frentes e pautas deveriam estar mais presentes, entre outras atividades do processo.
Sem dúvida, dá pra sacar que eles não fazem o que fazem apenas pra tirar uma onda, mas pra subverter a ordem supostamente posta. E aí, eu deixo essa convocação pra vocês: Bora botar aquele projeto no papel pra rodar na rua? Sugiro dar um papo nesses menor, boto fé que eles vão saber dar aquele choque de corre.