O casamento de Baiana System e Titica no Rock in Rio
Uma conversa com a banda e a cantora angolana que lideraram catarse no festival
Publicado em 09/2017
Sexta-feira, 16h30, quinto dia de Rock in Rio 2017, sala do I Hate Flash vazia. Metade da equipe em reunião... no palco Sunset, a postos pro show do Baiana System com a angolana Titica. Não escondemos de ninguém que, de todo o line-up do festival, esse era o show que a gente mais esperava - daí a reunião extraordinária. E, olha, valeu cada segundo, música cantada e câmera pro alto no meio das rodinhas punk.
No feed do Facebook, uma amiga disse que não entende qual é a onda do Baiana System. Aí outro amigo respondeu: “Só indo a um show pra entender”. E, olha, muita gente conseguiu entender hoje nesta Cidade do Rock. De crianças nos ombros dos responsáveis, usando as máscaras características do Baiana e sempre com as mãos pro alto fazendo o símbolo do rock, a idosos e até gente usando muletas. Para os deficientes auditivos, o intérprete do palco Sunset traduzia a catarse. Pois é, catarse.
Quando encontramos Russo Passapusso e Beto Barreto nos bastidores do Lollapalooza e falamos sobre o show com Titica no Rock in Rio, a dupla anunciou que seria um casamento no palco. E não é à toa que dizem que as melhores festas são as de casamento.
“Pra gente está sendo um sonho realizado, de verdade. Essa ligação de Angola com a Bahia que a gente já vinha falando e, quando encontramos com Titica, há alguns meses, para gravar a faixa ‘Capim Guiné’, percebemos que ela sentia a mesma coisa. Foi um casamento através da música, porque é a música que nos proporciona isso, poder tocar aqui com Titica, poder falar da ligação do kuduro com o samba duro. E para nós, no palco, foi a emoção de uma cerimônia de casamento”, nos disse Beto, ainda com aquela adrenalina pós-show.
Titica, com quem conversamos em Angola há alguns meses, para um minidocumentário que será lançado em outubro (aguarde os próximos capítulos), escolheu um figurino com franjas em tons claros, porque as achou parecidas com a ráfia usada em danças tradicionais africanas, e subiu ao palco Sunset acompanhada por duas bailarinas cariocas especializadas em kuduro, que carregavam a bandeira de Angola.
“Estou muito feliz de participar do Rock in Rio. É uma mais-valia para mim, para Angola, para os músicos da Angola. Representar Angola não foi fácil, é uma grande responsabilidade fazer bonito e alegrar o público brasileiro. O povo daqui é muito receptivo. Somos dois países irmãos, países tropicais, falamos a mesma língua, temos muita coisa em comum, então é um casamento perfeito”, contou a diva angolana, em sua segunda passagem pelo Brasil neste ano.
A primeira, há alguns meses, foi para encontrar o Baiana System em São Paulo para gravar “Capim Guiné”, música lançada nesta semana e que já estava na ponta da língua de parte do público do Rock in Rio. A letra é assinada pelo Baiana e por Titica, depois de muitas trocas de mensagens entre Russo e ela.
“Aprendi muito com o Baiana System. Além de serem bons cantores, eles são muito humanos. Nós, músicos, somos formadores de opinião, temos muitos, muitos, muitos seguidores, e precisamos fazer também músicas construtivas – além de fazer a safadeza, pra alegrar a gente. Temos que fazer músicas construtivas, com cabeça, tronco e membros, para que as pessoas reflitam e saibam que juntos somos mais fortes”, afirmou Titica, que na faixa cunhou a estrofe “multiplicados somos mais fortes”. Coincidentemente, o lema do Rock in Rio é “juntos somos mais fortes”.
“Tivemos esse encontro com ela (pra gravar a música), mas desta vez foi mais forte porque a gente ensaiou, estivemos com ela no estúdio por dois dias, ela falou pra gente dessa importância da dança pro kuduro, nos ensinou que existem muitos estilos de kuduro - tem quem fale mais de um jeito, tem gente que faz um tipo de duelo, tem gente que fala mais com um cunho social...”, recordou Beto, que, além de idealizador, é o mestre da guitarra baiana na banda.
Naquele papo nos bastidores do Lolla, a dupla nos falou sobre a atitude e sonoridade rock’n roll do Baiana System, que é muito influenciada pela postura do público nos shows. Em “Capim Guiné”, essa influência está mais explícita, com uma guitarra pesada, mais forte – segundo Beto, um elemento trazido por Juninho Costa, guitarrista que é parceiro de longa data da banda.
Nesta passagem pelo o Rock in Rio, observamos que, em boa parte do show, todas as câmeras e fotógrafos estavam voltadas para a festa armada pelo público e não para o palco. “Eu percebi que em vários momentos todo mundo, as câmeras, os seguranças, estava olhando para o público, porque é realmente ele que dá o termômetro do nosso show. Vamos até um momento, fazemos o início bem demarcadinho, mas depois (o show) começa a ficar cada vez mais aberto. É o público que faz com que toquemos mais aquela música ou que voltemos numa outra. Não temos muito uma forma, um setlist certinho”, revelou Beto.
Ao lado de Sinara, Mateus Aleluia, Elba Ramalho, Alceu Valença, Banda de Pífanos Zé do Estado, Grupo Grial de Dança, Ney Matogrosso e Nação Zumbi, Baiana System e Titica formaram o único dia (e palco) do festival inteiramente em português.
“Às vezes me perguntam qual é a diferença entre os shows em festivais e os outros, e acho que a diferença são os encontros. E os encontros são a base e a grande graça do palco Sunset. É incrível isso de todo mundo falar português hoje, porque nos dá um sentimento de pertencimento muito grande. A Titica falou que Angola passa por momentos superdifíceis, a gente também está num momento difícil, estamos aqui no Rio hoje e vendo todas as notícias do que está acontecendo (nas operações policiais nas comunidades da cidade, especialmente na Rocinha). Então isso, de alguma forma, nos une, nos dá um sentimento de unidade, é uma força mesmo”, aposta Beto.
Como cantamos no show, multiplicados somos mais fortes – e gritamos “Fora Temer” em rede nacional.