Um papo com o Baiana System no backstage do Lollapalooza 2017
Encontramos Russo Passapusso e Beto Barreto logo depois da incrível estreia da banda no festival
Publicado em 04/2017
Já esbarramos com o Baiana System em algumas coberturas que fizemos por aí, mas nunca tínhamos conseguido trocar uma ideia com a galera. Nessa tarde de Lollapalooza 2017, logo depois de pirar no show que os baianos fizeram no palco Axe, encontramos o vocalista Russo Passapusso e o guitarrista e idealizador da banda, Beto Barreto, pra uma coversa de alguns minutos que poderia ter durado algumas horas. Olha, vamos apenas dizer que a admiração por eles só aumentou. Eis o porquê.
IHF: Como é sair das ruas e dominar o mundo? Vocês estão com “Playsom” na trilha do (video game) FIFA, fizeram um clipe com a Apple e estão nos dois maiores festivais do Brasil no mesmo ano (eles acabaram de confirmar um show no próximo Rock in Rio)...
Russo Passapusso: O processo do Baiana System sempre foi a surpresa, primeiramente de surpresa. Quando Beto Barreto parou pra entender a guitarra baiana de uma forma diferente, ver como é que aquilo funcionaria com world music, como é que a Bahia estava situada nesse conceito de world music, a gente foi se aproximando cada vez mais essas placas tectônicas pra que tudo ficasse junto, usando o conceito de Pangeia. A gente começou a entender que a imagem inicial, através dessa relação de Beto com Felipe Cartaxo, aquele embrião, era muito influência disso. Então, aquelas coisas que a gente sempre falava que queria alcançar, como o som imagético, as placas tectônicas, o mundo é todo um, o compasso binário é o compasso do coração, então não importa muito o ritmo ou a linguagem, as pessoas de todo o mundo vão reconhecer essa música.
Hoje no festival a gente viu muito isso: pessoas que não entendiam ou não tinham referências nem de samba reggae, nem de samba duro, nem de ritmos que a gente tem na Bahia, e estavam ali pelo todo. Elas entendiam pelo todo. Tem música que a gente toca com umas referências de cumbia no começo, e as pessoas não estavam muito preocupadas com o caminho que aquela canção ia fazer, mas com o todo, com a mensagem musical como um todo. Então, é um efeito de surpresa pra gente sempre. E carimbar esse pensamento de algo universal, de que a música realmente é um deus que move todo o mundo, é a porta de saída e a porta de entrada, é o elo da fé.
IHF: E vocês jogam video game?
Russo: Total! Eu sou viciado ao máximo! Eu não acreditava muito que a música fosse ser escolhida mesmo (pra entrar no FIFA), acho que ninguém de nós acreditava, mas a possibilidade já nos animou. Sou muito viciado em vídeo game, nós somos muito viciados nessas coisas todas, justamente porque é um prolongamento da internet. Hoje em dia, os jogos são muito sobre mundos abertos, onde você encontra outra pessoa, você abre uma telinha e vê uma criança de Tóquio e fica assustado com como aquilo funciona. Dentro dessa linguagem do Playsom, veio muita coisa da cantiga da criança, da Adoleta, “lê pêti, pêti pô lá”, Escravos de Jó... e a gente fez pensando nisso. Claro que fundamentando com o trap music, mas eu não achava isso muito forte pra gente caminhar dentro da estrutura do ser humano, da gente buscar ali o trap music norte americano, o raggamuffin e tal. A gente sempre buscou na gente o espelho, buscar os outros por mim. Então, fomos nas referências das cantigas de criança e de repente a coisa aconteceu.
Beto Barreto: E o mais incrível do video game foi que a gente viu um público com uma idade cada vez menor conhecendo aquela música e se aproximando do Baiana. Meninos de 14, 15 anos, que são quem joga, e, normalmente, eram pessoas que não eram nosso público e de repente descobrem a música e começam gostar.
Russo: Como as músicas da trilha do FIFA entram aleatoriamente, eu deixo o video game lá ligado esperando a nossa música passar hahahaha!
IHF: Assistindo ao show, percebemos que o público interage com a banda como se estivesse em um show de rock. Tem até rodinha punk!
Russo: A roda aconteceu de forma espontânea. Na verdade, o Beto toca guitarra, toca em banda, e sempre teve aquela influência (do rock) dos drives, de entender o que é a guitarra, entender o que isso oferece. Na minha vida, o rock veio muito da necessidade de se comunicar. Eu queria comunicar. Depois eu comecei a descobrir que a escola jamaicana, que é uma escola que eu estudo, tinha o rockstone, que é uma forma de cantar mais incisiva. E o mundo começou a trabalhar os graves, a gente saiu daquele mix tipo Beatles, de todo mundo certo, voz flat, o dub ofereceu isso também (dos tons mais graves) e, de repente, o dubstep, com os drives distorcidos e tudo mais.
Beto: Mas acho que Russo começou a perceber isso (da atitude rock’n roll) muito no show. Foi ele que sentiu e passou isso pra todo mundo. A gente vinha muito com as referências do soundsystem, da percussão, da guitarra de outro jeito, e, de repente, o som começou a pesar, e ele dizia: “Velho, tem rock ali. Preste atenção, pese (o som) aqui”. Quando a gente via que a postura do público mudava, as pessoas reagiam dessa forma que você está falando, e aí ele começou a dizer: “Vamos entrar pensando que a gente é rock?”. Acho que todo mundo focou nessa energia, e rock é muito mais uma energia do que um estilo ou uma roupa que você usa, quando você joga aquela energia rock’n roll, as pessoas reagem da mesma forma.
Russo: É louco porque, no Carnaval do ano passado, nós já estávamos entendendo isso dos graves distorcidos e sempre fomos muito fãs de soundsystem, de reggae, e aí o B Negão falou: “ouça Bad Brains”. Aí fodeu, foi um caminho sem volta.
IHF: Vocês fizeram um Carnaval bizarro em Salvador nesse ano, e muitos críticos apontaram o Baiana System como um dos responsáveis por renovar o Carnaval da Bahia. Como é ter essa responsa?
Russo: Eu acho que a renovação do Carnaval vem do próprio povo, sempre, é sempre do folião. É ele que está determinando que aquelas cordas (que dividem os que compraram abadá e dos da pipoca), têm cair, é ele que está determinando que o respeito com a mulher tem que ser diferente, é ele que está determinando que a questão das raças e da religião têm que ser diferentes, é ele que determina tudo isso. Se quem está em cima do trio ou quem está mostrando o Carnaval, quem está cobrindo e faz entrevistas ou a pessoa que vende água também compreende isso e tem um efeito de continuidade, aí é que está a grande chave. É a simbiose de tudo. Esse reconhecimento de quem faz arte que é o grande ponto: é entender aquela questão pra jogar de novo, porque é o público que fala.
Nossa, a gente voltava pra casa com milhares de olhares na cabeça e cada olhar desses era uma história, ou de amor ou de raiva, porque alguém estava empurrando a pessoa e aí a gente segurava o trio pra abrir mais espaço. Então é uma leitura muito de pergunta e resposta entre nós e o público. Tem muito de Darcy Ribeiro em relação a cada raça, cada comportamento, algo que você vê ou não vê ali; Acho que é uma pesquisa em cima de toda a estrutura. E hoje em dia, com toda essa explosão de movimentos sociais, de reconhecimento de espaços, reconhecimento de corpo, da coisa física e da coisa espiritual, isso vem se multiplicando, tem um efeito multiplicador de reconhecimento.
A gente entende muito que o corpo, o mar de gente, é a força que move a nossa música, é dali que a gente tira tudo. O Beto é o cara mais carnavalesco de nós todos, ele tem muito de carnaval na guitarra, no entendimento de tudo. Para mim, é como se eu estivesse dentro da história, e sempre que vejo pelo olhos dele, é um grau de conscientização maior.
IHF: Vocês acabaram de confirmar um show no Rock in Rio com a Titica, uma das maiores cantoras de kuduro de Angola. Algumas pessoas da nossa equipe acabaram de voltar de lá, entrevistaram ela e voltaram apaixonados (aliás, falaremos sobre isso nos próximos capítulos, aguarde). Como é essa relação de vocês?
Beto: É uma coisa engraçada que acontece com o Baiana: temos essa coisa rock ‘n roll, temos um momento mais reggae e tem “Calamatraca”, uma música que tem referências de Angola e funciona no show com a energia rock e trazendo essa onda do kuduro. Quando começamos a pensar coisas para o Rock in Rio, o Russo tinha mostrado a Titica pra gente e falado: “Velho, ela é muito foda, porque ela rima de um jeito diferente”. E rola muito essa ligação da Bahia com Angola. Inclusive, tem um trabalho do fotógrafo Sérgio Guerra que mostra a Feira de São Joaquim, que é uma feira tradicional de Salvador, e mostra o centro urbano de Luanda, aí você vê como essa relação acontece. E quando a gente soube que ela tinha topado a proposta do Rock in Rio...
Russo: Vai ser um casamento! Digo em primeira mão aqui: é um casamento! A gente tem o samba duro da Bahia e eles têm o kuduro. Angola é uma relação muito forte. Você vai na Bahia e vê que a galera vai falar nasalado, vai falar rápido, vai falar “né” no meio das frases, e já tem muita melodia nisso. Essa forma que eu tô falando com você, rápido assim, já vai rendendo música. Se tivesse um beat colado aqui, já era uma história. Eu me reconheço muito na história de Angola e quando fui pesquisar todo os cantores de lá, o que estava acontecendo, há uns dois ou três anos, eu me apaixonei por Titica, não tinha outra. Eu mostrava pra todo mundo que chegava lá em casa, era Titica e um cara chamado Faculdade de Rima, que é um maravilhoso, também de Angola. Esse movimento dos músicos angolanos de entender essa liberdade musical depois de um processo de guerra que eles tiveram é maravilhoso! E o mais fundamental: a música deles é comportamento. E essa é a nossa busca, que as pessoas ouçam a nossa música e percebam que é comportamento.
IHF: E vocês conhecem a Titica pessoalmente?
Russo e Beto: Não, não!
Russo: Eu tô dando essa entrevista aqui na esperança de que você mostre pra ela! Hahaha