UERJ Na Praça #UERJResiste
Professores, alunos e artistas se unem para lutar pela universidade que ameaça fechar os portões
Publicado em 02/2017
Por Victor Belart
A memória na internet costuma ser curta, mas há pouco mais de duas semanas só se falava da UERJ na rede. Em clima de brincadeira, uma série de eventos fakes pipocou no feed de notícias de muita gente anunciando a presença das mais variadas figuras na universidade. Do Brizola ao Neymar, vários personagens da política, cinema, esporte e até da própria educação pública tiveram visitas de mentirinha anunciadas.
Pouca gente que compartilhava a brincadeira sabe, mas a UERJ acabou virando meme num dos piores momentos de sua história. Com atraso de salário dos servidores e terceirizados, aulas adiadas, lixo nos corredores, períodos desajustados há dois anos e administração à mercê de um Estado irresponsável, a universidade corre risco real de fechar suas portas. Foi pensando nisso que um grupo de professores, artistas, alunos e ativistas decidiu usar a visibilidade dos eventos fakes para criar um encontro de verdade para a comunidade fluminense. Na semana passada, na praça ao lado da UERJ, uma tarde/noite de debates, música, artes, sonhos e luta marcou o encontro da universidade com a rua e fez, no mínimo, mais gente entender o que ela representa para além de uma brincadeira bacana na internet.
Quem passava pela Praça Maracanã avistava uma enorme lona de circo e percebia que não era uma sexta-feira comum. Com aulas atrasadas por conta da calamidade na instituição, o entorno da UERJ - que tem ficado vazio - recebia música, stêncil, debate e olhares atentos. "Esta universidade não é apenas uma passagem para o metrô. É um espaço democrático sustentado por todos vocês e que vem sendo abandonado pelo Estado. Precisamos lutar por ele'', anunciava no microfone o professor da faculdade de medicina Eduardo Torres.
A referência à passagem para o metrô é uma alusão ao uso que a população do bairro dá a UERJ: o caminho mais curto para chegar à estação do Maracanã. Apesar dos muros, a UERJ é um dos poucos campi universitários do Rio que a população tem o hábito de entrar e frequentar, ainda que o uso mais recorrente seja como espaço de passagem. A diferença da universidade para as demais faculdades públicas da cidade não termina aí. Primeira a adotar a política de cotas, localizada na Zona Norte e com acesso pela linha 2 do metrô, é notório o perfil popular da universidade.
Para muitos, este talvez seja justamente um dos motivos do descaso do Estado com relação à ela. Num modelo de ensino pautado pela grana, a UERJ é vista como um investimento caro, e, ultimamente, foi progressivamente sendo deixada de lado. Há mais de um ano sem custeio por parte do governo, a universidade vive na insegurança em relação ao pagamento dos terceirizados, que prestam serviço de limpeza, segurança e manutenção, essenciais para o funcionamento da mesma.
Em 2016, mais de 500 terceirizados foram demitidos depois de sete meses sem receber salários. Além disso, desde novembro os servidores estão recebendo seus salários com bastante atraso, parcelados e sem calendário fixo. No momento, os trabalhadores acabaram de receber os salários de dezembro e, às vésperas do Carnaval, ainda não há data estipulada para o pagamento para janeiro e nem para o décimo terceiro. Vale lembrar que a UERJ não faz parte da Secretaria de Educação, mas da Secretaria de Ciência e Tecnologia, por isso, não vem recebendo seus pagamentos com o restante dos servidores que compõem a SEEDUC - assim como os da segurança. As bolsas de estudantes também não estão sendo pagas, ameaçando a permanência de alunos cotistas na universidade pública e, assim, impedindo o acesso desses à educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada.
Foi por todos esses motivos que surgiu o movimento UERJ Resiste, iniciativa de docentes da instituição que tentam, além de melhorias para a universidase, torná-la mais democrática e colocá-la na rua. "Atuamos há pouco mais de um ano. Já fizemos atividades na praça do lado de fora da UERJ, na Praça Mauá, na passarela do metrô. O objetivo é rodar a cidade e mostrar a UERJ como um espaço público. Estamos trabalhando em condições precárias há muito tempo", comenta Deborah Fontenelle, uma das membras do movimento e professora de Geografia do CAp-UERJ.
Com o intermédio de Deborah, o coletivo cultural FAZ NA PRAÇA, atuante nos bairros do Maracanã, Vila Isabel e Tijuca, decidiu somar-se à luta da UERJ para trazer a universidade para a rua. "A UERJ é um espaço público da Tijuca. A missão do FAZ NA PRAÇA é ocupar com vida e energia os espaços públicos da região. Temos que zelar por este patrimônio do bairro e fazer com que as pessoas entendam que isso aqui é nosso", comenta Victor Oliveira, um dos membros do coletivo.
Foi através da união entre FAZ NA PRAÇA e UERJ RESISTE e o apoio de outros coletivos culturais da cidade, como a Quermesse e o Leão Etíope do Méier, além dos Centros Acadêmicos e alunos da universidade, que o evento aconteceu. "Cada um foi fazendo os contatos e colaborando um pouco. Um falava com roda de rima, outro com oficineiro de stêncil. A ideia foi ocupar a praça da UERJ com tudo que pudéssemos imaginar para chamar a atenção da população. É um trabalho de formiguinha, mas precisamos fazer a nossa parte para que as pessoas não achem que é a UERJ é apenas uma brincadeira do Facebook", conclui Victor.