Todo o poder de Elza Soares
Com participação de Caetano, show da cantora emociona o Circo Voador
Publicado em 03/2016
Após uma tarde de manifestações políticas no Centro do Rio, Elza Soares subiu ao palco do Circo Voador, na Lapa, para apresentar seu disco mais recente, "A mulher do fim do mundo", a um público inflamado. A multidão que lotou a casa - os 2.500 ingressos se esgotaram dias antes do show - estava sedenta por música, mas também por ativismo. Por isso, a performance poderosa de uma mulher negra, feminista e especialmente vocal sobre preconceitos racial e de gênero caiu como uma bomba sob a lona.
Ao abrirem-se as cortinas, lá estava ela, sentada em uma enorme poltrona real, com um blackpower arroxeado e um vestido que lambia boa parte do palco e arrebatava a multidão. Sua majestade Elza Soares estava pronta. "A carne mais barata do mercado é a carne negra...", anunciou a rainha ao microfone logo no início do espetáculo, evocando um de seus maiores hits. A voz potente, aliada a uma presença majestosa, fez o caldeirão tremer. Com o público nas mãos e emoção na garganta, a artista arriscou o primeiro grito de guerra da noite: "Viva a mulher, viva a democracia!".
Aos 78 anos e seis décadas de carreira, Elza lançou em outubro passado seu primeiro álbum só com músicas inéditas. Em sua fase mais politizada, ela fez questão de incluir nele uma faixa que é um alerta contra a violência doméstica. “Eu vou ligar pro um oito zero / Vou entregar teu nome”, avisa a cantora na letra, divulgando o telefone da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Os versos de "Maria da Vila Matilde", cantados lá pelo meio do show, na última sexta-feira, deixaram o público em brasa. "Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim", repetiram uma dúzia de vezes as milhares de vozes, evocando o forte refrão, mesmo depois que a canção já tinha terminado. O som do coro, mais agudo do que de costume, deixou claro que a noite era dominada pelas mulheres. Não demorou muito para Elza clamar ao público, nessa altura, já a seus pés: "Luta! Quero ouvir! Luta! Mulheres, não aceitem qualquer tipo de maus-tratos". Todos, é claro, responderam prontamente à rainha. Quem ousaria contrariá-la?
Com uma carreira pautada pela ousadia, tanto na atitude quanto nas letras, a cantora nascida na favela da Moça Bonita, em Padre Miguel (hoje Vila Vintém), inovou mais uma vez ao unir-se à vanguarda musical paulistana para lançar "A mulher do fim do mundo". O disco, produzido por Guilherme Kastrup, com direção artística de Celso Sim e Rômulo Fróes, transita por samba, rock, rap e eletrônico. "Pra fuder", composta por Kiko Dinucci, é um dos hinos do CD. Fala de sexo e desejo sob a perspectiva de uma mulher que tem nenhuma vergonha de seu tesão. Em 2016, ainda soa revolucionário ouvir Elza cantar que sente "a lava escorrer" em seu corpo perante um Circo lotado.
Nos momentos finais, Elza contou com a companhia do amigo Caetano Veloso no palco. "Ainda fico nervosa na presença dele", brincou ela. Mentira, miga, a gente sabe que é Caê que fica tenso do seu lado. Rasgação de seda à parte, os dois cantaram "Odara" juntos, e foi lindo. Quem se arrepende de não ter visto o show ainda tem uma chance. Elza se apresenta de novo (dessa vez, sem Caê) no Circo neste sábado (26).