Som, resistência e purpurina: um papo com Bloco da Laje
Um bloco de carnaval que é uma banda que é uma peça que é um ritual dionisíaco
Publicado em 01/2020
Se ainda não conseguiu ver o Bloco da Laje ao vivo, tente fazer isso. Depois, quando estiver voltando pra casa com a roupa encharcada de suor e a pele cheia de glitter, a euforia vai baixar pela primeira vez desde que o show começou e aí você vai pensar: “Que que aconteceu?”... Vai valer a pena.
Enquanto isso, vale conferir o álbum visual que o coletivo criado em Porto Alegre acabou de lançar: 4 Estações, que traz participação da Francisco, El Hombre e você acha fácil nas plataformas de streaming. Mas a história do grupo começou em 2012, quando o Bloco da Laje se apresentou pela primeira vez. Olhando rápido, suas saídas poderiam parecer como a de outros blocos de carnaval de rua, mas não. Seja num palco, num trio elétrico ou na calçada, cada apresentação é marcada por uma série de personagens/músicos/cantores que dividem seu protagonismo ao longo de diversas cenas. Há toda uma construção narrativa pensada para conduzir a plateia a um êxtase coletivo e, de fato, é isso que acontece.
“Buscamos a atmosfera do ritual, da comunhão, buscamos construir uma vivência, borrar os limites entre o público e a obra. A ideia é que cada pessoa construa sua trajetória poética dentro do que estamos propondo”, diz Diego Machado, diretor artístico e um dos fundadores do coletivo. Entenda um pouco mais esse organismo vivo que é o Bloco da Laje na conversa com ele abaixo.
1) Como você apresenta o Bloco da Laje para quem nunca ouviu falar em vocês?
Apresentar o Bloco da Laje nunca é uma tarefa fácil e simples, pois esta resposta vem sempre cheia de nuances e, normalmente, é uma apresentação longa. Tem vezes que costumo apresentar o Bloco da Laje como um bloco de carnaval, que tem uma banda que faz shows e que tem uma performance intensa, misturando elementos das artes cênicas e da cultura popular. Tem alguns casos que apresento o Bloco da Laje como um Ditirambo contemporâneo, que eram os rituais a Dionísio que deram origem ao Teatro, na Grécia Antiga. Ainda há casos que podemos apresentar o Bloco da Laje como um espaço de encontro e de convívio. Hoje em dia, está um pouco mais claro que trabalhamos com duas frentes diferentes: o bloco na rua e a banda.
2) Conta um pouco da história do grupo. Como era quando começou e como está hoje em dia?
O Bloco da Laje teve sua primeira saída em 2012. Quando surgiu, ele veio na forma de um grito de indignação e liberdade. Estávamos muito conectados aos movimentos de ocupação dos espaços públicos. E, por sermos artistas do teatro, em sua maioria, na criação sempre tivemos um senso estético apurado e sempre estivemos conectados a nossa intuição, o que ajudou muito a dar à luz o percurso que trilhamos até hoje. Atualmente, estamos lançando um álbum visual, um sonho antigo de levar nossas músicas para além dos nossos corpos. São quatro clipes e quatro músicas que juntos formam um álbum visual, como um curta-metragem sobre esse percurso que trilhamos até aqui. Tudo isso abre possibilidades infinitas e nós estamos ansiosos pelos próximos capítulos desse filme.
3) A performance do grupo e a entrega dos integrantes durante a apresentação é algo que se destaca muito no trabalho de vocês. Que atmosfera vocês buscam alcançar nos shows/saídas? Como querem atingir o público e como o público atinge vocês?
Tanto na rua como nos palcos buscamos a atmosfera do ritual, da comunhão, buscamos construir uma vivência, borrar os limites entre o público e a obra. A ideia é que cada pessoa construa sua trajetória poética dentro do que estamos propondo. Nas saídas isso é mais evidente, pois cada um vai escolher como se relacionar com a obra e ao mesmo tempo vai criando a sua “saída/trajetória”, vai compondo a sua obra com os amigos e desconhecidos que vão cruzando seu caminho. A arquitetura e a natureza dos espaços que escolhemos para estes grandes encontros também estabelecem grande influência nessa dramaturgia.
4) Comente a dimensão de resistência política que está intrínseca no projeto e como isso aparece no Bloco?
Para muitos de nós do Bloco da Laje, estar vivo já é um ato político, manter um projeto de forma autônoma por nove anos é um ato político, ocupar o espaço público é um ato político, brincar na rua é um ato político. Creio que a resistência política está nos nossos corpos, na nossa diversidade e, por conseqüência, no nosso discurso, nas nossas músicas, nas nossas cenas e nos jogos que propomos. Uma outra dimensão dessa resistência política é a forma como gestamos o nosso trabalho. Atualmente, estamos desenvolvendo o Projeto Bloco da Laje 4 Estações patrocinado pela Natura Musical, mas nossas saídas e o trabalho continuado de desenvolvimento de linguagem, o dia a dia mesmo, é financiado por uma rede de apoiadores através de financiamento coletivo na plataforma Apoia-se. Isso pra mim é algo fantástico, incrível, uma forma de política muito nova.
5) Vocês lidam com nudez, com símbolos religiosos, com uma exaltação do êxtase coletivo... Comenta a importância de levantar essas reflexões.
O mundo é em boa parte construído por símbolos, símbolos de toda natureza… Há milhares de anos alguns símbolos são usados para nos oprimir, para colonizar outros povos, para servir de escudo para barbárie, para construir a riqueza de uma minoria. Neste sentido, tentamos desconstruir estes símbolos para que tragamos outras reflexões e possibilidades de diálogo. Nos momentos em que essa desconstrução (ou reconstrução) aparece mais evidente em uma fala ou cena, gera-se um êxtase geral, pois propomos estas reflexões em um ambiente festivo. E todas essas reflexões são importantes hoje em dia, pois “eles” ainda querem nos governar usando de pretexto esses pensamentos retrógrados, querem conduzir nossas vidas com base numa leitura completamente superficial desta fábula.
6) Já enfrentaram enquanto grupo oposições ou obstáculos devido ao discurso do Bloco? Como vocês respondem a isso?
Por se tratar de um coletivo, muitos dos nossos “obstáculos” conseguimos superar internamente em rodas de conversas e discussões. Felizmente, não passamos por qualquer ato de censura descarado ou ataques. Creio que hoje nosso maior obstáculo é conseguir transpor a bolha e atingir outros públicos com nossa arte. Talvez o nosso discurso seja algo que nos limite ao universo “alternativo” e “underground”. Meu sonho é tocar o “Cordão da Idade Média” no Faustão.