Relato de Quarentena #6
As aulas a distância por Prof. Aline Alencar
Publicado em 08/2020
Meu nome é Aline e sou professora de História da rede pública e privada de ensino no Estado de São Paulo. Amo falar, conversar e trocar ideias sobre diversos assuntos e temas, principalmente relacionados à História, pois eles podem ser analisados, discutidos e depois apropriados como forma de conhecimentos e cultura, já diziam muitos pensadores clássicos que “conhecimento é poder”. No entanto, confesso, que durante esse momento de pandemia está muito complicado conseguir vivenciar esse processo, pois acredito que o conhecimento não chega pronto e não é uma prática individual isolada, é no coletivo que atingimos esse objetivo e isso inclui o contato com o outro, pois o corpo também se expressa e contribui para a construção do conhecimento. Mesmo existindo a tecnologia para continuarmos enfrentando as batalhas do dia a dia e realizando nossas tarefas, a vida não é a mesma, e acredito que não será mais da mesma forma.
No começo do isolamento social, em meados de março, deparei-me com ferramentas digitais e plataformas educativas, as quais já eram conhecidas por mim porém não dava tanta importância por não as considerar tão eficazes no processo de ensino-aprendizagem entre mim e os alunos. Dessa forma, tive que aprender, em uma semana, a utilizá-las e romper com algumas metodologias tradicionais para encontrar uma maneira de comunicação com os meus alunos.
As escolas particulares conseguiram se adaptar a realidade remota, porque já estavam em processo de implementação das mídias digitais como parte do método educacional, as famílias já tinham acesso às ferramentas digitais e puderam auxiliar os filhos, principalmente a plataforma digital do colégio Coc. Os alunos não sofrem com a perda de conteúdos, mas sofrem com o excesso de horas na frente do computador, sendo muito prejudicial a saúde de todos, e, também, com as inquietações da adolescência que se tornam mais intensas, uma vez que não podem sair e extravasar os seus sentimentos, estão aprendendo a lidar com a família e reaprendendo a estudar. E o meu papel em tudo isso? É reavaliar as estratégias pedagógicas, e isso tornou-se mais cansativo devido ao acúmulo de trabalho burocrático. Além disso, eu passei a refletir mais comigo mesma, e o pior, sem meus colegas de trabalho para desabafarmos na sala dos professores tomando aquele café super doce(gosto de bebidas amargas) e dar boas risadas.
Escuto as pessoas falando sobre empatia e acho engraçado, porque para chegarmos nela, precisamos aprender tantos outros sentimentos e abdicar, muitas vezes, das nossas próprias vontades. Nesse momento, eu percebi o quanto isso faz sentido porque meus alunos querem me perguntar tantas coisas: sobre a política do Brasil, qual a origem do cachorro Yourkshire?, qual o nome da planta que os dinossauros comiam?, sobre as manifestações anti racistas nos EUA e outros….cara, eu não sou o google, apesar de usar muitos aplicativos para as aulas. É nessa situação em que eu preciso me colocar no lugar deles, conversar, acalmá-los e esquecer cronograma de conteúdos e semanários para cumprir. Eles precisam ser ouvidos, orientados, ensinados a entender que não precisamos seguir o cronograma sempre, que em uma aula sobre a origem do termo Yourkshire podemos discutir tolerância, respeito e relacionar tudo isso com as manifestações ocorridas nos EUA e quem sabe assim aprendermos empatia.
O que mais me preocupa em tempos de pandemia são os meus alunos da escola pública, onde mais da metade da escola não tem acesso à saneamento básico, à moradia e à alimentação adequadas, quanto mais acesso à internet, isso é um luxo. É aí que minha frustração é maior, me sinto impotente e até mesmo nada empática. Converso toda sexta-feira, às 15 horas com 5 alunos via chat ou encontro online (eu tenho 200 alunos espalhados pelas cinco salas de 6ºano). No entanto, eles ficam tão felizes, que me vem uma alegria momentânea e que logo passa, pois sei que é nesse lugar onde eles mais precisam de conhecimento para conseguirem mudar a realidade socioeconômica imposta pelo sistema. Talvez, eu esteja sendo um pouco cafona e clichê, eu sei que sou mesmo e daí! Eu não entrei na área da educação para somente dançar festa junina e enfeitar o mural da sala ambiente com imagens que muitas vezes não tem significado algum para eles. Eu estou aqui e continuarei, para que essa discrepância social seja rompida e vire “página infeliz da nossa história”, como já dizia Chico Buarque na maravilhosa música Vai passar, e espero que passe.