Rebobinando: Black Alien
Trocamos uma idéia com o Gustavo de Nikiti em BSB
Publicado em 05/2021
Há algum tempo, num momento em que ainda podíamos sair sem máscaras, curtir shows e nos reunir sem medo, fizemos uma entrevista com o Black Alien. Esse foi um papo muito especial pra nós que somos muito fãs do trabalho do Gustavo, mas que acabou não sendo publicado por conta dos desdobramentos que a crise sanitária e política no Brasil, agravada pela pandemia, teve no nosso trabalho.
Antecipadamente, pedimos desculpas por eventuais gatilhos. A gente também não vê a hora de estar junto num show. As perguntas foram feitas por mim, Jeanne Yépez, e as fotos (todas analógicas!) são de diversos shows da turnê do disco Abaixo de Zero: Hello Hell, feitas pela Bel Gandolfo.
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Pessoalmente, como uma fã sua há mais de 10 anos, é sempre emocionante assistir um show seu. Assisti alguns show no Rio, e tive o prazer inclusive de produzir um com o Digitaldubs, no começo do ano passado.
Estamos diante de um cenário político conturbado, repleto de otários que jamais serão, tanto no Brasil como na América Latina como um todo. Queria saber como é pra você se apresentar nesse momento na capital do país, dentro de um festival como o Favela Sounds - que é gratuito, garante acesso através de ônibus pra quem vem das cidades satélites e que além de atrações musicais traz oficinas e atividades pra juventude da periferia?
BA >> É de extrema importância um festival com acessibilidade real do jovem brasileiro periférico à cultura, à arte e entretenimento de qualidade, que fala por elas e eles. Me sinto honrado de estar na capital do país em 2019, cantando de graça pras pessoas num momento tão triste, confuso, e pesado pro Brasil, fazendo o que eu tenho que fazer.
Você tem tocado muito e viajado bastante pelo Brasil - horas antes do show no Favela Sounds, meus amigos estavam vendo você se apresentar no Rio. É possível conciliar sucesso e sossego? Como tem sido possível cuidar de si nesse processo intenso de retomada à vida e expressão artística?
BA>> É uma manutenção constante. A saúde é prioridade número um, sem competição. Saúde física, mental e espiritual. Sossego é o sucesso. Ao meu ver, não há sucesso sem sossego. Então, apenas dinheiro e fama jamais significaram sucesso pra mim, pelo menos não sem sossego, liberdade artística ou privacidade. Dinheiro e fama são uma puta dor de cabeça também.
Você abre o show com Área 51. Nessa música, a rima que mais me chama atenção é “Tiro do fundo do peito, dropo com muito respeito/ A frase que muda a escolha de alguém no parapeito”. Quais foram as frases que mudaram tuas escolhas? Quem são os artistas e obras que você sente que fizeram isso por você?
BA >> Ahhh, pergunta difícil. Incontáveis. E contando. Porque além dos discos, livros, e filmes de cabeceira que moldaram minha visão de mundo e valores, continuo mudando minhas escolhas constantemente, todo o dia, pois mantenho a mente naturalmente aberta.
Músicas antigas que são clássicos do primeiro disco - que já tem quinze anos de lançamento - se entrelaçam com canções novas nesse show do último disco, numa trama que faz muito sentido de se assistir. O Gustavo do passado e o Gustavo do presente se reconhecem quando se encontram na rua? Onde?
BA >> Existe um menino Gustavo, e um velho Gustavo, que não abro mão. Estão sempre comigo, pois são duas valiosas companhias. Sobre o Gustavo do presente, ele reconhece o do passado sempre, mas não mais no espelho, e sim na vida, no sofrimento e confusão de outros irmãos. To sempre voltando em episódios do meu antigo proceder torto, pra analisar do alto o mecanismo daqueles eventos. Assim eu entendo melhor a mim e a minha doença, e acumulo mais uma ferramenta de defesa contra mim mesmo. Mas não demoro muito não. O passado é lugar só de visita rápida. Nem no bom eu demoro.
Aqui no I Hate Flash a gente trabalha com fotografia e vivemos diariamente o desafio de reinventar nosso trabalho e olhar, entendendo que “tirar foto é fácil, quero ver quem se retrata”. Isso é algo que toca diretamente o nosso processo criativo. O que mudou no seu processo criativo desde o Babylon by Gus Vol I até o Abaixo de Zero: Hello Hell? Pra onde você escuta que Jah Jah tem te chamado?
BA >> A principal mudança foi a evolução na minha capacidade de foco quando estou compondo. Bebendo, perdia o foco com bem menos horas de trabalho. Meu coração agora bate por escrever mais, simples assim. Vejo que a partir de agora os períodos entre as obras serão mais curtos.