Projeto 365 - Francisco Costa
Seis meses de fim do processo
Publicado em 10/2015
No dia do meu aniversário de 29 anos, comecei um projeto no qual tiraria e postaria uma foto por dia, a princípio sobre mim e depois efetivamente minha, durante um ano. Então, no dia 19 de Abril de 2014, iniciei esse processo que teve fim no dia 18 de Abril de 2015, seis meses atrás. Resolvi fazer esse zine para contar como foi importante para mim passar por isso, mas acho que já tem muito "eu" nisso tudo. Sendo assim, pedi para oito companheiros de equipe escolherem três fotos (algumas das fotos foram escolhidas por mais de um deles e você pode ver todas aqui) que mais gostam e escreverem algo sobre processo. Com a palavra, eles:
Fernando Schlaepfer (quem me deu o conselho de fazer o Projeto e também resolveu segui-lo):
Escolhas praticamente óbvias, se é pra falar de processo, e, não à toa, são três das minhas favoritas também, claro.
A primeira, por mostrar a que veio. Já tem a vibe que é o fio condutor do projeto, de cara você sente o clima íntimo / intimista. Um certo desconcerto, a preocupação com o momento, a vontade de falar sobre, imaginar o que se passava na cabeça, a identificação.
A foto que ele apresenta duas faces em três momentos (e é a de número 100 do projeto) é emblemática por falar tanto sobre aquele momento específico – em se tratando de um projeto tão pessoal e falando sobre um ano corrido. A foto me fala tanto sobre um processo pessoal, de questionamentos / conclusões, quanto sobre um processo fotográfico, por já ser nítida a melhora técnica e o apuramento de uma linguagem no decorrer dos 100 dias que se passaram.
E a última, já que só me pediu pra falar de três, tem que ser a última, né?
Foi o caminho natural do projeto, que não precisou ter o peso de um fim pelo simples fato de que você não coloca um peso nas coisas – falando isso de uma maneira muito positiva, sobre forma de encarar a vida, não que não dê "a devida importância", mas que encare com uma leveza admirável.
A foto é "só mais uma foto" do projeto, e não um fim, porque o processo é contínuo. Não tem mais a obrigação da tal "foto do dia", mas tem o ímpeto de continuar (pra sempre?) com a progressão – de técnica, linguagem, reflexões e tudo que se construiu durante esse ano.
Os motivos foram, meramente: são lindas, colocaria na minha parede e me trazem um sentimento distinto e sempre forte. Optei por não ir muito a fundo nessa seleção, de qualquer modo eu iria ser errado com as outras 362 fotos maravilhosas, então que seja assim.
Todas as vezes que fazemos uma saída para fotografar à trabalho tiramos mais que 365 fotos, nunca nem nos prendemos em um número, muito menos 365. Com esse projeto, Chico nos fez pensar um bocado na profissão que escolhemos para viver, nada de quantidade e, sim, ideia, sentimento, muitas vezes casado com um sentimento incrível de "preciso registrar esse momento delícia que estou vivendo", coisa que costumamos fazer com o celular, de qualquer jeito.
Obrigado, Chico, perdi as contas de quantas vezes você me fez sentir vergonha do meu destrato com a fotografia, amor, orgulho, uma mistura maluca de sentimentos.
Para não, continue sempre com essa evolução absurda que nos ensina tanto. Sempre além, sempre.
Super 365!
Quando alguém para pra fazer um projeto que dura 365 dias e a premissa do mesmo é que todo dia tem que construir uma peça desse quebra-cabeça, eu já acho digno de respeito.
O início não me pegou. Eu fui muito influenciado pelo Flickr nos tempos em que queria ser Designer e Fotógrafo, então o que não faltou pra mim foi ver projetos desses acontecerem, mas uma verdade seja dita, nunca vi todos até o fim, e esse sim eu queria, devia e senti a necessidade de ver todas as fotos (nem que fosse com alguns dias de atraso).
Uma tarde na casa de um parceiro cortando o cabelo juntos, falando meia dúzia de besteiras e a cabeça dele girando mais uma vez em busca do clique. Luz natural entrando pela janela, flores dentro e fora da camisa fechada até o pescoço e um colar de dar inveja. Acabou, se olha no espelho, senta e clica ali mais um registro do momento que ele escolheu para representar aquele dia que teve mais um início, meio e fim.
Ninguém achou por aqui que todo dia seria como a descrição acima. Muitas cervejas tomadas em mais um dia trabalhando na noite carioca, sol nascendo, despedimos dos que ainda por ali ficavam na rebordose do álcool e nas músicas já tocadas para os seguranças e faxineiros, atravessamos e fomos andando em direção à sua casa, na Glória. Andando e pensando se faria algo ali pro projeto e me oferece mais uma vez para clicar. Como eu disse que não seria fácil, olhei lá pra baixo do viaduto do Aterro do Flamengo, alguns carros já movimentavam a manhã de sábado, fazendo um ambiente perfeito para algo dramático. Não sei se involuntariamente, por não ter visto até então no projeto algo nessa onda, eu ofereci que deitasse quase caindo (Caceta, podemos nunca mais repetir isso? haha) com os braços agarrados no ferro, comigo segurando suas pernas e esperando o táxi passar pra dar mais movimento para aquele que talvez seja um dos cliques que eu mais gosto de um amigo próximo.
Falando em amizade, eu fiz parte direta ou indiretamente disso tudo. Francisco Costa, Super Praia ou só Chico se tornou alguém mais próximo de mim um pouco antes de começar o 365. E como a dinâmica das fotos era o simples fato dele carregar a câmera diariamente em uma mochila nas costas, acabavam surgindo um retrato de um banho em casa, um ato tão diário quanto o projeto e que combinava perfeitamente, porém de forma sutil, com a persona simples que ele é. E mostrando que tudo aquilo não estava ali pra fazer 365 obras de arte, nem mesmo para obedecer nenhuma regra estética, o projeto era uma nítida forma dele mesmo, depois de abandonar a carreira de psicologia e se tornar oficialmente fotógrafo, provar que era isso que ia fazer nos próximos anos de sua vida. Foi um curso que ele mesmo foi professor e aluno, um ambiente perfeito para provar e ser provado. E ele conseguiu.
Cara, BEM difícil escolher só três, então eliminei sem muito critério algumas que gostei e deixei só umas que me vieram referências mais diretas.
A primeira que escolhi me lembrou o "Salto no Vazio", do Yves Klein, que eu adoro. E resume muito o que parece estar nas 365 fotos - reflexo de si no mundo; suas angústias e transformações em arte e em flores. A composição e as cores estão muito lindas.
A foto da escadaria mexe por eu ter participado e visto o processo. Resume essa questão que o Chico tem com as flores. Como se todo mundo que levantasse uma flor estivesse se redimindo de todo mal, sabe? Leva-me a crer que isso é possível. Fora que ele escolheu um local onde eu vi um carro explodir e quase fiquei sem ar com bomba de gás. Então parece que tudo se redime mesmo.
A foto com os livros resumiu esse lado contemplativo que está no ensaio todo também, claramente de um pensador / psicólogo, e o camera work nessa foto mostra um pouco essa coisa do pensador que virou fotógrafo pra interpretar e ver o mundo de outra maneira. Fora que também tem essa relação com a natureza (folhas, flores).
A foto da escadaria - também citada pelo Naine - é uma com certeza! Você mobilizou a fucking galera inteira pra participar de um projeto pessoal de uma foto. O mais interessante dessa foto é o que está ao redor dela. Seu relacionamento com essas pessoas, o que fez com que elas tirassem a bunda da cadeira e se deslocassem até la pra participar. Isso é muito foda.
Na da praia - também citada pelo Schlaepfer - rola essa ideia de tranquilidade numa circunstância "tensa". Praia pode ter essa imagem de "natureza e tranquilidade", mas a gente sabe que se dormir em Copacabana existe uma grande chance de se dar mal. Então essa ultima da praia tem um lance de liberdade de si mesmo, dos próprios medos, do medo do outro, sei lá! Mas relaciono a fatores externos: chuva, vento, maré alta, assalto, estupro. Nessa situação você está sujeito a um monte de merda e se livra desses medos nessa foto.
Por último, a da banheira é na mesma linha, mas algo mais íntimo. Seriam os medos menos objetivos, representados por essa água preta. Passou do pescoço já, mas tu ta ali de boas.
Escolher meus três autorretratos favoritos dos 365 me parecia um desafio mais fácil do que se mostrou. Ao retomar as fotos prontas e olhá-las em conjunto, comecei a encontrar temas, poses, locações e manipulações que apareciam em diferentes momentos desse ano fotografado. Ao rever e me aproximar destas fotografias, percebi que a maior parte dos Chicos representados eu nunca havia visto no Chico. Estes vários Chicos que voam, desaparecem, se multiplicam, amam, sonham, caem, se expõem, se escondem, todos em uma pessoa que se apresenta com sorrisos e uma alegria de viver que se vislumbra muito pouco neste projeto. As fotografias que escolhi guardam este mistério: quem é o Chico, o Super Praia, o Francisco Costa?
Na primeira foto que escolhi, se vê o Chico em pé, distante, no centro da imagem, através das estruturas metálicas de um telhado. Os triângulos se repetem em perspectiva e o vazio entre eles permite vê-lo de perfil, muito próximo da última coluna do mesmo triâgulo, como se o Chico, também, fizesse parte da estrutura. A repetição da estrutura e a posição do fotógrafo-fotografado indicam que ele poderia ser qualquer uma daquelas colunas metálicas. Sendo vários e o mesmo.
Na segunda foto, - foto também citada por Nomoto - a presença de Chico está somente em seu reflexo na água em pé no pier. O movimento das águas da lagoa distorcem sua imagem e apagam seu rosto. O desaparecimento de sua imagem real permite que aos poucos sua identidade seja recriada. Seu reflexo poderia aos poucos desaparecer e ele ser outro, em outro lugar. O lugar é comum, mas ele não está lá.
Por fim, na terceira, se vê através de uma película fina e translúcida a silhueta de Chico. Em pé de frente para a câmera, nenhum detalhe é visto. O fundo é homogêneo e só se divide por ser de cores diferentes. O chão mais escuro e a parede mais clara. A calça e o casaco escuros poderiam ser vestidos por qualquer um dos Chicos. É impossível distinguir qualquer forma de seu rosto. Tudo se perde no desfoque e no bloqueio da película. Chico é quase um vulto. Pode ser todos e nenhum deles.
Não tem nada mais bonito pra mim em uma fotografia do que a história que ela conta. Óbvio, tem uma beleza estética que é fundamental no ofício, mas a razão que me trouxe pra profissão foi certamente a capacidade narrativa dela.
O Super Praia é um excelente contador de histórias, carismático e extrovertido, cativa com uma facilidade absurda, é de impressionar a diversidade de pessoas que se encantam. Acompanho não só a evolução do trabalho, mas o amadurecimento da pessoa ao longo dos últimos anos, e é incrível ver isso aparecendo de forma tão clara na fotografia dele. Queria que todos pudessem ter vivido o que vivi ao lado dele, assim vocês entederiam ainda mais a beleza dessas fotos. Mas, já que não tem como, vamos as 3 fotos escolhidas.
A foto dos 3 chicos(a) mostra uma certa transformação óbvia, mas que é tão precisa, que narra tanto dos dilemas pessoais e sociais que ele lida/ advoga com na vida pessoal dele, que tem que estar nessa lista. Lembro da dezena de vezes em que ele mostrou essa foto para clientes, tentando ver se conseguia chocar eles: "olha só o tipo de pessoa que vocês contratam sem saber!"
A foto dele com o Kazuki (criança linda filho do Nomoto e da Beta) é linda porque ele parece uma criatura etéria assombrando a criança. Novamente, minha convivência com ele cresceu quando nos encontramos ambos como admiradores de universos fantásticos, quadrinhos, desenhos, filmes. A criança dentro de nós bateu de frente, e, mais uma vez, é uma foto que me conta uma história tão íntima que dá vontade de abraçar ela.
A foto da sombra na água (também escolhida por Nomoto e Takayama), lembro bem, me marcou muito. Estava com ele no dia que fez, e eu, que (otário) me acho o fodão da fotografia, estava esperando um retrato bacaninha com um fundo legal e panz. Não tinha sequer pensando nessa possibilidade, não me bateu do quão relevante era o reflexo, tão importante que podia ser só ele. Bateu aquela coisa de 'caralho, que idéia boa, queria ter tido ela antes!'. Fiquei tão feliz com isso, o Chico, que estava fotografando há tão pouco tempo, que estava estudando tanto para crescer e amadurecer profissionalmente, estava ali, tendo idéias que eu nem sequer tinha cogitado, com toda a minha experiência e arrogância.
Enfim, Chico, obrigadão ai, mesmo. Projeto foi cheio de lição <3
Comecei a pesquisa com 23 abas. Quer dizer, abri seu Flickr e isso gerou 23 fotos candidatas ao titulo de minhas três fotos preferidas. Depois de um tempo pensando em cima das candidatas consegui chegar a três e, quando olhei, achei as três tão diferentes e com associações tão distintas na minha cabeça que achei que cheguei num bom resultado. Elas não estão em ordem de preferência… Essa eu não consegui chegar! Acredito que eu tenha selecionado uma relacionada a vivência, uma relacionada a questionamentos e outra a memória.
A de Cabo Polônio é a de vivência. Lembro desses minutos que a gente tava ajeitando pra você tirar a foto. Primeira sensação delícia desse momento foi ficar na grama. Naquele solzinho com ventinho frio. O segundo foi te assistir deitando. As margaridinhas pareciam sua cabeça explodindo de coisas boas, criatividade e tudo mais. Foi isso que me veio na cabeça naquela hora. Foi um momento gostoso <3 !
A foto dx Chicx - mesma escolhida pelo Nomoto - eu relacionei a questionamentos. Lembro da época que você soltou essa foto, o quanto ela reverberou positivamente e muita gente comentando, se questionando e se abrindo! Foi bem bonito de ver.
E por último a sua foto com as fotos. É bem clichê falar que foto é memória, mas eu amo. Vendo fotos, pontinhos de luz se acendem no passado quando você relembra um momento. Ou melhor, uma sensação.
É isso… rever todo esse ano do seu projeto me gerou um mix de sensações delicioso…
Obrigada por isso!
Enquanto quem fez o projeto, posso dizer que muitas coisas mudaram. Porém o que eu mais queria com esse zine era compartilhar e agradecer. São muitas pessoas que eu gostaria de agradecer e espero que elas se sintam agradecidas. Muitos momentos foram especiais para mim e foi muito bom me experimentar e me expor de uma forma tão inteira. Muito obrigado aos amigos que fizeram esse exercício tão difícil de escolher. Eu teria morrido do coração. E que venham os próximos projetos.
PS: Eu escolhi essa foto para fechar não por ela ser a minha favorita, mas só porque para mim ela simboliza muito do que foi o projeto. Da simplicidade e da complexidade. Elementos e formatos. :)