Hoje eu estou aqui pra falar de algo muito mais polêmico que mamilos.
Mas o que poderia ser ainda mais polêmico para o mundo que um mamilo? Sim, ele, o cu.
Especialmente o famigerado cu do homem hétero.
Outro dia vi uma notícia que me deixou meio atordoado: “homem atira em médico após ter uma ejaculação durante exame de próstata”.
Depois descobri que era uma notícia falsa, mas aquilo ficou na minha cabeça, porque né, sabemos que isso é bem possível de acontecer. Me senti motivado a escrever sobre essa parada que o homem tem com o cu dele. E pra isso, resolvi contar a minha própria trajetória com o meu.
Lembro que quando eu tinha uns 16 anos, um primo meu um pouco mais velho me contou que estava transando com uma menina e que ela tentou colocar o dedo no cu dele.
Perguntei: E aí?
Ele: Brochei na hora. Não tinha como, é automático, se alguém bota o dedo no meu cu eu brocho automaticamente.
Aquilo me pareceu tão plausível pra um homem hétero que eu assumi esse discurso imediatamente, mesmo sem nunca ter vivido a experiência de ter sido sequer tocado ali. Quando me perguntavam o que eu pensava sobre isso eu rapidamente dizia: eu brocho na hora, não dá né, é automático. Reproduzi esse discurso quase que minha vida toda, até poucos anos atrás.
A masculinidade é uma parada tão tão frágil que pensar na ideia de ser tocado no cu causa um medo reativo que é quase violento. É a famosa frase de tiozão: "Êeeeee, aqui não!", que vem sempre seguida com um movimento engraçado com o braço e um semi-assovio. Esse medo de perder o que simbolicamente faz da gente macho leva homens inclusive a nunca lavarem suas bundinhas, como apareceu uma vez numa matéria do Buzzfeed (essa não é fake news não - os caras simplesmente NÃO LAVAM A BUNDA porque aparentemente tocar no cu é ser gay). SAD BUT TRUE.
Bem, eu sempre lavei meu cu, mas nunca deixei que ele fosse tocado por terceiros em qualquer situação, sexual ou não. Mesmo depois de saber que o ponto G masculino fica no ânus, eu nunca me permiti viver isso. Parando pra pensar, é muito doido que a gente saiba que uma coisa pode dar muito prazer e ainda assim refutamos com revelia. Se fosse qualquer outra parte do corpo, se alguém chegasse e falasse: “sabia que se você tocar sua batata da perna no sexo você vai gozar muito mais?” todo mundo faria sem qualquer hesitação, mas como se trata desse lugar proibido, aí não.
Durante muito tempo, estimulado pela conversa do ponto G masculino (também conhecido como Ponto P), tive muita curiosidade pra saber como seria, mas por conta desse medo irracional, nunca me permiti nada muito além de uns toques durante o banho.
Tempos depois, me envolvi com o universo da massagem tântrica: vi palestras, fiz alguns cursos, retiro e isso abriu na minha cabeça um novo olhar pro sexo e sexualidade, descobri milhares de novas sensações pelo meu corpo, descobri que o prazer está em tantas partes não óbvias e isso fez com que eu ficasse um pouco mais aberto para a possibilidade. E foi durante um retiro tântrico da Carol Teixeira (que aliás é uma pessoa maravilhosa) que fui receber pela primeira vez a massagem que incluía esse estímulo no ponto P.
Foi uma experiência realmente disruptiva. Estava completamente imerso no prazer que a massagem proporciona quando chegou o momento de rolar esse toque e, cara, preciso dizer foi MUITO INTENSO, muito prazeroso, eu achava que ia explodir de tanto prazer que eu tava sentindo, juro. Foi tão forte que eu tava com dificuldade de respirar. E foi nessa situação que eu entendi na prática que dá pra ter muito prazer assim.
Mas naturalizar isso não foi um processo rápido - depois do retiro, de vez em quando comecei a me masturbar também estimulando meu ânus, depois passei a deixar que em relações sexuais ele fosse tocado, depois deixei que lambessem, até que enfim deixei que penetrassem o dedo enquanto me chupavam, e olha, preciso dizer: é muito muito bom! É um prazer completamente diferente, é bem menos localizado, o prazer não fica só ali na região, ele se espalha.
Esse processo exige uma desconstrução tão grande que demorou até que eu falasse com algum amigo hétero sobre o assunto, um medo velado do julgamento. Mas logo depois passei a falar pra todo mundo porque né, precisamos que todos quebrem essa barreira. Não quer dizer que pra todo mundo vai ser incrível e que todo mundo precisa gostar muito, mas é muito burro que exista algo que pode dar muito mais prazer e ainda assim ninguém nem tente.
Lembro muito da situação que fui contar pra um amigo e ao ouvir ele me olhou espantado e disse: "cara, preciso te falar uma coisa, quando eu era moleque meu pai me levou pra transar com uma prostituta, aquelas atitudes de pais antigos e com outra cabeça, papo pra outra hora. Mas na ocasião, a mulher com quem eu transei me tocou dessa forma e eu gostei muito, mas mesmo tendo sido muito bom eu nunca mais me deixei viver aquilo de novo". Ouvir isso foi muito chocante pra mim: como a gente vive uma parada muito boa e depois sem mais nem menos nunca mais nem tenta viver de novo? Por que caralhos a gente não se permite ter mais prazer?
Não nos permitimos porque temos medo de ser ou de sermos vistos como gays. O pior é que não faz NENHUM SENTIDO que ser tocado no cu signifique ser gay, construção distorcida da porra.
Pensa aqui, o que faz um homem ser gay? É se sentir atraído, se relacionar afetivamente ou sexualmente com pessoas do mesmo sexo, neste caso, com outros homens. Quando uma mulher toca o seu cu você é gay? Não. Quando uma mulher coloca uma cinta e come você, você é gay? Não. Quando você tá se masturbando e você se toca no ânus você é gay? Não. E o que eu acho ainda mais doido nessa parada, é que um grupo de homens eventualmente transa com homens e não se entendem como gays, porque na cabeça deles se eles não deram o cu então não são (nas palavras deles) - “viados”, se ele foi ativo na relação ou recebeu sexo oral ele simplesmente não se entende gay (imagina comigo aquela visão de um tiozão escroto que fala que "comeu um viadinho").
Acredito que essa visão venha de um olhar misógino nosso, porque nessa construção cultural patriarcal, ser penetrado é uma coisa de mulher e como se enxerga mulher como um ser fraco e menor, então se deixar ser tocado no cu é algo ruim, é gay, mas penetrar um outro cara ou ser chupado por ele, aí não, aí é hétero. Tudo distorcido, um medo infinito de estar vulnerável, porque ser penetrado é de fato um estado de vulnerabilidade muito doido e intenso.
Por isso, queria convidar todos os homens héteros a se deixarem explorar o corpo, sem pressa nenhuma: primeiro se toca durante o banho, depois pode de repente usar um vibrador (aqueles bullets pequenininhos) pra estimular o períneo enquanto se masturba, depois ir explorando de leve, no seu tempo. Acho que ir desbloqueando isso devagar é uma forma maravilhosa de deixar rolar.
Fazer isso não quer dizer que você vai querer que alguém te coma quando transar, não é isso. É sobre entender que tem uma parte do corpo que dá muito prazer e que é um desperdício não usar. Também não quer dizer que em todas as relações você tem que ter isso, porque afinal, tem que estar num momento com muita intimidade e tesão. Eu ainda não me sinto confortável para pedir pra parceira pra ser tocado ou algo assim, pode ser sei lá, medo do julgamento, é algo que ainda tô desbloqueando. Mas quando alguém me toca e vem nessa vibe, eu super me deixo sentir e curtir aquilo.
Espero que minha experiência ajude outros caras como eu, que com a cabeça super travada por coisas ridículas, deixam de explorar mais do seu prazer.