Multiplicidade: nós vamos invadir sua tela!
Festival ocupa o Oi Futuro Flamengo até 11 de setembro
Publicado em 07/2016
Com os olhos apontados para o futuro, o festival Multiplicidade chega aos 12 anos de vida: uma trajetória consolidada e de respeito que abre brecha, inevitavelmente, para uma espiadinha no passado e em tudo que o evento plantou e colheu nessa dúzia de anos. “A primeira vez em que fizeram uma crítica jornalística ao Multiplicidade, nos rotularam como o espaço dos moderninhos. Foi a leitura mais retrógrada que poderiam ter feito. Seria como a escola não incorporar o tablet no aprendizado da leitura”, relembra Batman Zavarese, curador e idealizador do festival.
Sempre flertando com o novo em suas edições, o Multiplicidade, segundo Batman, transformou em algo inquestionável a influência da tecnologia nas artes. “Há 12 anos, falar de multiplicidade nas artes era muito avançado, vivíamos numa zona inclassificável. Hoje, ser híbrido é uma regra obrigatória na arte contemporânea”, analisa o curador, que também acredita na necessidade constante de inovar, em paralelo à consolidação das ações artísticas e de sua consequente exposição. “Quando as pessoas questionam a importância da cultura no país, você entende que o seu trabalho fundamental é a resistência, antes de tudo”, afirma.
Nada mais natural do que compreender que, depois de 12 anos de atividades, o público do Multiplicidade vive um outro momento: “Muitos dos que seguiram o festival nestes primeiros 12 anos, hoje, têm filhos e mudaram seus hábitos. Nossa alternativa é criarmos um diálogo para que os jovens pais não deixem de frequentar os eventos. Então, em alguns momentos, diminuímos alguns decibéis e investimos nesta nova geração de nativos digitais, de 5 a 20 anos, que tem uma impaciência tremenda para experiências ao vivo e precisa ser introduzida nas linguagens híbridas”.
Com o pontapé inicial dado no último dia 18 de julho, o festival vai até o dia 11 de setembro, no Oi Futuro Flamengo. Como grande atração, o Multiplicidade apresenta o francês Joanie Lemercier dentro da temática desta edição: o erro. No bate-papo que travamos com Batman, o curador descreve com mais detalhes esta edição:
I Hate Flash: A temática deste ano é o erro. O que nos leva a uma curiosidade: a gênese das temáticas do Multiplicidade. Como ela se dá?
Batman Zavarese: Eu digo que sou um garimpeiro que vive desta sina de procurar algo que nunca perdi. E neste ponto eu embaralho tudo, arte e vida, em tudo que faço. Eu viajo, pesquiso e quase sempre resgato milhares de informações desconexas que se acumulam nesta minha trajetória de décadas de “inputs” para achar as minhas soluções. Tem respostas que persigo durante meses e as encontro em momentos inusitados de ócio ou na natação. Eu fui alfabetizado com desenho, maquete e mecânica num momento que ainda era tudo muito analógico, mas me formei com a sedutora ferramenta computador entrando com tudo em nossas vidas. Eu tive todos os computadores da Apple e trabalhei com as câmeras de vídeo broadcasting dos anos 1990, que hoje são peças de museu. Posso dizer que isso ampliou muito minha forma de ver hoje a importância de qualquer tipo de tecnologia, do livro impresso aos sensores. Às vezes, lendo um livro, eu tiro uma frase que pode me orientar em minhas investigações conceituais do festival durante anos. Isso aconteceu lendo as poesias completas de Manoel de Barros que muitas vezes inventa palavras. Ali eu fisguei e incorporei a frase: “É preciso transver o mundo” e não larguei mais… É a perseguição e mantra do que faço na plataforma artística do festival.
O erro deve ser encarado pelo artista como alternativa? Ou encará-lo assim é, por ironia, uma alternativa e não uma regra?
Os grandes artistas do mundo digital na atualidade são os hackers. A cada novo trabalho autoral que desenvolvo, eu chamo um hacker para quebrar códigos e reprogramar os modelos engessados de softwares. Incorporar o glitch como linguagem não pode mais ser considerada uma forma de subverter esteticamente, já é completamente natural. É uma linguagem incorporada em nosso dia a dia, porque soma intuição e conhecimento. Eu, particularmente, acredito no desvio para achar uma outra saída original em muitos de meus trabalhos. Eu não me desespero mais quando erro, porque até mesmo a frustração eu incorporo como aprendizado. Insistir no erro é equívoco, isso não cabe, mas absorver e transformar numa outra coisa é uma alternativa. Os artistas que fazem parte da programação deste ano são, de certa forma, errantes, não seguem bulas ou manuais, porque viveram situações muitas vezes inusitadas para rever e criar novas saídas.
Como você conheceu o trabalho do Joanie Lemercier? Como define o trabalho dele?
Eu conheci o Joanie há dez anos em festivais gringos e acompanhei sua evolução com muita atenção. O que mais me atraía nele, além de uma sofisticada qualidade estética, é que ele traz para seus trabalhos uma mistura de técnicas manuais com tecnologias avançadas. Esta mistura de técnicas do passado e do futuro traz um diferencial muito grande para tudo que ele faz. Em 2009, ainda parte do coletivo ANTIVJ, ele se apresentou no Multiplicidade com uma performance 3D e foi muito inovador. Tudo isso antes da enxurrada de cinemas 3D da indústria do cinema. Hoje, sete anos depois, ele apresenta uma obra inédita no Brasil que surge em seu repertório a partir do momento em que ele ficou impedido de viajar por conta do vulcão islandês que entrou em erupção e fechou grande parte do espaço aéreo europeu, onde ele necessariamente teve que recorrer ao desenho para solucionar um mapping. Diante desta situação inusitada acabou criando a sua obra mais icônica, o impronunciável Eyjafjallajokull, e os softwares de mapping do mundo inteiro passaram a incorporar as novas necessidades que ele desenvolveu neste trabalho em relação a volume, sombras e perspectivas de um plano bidimensional, chapado.
Qual o futuro do Multiplicidade, Batman?
É invadir as telas… As convencionais e todas as outras invisíveis que iremos conviver daqui para frente. O que estamos concretizando com a série “Multiplicidade”, que estreia no dia 7 de setembro no Canal Brasil, e é um sonho de oito anos que estava incubado junto com o diretor Bebeto Abrantes. Vivemos uma sequência de experiências ao vivo que são efêmeras, porém fundamentais. Como torná-las ainda mais permanentes em nossas memórias? Estamos apostando no audiovisual, na linguagem poética e secular do documentário para ampliar nossos diálogos para não necessariamente atingir públicos presenciais. Desta forma, poderemos entrar em escolas, em debates que fugirão ao nosso controle. Segundo Luli Radfaher, um de nossos entrevistados, o avião, o telefone ou a descarga de nossos banheiros não são mais chamados de tecnologia porque elas já fazem parte de nosso cotidiano. O futuro da tecnologia é quando ela se tornar onipresente e invisível, quando a tecnologia for chamada de vida e isso eu acho fascinante. Hoje, o festival permanece em 2025, buscando pesquisar e compreender o futuro que está logo ali, e assim estará nos próximos nove anos. Mudaremos nossa data física somente em 2026, até lá, vamos investigando os futuros possíveis, pensando em longo prazo.
Fotos por Andrea Nestrea