Mulheres que Fotografam : Experimentos de Carnaval
Alegria e resistência pelo olhar de 10 minas cariocas.
Publicado em 03/2019
O carnaval já passou, mas as histórias desse período de 5 dias mêsinteiro de folia com certeza ainda estão rendendo. Este ano, o I Hate Flash somou 10 manas do audiovisual para que elas registrassem esse período. Seja trabalhando, indo em todos os blocos possíveis, só ficando pelo bairro, saindo com os amigos ou viajando, essas minas pegaram suas câmeras disponíveis (analógicas, cybershot, celular, etc) e nos trouxeram um pouco de suas visões. A ideia desse projeto experimental é, além de relembrar o carnaval sob um ponto de vista mais pessoal, fazer com que o folião saudoso revisite momentos, convidando as pessoas a conhecerem quem são essas mulheres do audiovisual que estão aí no corre embaixo de glitter, de sol ou de chuva, prontas pra somar e aprender nesse mercado ainda dominado por uma maioria masculina. Esteja convidadx a conhecê-las através de seus registros enquanto você lê, vê, ouve e relembra nossos dias de folia.
Gessica Hage | @gessicahage
"Meu carnaval foi dividido em dois momentos: metade apertada no meio do bloco e outra metade procurando a música do próximo, enquanto paro pra comer no caminho. Eu cresci com música, meu pai tinha bloco e, desde que me entendo por gente, rolavam uns batuques nas festas de família. Acho que hoje em dia busco essas memórias no Carnaval.
Para mim o bloco só é bom se estou colada na bateria, ouvindo o som do surdo tocar as batidas que chegam lá no coração. Enquanto o som me leva, meus olhos trocam atenção entre momentos. Meus registros foram exatamente tudo que meus olhos fotografavam sem as câmeras, só que dessa vez eternizados em 35mm: o aperto, a música, a emoção e a espontaneidade do caminho."
Larissa Kreili | @larissakreili
"Quando recebi o convite, fiquei extremamente feliz de poder mostrar, junto a outras minas, um pouco do meu rolê em meio às festividades do Carnaval. Registrei com a minha Sony Cybershot, comprada lá em 2010, fotos que passaram um pouco do que vivi nesses dias. Entre jobs, perrengues e curtições, idas a São Paulo e retornos pro Rio, registrei momentos inesperados, amigos que não via há tempos e os novos encontros que o Carnaval me proporcionou.
No fim, o mais legal foi ver que mesmo em meio ao trabalho e ao caos que toma conta da cidade, ainda consegui buscar a felicidade em pequenas coisas e viver grandes momentos. Vivemos um momento muito cinza em nosso país e trazer e viver um pouco de cor foi um respiro bom."
Bléia Campos | @bleia
"Um dos primeiros trabalhos que fiz para o I Hate Flash foi um zine em que eu contava minha vivência como mulher vendo a vivência de outras mulheres durante o carnaval em um ano em que começavam a surgir as manifestações de NÃO É NÃO. Quando a Clarissa fomentou essa ideia de juntarmos minas do audiovisual para fazer um zine sobre o carnaval eu imediatamente me animei em viver esse corre de novo e compartilhar com outras minas a experiência.
Meu carnaval foi politico e busquei fazer um circuito lésbico de blocos LGBT com minhas amigas entre muita correria de idas e vindas a São Paulo. Eu optei por me desafiar e não fazer foto, trabalhando somente com video captado em uma câmera digital fuleragem, sem muito glamour, sem muita técnica, só com meus olhos, um “gravador” e o que passava por mim me chamando a atenção."
Maju Magalhães | @maga.maju
"Quando comecei a pensar sobre o que registrar durante o carnaval, não sabia com o que clicar, então acabei pegando uma analógica point and shot 35mm com uma amiga e me joguei nos blocos. Tinha tantas ideias na cabeça, mas no final me ocupei em sentir o carnaval de bloco em bloco com os amigos, sempre observando tanto o povo que se divertia quanto o que trabalhava.
Cliquei personagens pra contar a minha visão de como vejo a cidade e seu movimento e, pra mim, o movimento desse carnaval foi político, empoderador, com explosões de felicidade em meio ao caos."
Bel Gandolfo | @kiddotrixx
"Do suor de quem trabalha à purpurina dos foliões, uma festa espalhada pelo Brasil inteiro, diversa, colorida e quente. Durante meus registros, pensei em trazer à luz a alegria de um povo que, embora cansado, dividido e de saco cheio das baixarias da política, vai pra rua dançar no seu próprio ritmo com um milhão de pessoas, vivendo feliz a diversidade de um bloco e a liberdade do carnaval.
Pela primeira vez vi essa farra toda não como um descanso das frustrações com a realidade, mas um terreno em que brotam discursos de resistência e ferramentas contra a caretice, o conservadorismo e tudo aquilo que de alguma forma ameaça toda a cor, alegria e liberdade (com respeito) que o carnaval representa. Ainda bem que o brasileiro tem todo esse gingado, esse pique e essa alegria. Ainda bem que tem muito show pra continuar."
Clarissa Ribeiro | @eusourolezeira_
"Para esse zine, eu escolhi fazer um filme experimental, que chamei de A Carne é Beijo e o Avesso Água. Meu processo teve pontos de partida estéticos e políticos. Eu sabia que queria fazer fotos analógicas em sequência e que dessem ideia de movimento. Sabia que queria registrar meus amigues, nossa família LGBTI+ e os espaços ocupados por esses corpos no carnaval. Logo no primeiro dia, quando fui rebobinar o filme, ele arrebentou e eu, sem saber, abri a câmera. Quando eu peguei esse material escaneado, vi imagens lindas com texturas e formas mais abstratas, desenhos da imprevisibilidade que se formaram em confluência com meu olhar enquanto fotógrafa. Comecei a flertar com os conceitos de negativo e avesso, pensando a própria forma do filme como dispositívo conceitual e o acaso como fio condutor dessa narrativa fragmentada de movimentos, vivências e encontros. Outro elemento importante no filme é a água, a chuva que cai, lava, que flui, que renova, que brilha. Uma metáfora para que continuemos firmes mesmo em tempos nebulosos, tempos de perda, de tristeza. Para lembrar-nos que somos muito antigas e resistentes, assim com a força da natureza. Convidei duas amigas artistas, Maria Bogado e Gabe Passareli, para traduzirem em forma de poesia algumas de nossas experiências (foram taaantas) em conjunto durante o Carnaval. A partir dessa proposta surgiu o texto em off do filme, que é lido pela Gabe. Eu fiz esse filme intencionando proporcionar aos expectadorxs uma outra experiência com o audiovisual, onde possam se deixar levar pela complexidade das imagens, texturas, abstrações e erros. Mas que, ao mesmo tempo, possam ter uma participação ativa na narrativa, desvendando múltiplas possibilidades e percepções de significados presentes nesse filme."
Blinia Messias | @blinia.m
"O convite para fazer parte do projeto me trouxe entusiasmo, muito porque também me motivou a sair um pouco da minha zona de conforto. Me desafiei a fotografar com um equipamento que não saía há anos da minha gaveta: minha primeira Cybershot. Durante esse período de carnaval tentei registrar não só os momentos de positividade, mas também o caos e os aspectos que considerei interessantes, como meus caminhos até o centro, minhas voltas pra casa, etc.
Quase todos os registros são em preto e branco porque, apesar de o carnaval ser a festa das cores, vivemos uma época cinzenta... porém mesmo sob cinzas ainda podemos encontrar a inocência no sorriso das crianças, o afeto, a liberdade, sororidade e a resistência que essa época carrega."
Nina Fontenelle | @eutiroumasfoto
"Cada momento é visto de diversas formas diferentes. O exato minuto em que algo acontece pode ser interpretado de ângulos totalmente diferentes, e uma mesma coisa nunca é vista da mesma forma mais de uma vez. O momento é único. Quando passa, não volta mais. Cada registro se torna único também. De um ângulo único, e de maneira que não se pode mudar mais.
O que quis tirar desse carnaval foi a aleatoriedade que uma única câmera, sem visor, descartável, analógica, com apenas 36 poses poderia me trazer. E trouxe. Capturei momentos sóbrios, e outros nem tanto. A interpretação delas fica a critério de cada um que as ver. Assim como todas as coisas."
Marcelle Tauchen | @marcelle
"Passei por vários carnavais dentro do mesmo carnaval e minhas fotos são tudo que vivi e pude experimentar usando meu tempo de diferentes formas: trabalhando, conhecendo, explorando e trocando.
Juntei em imagens meus dias de trabalho em uma festa fechada, blocos de rua e o entorno e concentração para os desfiles na Sapucaí.
De forma livre e espontânea registrei muitos dos símbolos que representam essa grande catarse de novo ano e os organizei lado a lado, relacionando suas formas, cores, movimentos, posições e situações.
Que a comunhão de mulheres e corpos e a ocupação dos espaços continue no ritmo que foi o carnaval deste ano."
Mari Cavalcanti | @anarcopati
"Fiquei muito animada com o convite de unir mulheres fotógrafas num projeto de documentação livre sobre o carnaval. Tava numa puta fossa de inferno astral e a ideia de poder exercer criação com outras mulheres durante a minha festividade favorita do ano me caiu como um chamado para a libertação!
Amo e anseio pela chegada do carnaval. Pensei nas possibilidades de explorar a cidade, os caminhos, contornos e encontros. Considerando a insanidade profanada dos nossos corpos, das ruas e das multidões, escolhi um equipamento leve e prático. Sou viciada em câmeras point and shoot, e volta e meia compro mais uma em algum brechó. Optei pela minha Nikon Lite touch 130ed, uma camerazinha que eu adoro levar pro rolê, por ela ser super leve e prática. Meu aniversário caiu no meio do carnaval e sinto que vivi esses dias com toda a minha intensidade, como um chamado para a vida, como uma prática de limpeza espiritual.
Entendo também o carnaval como ritual coletivo de cura, de renovação das energias para o início de um novo ciclo, que torna a vida possível de novo. Além disso, considerando a posse de Jair Bolsonaro em janeiro, o carnaval de 2019 vem como uma forma (nossa) muito particular de protesto e deboche. Uma manifestação reativa de que a rua nos pertence, ilustrada pela potência da multidão que ocupa e transita e se autoriza de uma maneira tão visceral que nem o mais fascista dos governos poderia ser capaz de conter. Aos meus registros, chamei de Álbum de família. São retratos meus e dos meus amigos em passagens do nosso carnaval, marcas da nossa existência pelos lugares, da nossa alegria, gritos, indumentárias e corpos. Uma antropologia da coletividade plástica e gloriosa, perecível em matéria e duradoura no encontro com o outro."