Mulheres que fotografam: As minas do I Hate Flash
Conheça mais da história e do trabalho de Bléia, Elisa e Helena, as nossas fotógrafas
Publicado em 06/2017
Assim como em diversas esferas da nossa sociedade, o universo da fotografia ainda é dominado por homens. Mas o tanto de mulher incrível que tá por aí com a cabeça fervilhando de ideias e uma (ou mais de uma) câmera na mão... Tem muito mais do que Annie Leibovitz, minha gente!
Para espalhar por aí o talento feminino, começamos hoje uma série especial que vai explorar a história, talento e olhar de fotógrafas que admiramos com cada pedacinho do nosso corpo, porque acreditamos que mais gente merece ter o prazer de babar pelo trabalho delas. Quem sabe a tia Leibovitz também não topa participar?
E começamos honrando quem é coisa nossa. Com vocês, Bléia Campos, Elisa de Paula e Helena Yoshioka, as minas que odeiam flash.
Bléia Campos, 29 anos. Rio de Janeiro.
@bleia
- Quando você começou a fotografar? O que despertou a vontade de trabalhar com fotografia?
Minha primeira relação com a fotografia foi pelo meu pai, que durante toda minha infância usou uma Pentax MX 35 para registrar as viagens e datas importantes de família. Lembro dem quando eu era criança, estragar um filme inteiro de viagem porque abri a máquina pra ver o que tinha dentro. Eu sempre estive em contato com a fotografia analógica, mas tempos depois, quando eu estava na faculdade de jornalismo, fiz um intercâmbio e lá comprei minha primeira máquina digital. Depois da viagem comecei a trabalhar como fotojornalista, que foi o que me levou a me envolver com fotografia como profissão. A fotografia de denúncia, histórica, que impacta e fomenta debates, sempre foi e ainda é minha paixão maior.
- Chegou a trabalhar (ou ainda trabalha) com outra coisa além de fotografia? O quê?
Cheguei a trabalhar em uma empresa de petróleo com comunicação corporativa e tenho pós-graduação em Marketing Estratégico, porque realmente achei que iria trabalhar com isso. Houve uma época em que eu havia assumido a fotografia como hobby, porém, quando sai do trabalho, pra não ficar parada pensei: “Bem, a única coisa que sei fazer mais ou menos é fotografar”. Então, procurei amigos e conhecidos fotógrafos e comecei a ser assistente deles, principalmente na fotografia de moda. Nisso, conheci um mercado que nunca imaginei me envolver. Senti ele bem mais receptivo às mulheres como um todo (ou, pelo menos, melhor que o mercado fotojornalístico) e, em resumo, uma coisa levou a outra e aqui estou, me sustentando de fotografia.
- Fez algum curso ou aprendeu a fotografar sozinha?
Os dois. Eu precisei fazer um curso básico quando comprei a minha máquina digital porque só conhecia a máquina analógica do meu pai e a digital me pareceu estranha com tantos botões (real). Até hoje faço cursos e workshops que me interessem e sempre que precisei ou tive dúvidas tive fotografos(as) que me ajudaram e ainda ajudam. Sozinho, credito que a gente só aprende de verdade na rua, na prática, observando o trabalho dos outros, perguntando e levando a câmera contigo sem medo sempre que possível.
- Qual equipamento você usa?
Atualmente uso uma Nikon D610 full frame e uma Nikon Fm2 35mm. #eusounikonzeira
- O que você mais curte fotografar?
Pessoas em situações espontâneas e a fotografia de rua. Eu deixei o fotojornalismo como forma de me sustentar, mas ele nunca me deixou. Já até considerei ser fotojornalista de conflito ou correspondente, quem sabe?
Hoje, uma das coisas que eu mais curto fazer é sempre levar minha máquina analógica pra onde eu for. Sem demanda, sem pretensão, clicando sem que ninguém repare, sem imediatismo. Eu e o momento.
- Tem algum projeto pessoal de fotografia? Qual?
Tenho minhas fotografias analógicas e tenho um projeto de fotografia clonada, no qual eu repito um assunto ou um objeto dentro da mesma cena. Também sempre tenho projetos pessoais em andamento junto de amigos.
- Diz aí quem são as mulheres que influenciam o seu trabalho.
Marcia Folleto, Nana Moraes, Vivi Bacco, Diane Arbus, Alice Martins, Lee Miller, Nan Goldim e muitas, muitas outras.
- Por que é importante termos mais mulheres trabalhando com fotografia no Brasil?
Eu, pessoalmente, acredito que tão importante quanto termos MAIS mulheres é olharmos com maior atenção e respeito para as que já estão aí. O mercado “melhorou”, mas ainda é dominado pelo gênero masculino, apesar de estarmos por toda parte. No fotojornalismo, principalmente, mais de uma vez discuti (e continuarei discutindo) com fotógrafo macho tentando desdenhar de mim ou de outras fotógrafas por sermos mulheres, porque parece que, pra alguns, não sabemos o que estamos fazendo por sermos o “sexo frágil”. Sendo que se procurarmos, veremos mulheres incríveis em todos os segmentos da fotografia, mas não sabemos seus nomes. Ainda sinto que temos MUITO a mudar nesse meio. E vamos mudar. Acredito que a gente pode influenciar bastante a nova geração de mulheres fotógrafas ao valorizarmos a geração atual. Ainda somos minoria e a importância desse movimento de valorização das nossas profissionais no Brasil está em criarmos uma espiral crescente de mulheres fazendo cada vez mais parte e tendo cada vez mais voz nesse e em qualquer outro meio profissional.
Elisa de Paula, 27 anos. Rio de Janeiro.
@Elisadpaula
- Quando você começou a fotografar? O que despertou a vontade de trabalhar com fotografia?
Comecei em 2013, por pura brincadeira. Uma amiga tinha deixado uma câmera na casa do meu companheiro, e começamos e fazer o que nos dava na telha: fotografávamos coisas abstratas, a nós mesmos e depois começamos a ir pra festas com a câmera e nos aventuramos a imprimir as fotos. Disso até surgiu um projeto autoral muito legal, o Alice Salus.
- Chegou a trabalhar (ou ainda trabalha) com outra coisa além de fotografia? O quê?
Trabalhei com publicidade, comunicação corporativa e como modelo – com o que ainda trabalho. Agora estou cursando Letras, faço tradução, revisão e escrevo historinhas infantis.
- Fez algum curso ou aprendeu a fotografar sozinha?
O básico aprendi sozinha, mas depois fiz o curso do SENAC-RJ.
- Qual equipamento você usa?
Uso uma Nikon D750.
- O que você mais curte fotografar?
Amo fotografar comida! E eventos com pessoas interessantes para o projeto pessoal, em que não tenho que seguir nenhum briefing estético e posso pirar nas minhas preferências de registro.
- Tem algum projeto pessoal de fotografia? Qual?
Tenho esse que mencionei antes, de quando comecei a me aventurar na fotografia junto com meu companheiro. Hoje ele tá meio parado, mas temos um carinho muito grande pelo Alice Salus.
- Diz aí quem são as mulheres que influenciam o seu trabalho.
Francesca Woodman, Vivian Maier e Diane Arbus.
- Por que é importante termos mais mulheres trabalhando com fotografia no Brasil?
É importante termos mais mulheres trabalhando com qualquer coisa em qualquer lugar. Ponto. Fotografia não seria uma exceção, principalmente por ser um mercado abarrotado de homens, seja na parte de eventos, de moda, de fotojornalismo... Apesar de eu ter um apego de fato muito pequeno por reconhecimento, fama e tal, acho crucial que mulheres trilhem caminhos em que deixem suas marcas, pra servirem de referência pra outras pessoas. Acho que é por aí, tudo começa com a representatividade.
- Me dando ao direto de perguntar algo a mim mesma: qual a maior dificuldade que você encontra por ser uma mulher quando está fotografando?
O que mais seria? Machismo, né? Em festas hétero, principalmente. "E aí, essa fotógrafa não sai em nenhuma foto?", "Posso tirar uma com você?", "Você pode parar de ficar tão séria e conversar comigo rapidinho, linda?". Poderia estender essa lista, mas a essência tá aí. Homens, não sejam essas pessoas. Quando estamos trabalhando estamos preocupadas em cumprir nosso briefing, estamos atentas a tudo em volta pra captar o momento certo e se estamos sérias, é porque não temos interesse algum em "trocar uma ideia rapidinho". Sou uma pessoa extremamente doce e simpática com amigxs e também desconhecidxs, odeio ter que vestir carapuça de durona pra me defender de abuso alheio. Contribuam.
Algumas amigas fotógrafas também já relataram muitos casos em que caras ficam tentando ensinar fotografia pra elas no meio da night (???). E não, não são coisas construtivas, uma troca genuína, uma dica maneira dada de um jeito natural, é sempre no intuito de "homexplicar", de mostrar como ela deveria fazer o trabalho dela.
Helena Yoshioka, 26 anos. São Paulo
@Salamandrine
- Quando você começou a fotogafar? O que despertou a vontade de trabalhar com fotografia?
Puxa, essa é uma pergunta complexa. Hahaha Não sei ao certo quando foi a primeira vez que tive gosto pela fotografia. Meu pai sempre trabalhou como fotógrafo, e desde pequena fiquei muito deslumbrada pelas câmeras que ele tinha. Sempre tive câmeras analógicas que levava para as viagens da escola, mas comecei a fotografar mais ativamente aos 14 anos (com a minha primeira câmera digital - loucura) numa viagem que fizemos para Cuba com a minha mãe. Depois dessa viagem comecei a frequentar muitos shows de hardcore e Emo no circuito São Paulo, Santos e Curitiba, onde sempre levava a minha câmera e tirava umas fotos. Essa cena tinha um esquema bem DIY que fez com que eu aprendesse por conta própria muito sobre técnica fotográfica, equipamentos e produção de shows e festivais. Aos 17 troquei a viagem de formatura do colégio pela minha primeira DSLR, e de lá pra cá experimentei várias áreas até chegar aqui.
- Chegou a trabalhar (ou ainda trabalha) com outra coisa além de fotografia? O quê?
Sempre trabalhei com fotografia desde os 17 anos, mas até 2015 eu me aventurei bastante pela comunicação, educação e empreendedorismo. Trabalhei com uma área na educação muito massa que é sobre metodologias alternativas de aprendizagem em uma grande empresa, e só decidi pular fora porque a minha rotina se tornou muito puxada.
- Fez algum curso ou aprendeu a fotografar sozinha?
Aprendi muita coisa sozinha, mas senti necessidade de formalizar o meu conhecimento com um curso. Eu fiz faculdade de Comunicação e Multimeios na PUCSP (que já tinha fotografia na grade) e fotografia profissionalizante na Escola Panamericana de Artes.
- Qual equipamento você usa?
Passei a vida toda na Canon, mas ano passado migrei pra Nikon. Atualmente fotografo com uma D750.
- O que você mais curte fotografar?
Gosto muito de desenvolver projetos e experimentações pessoais, mas também gosto muito da ideia que herdei do hardcore de ajudar alguém a chegar até algum lugar. Pra mim é muito gratificante fotografar pessoas, festas, movimentos que tenham os mesmos valores que eu, e que eu possa ajudar dando visibilidade. Porque no fim do dia é isso né, todo mundo pode crescer junto. :)
- Tem algum projeto pessoal de fotografia? Qual?
Eu fiz alguns projetos com um grande amigo e artista sonoro Dudu Tsuda. Fiz vídeo e foto de algumas instalações dele que depois viraram filmes e/ou instalações. Ja tive vários projetos com outras pessoas e atualmente busco desenvolver ideias minhas em pequenos projetos que falem de feminismo, minoria asiática e questões pessoais.
- Diz aí quem são as mulheres que inspiram o seu trabalho.
Busco muitas referências fora da fotografia. entre as minhas mulheres favoritas, estão: Bjork, Laurie Anderson, Pina Bausch, Andrea Fraser e Marina Abramovic.
- Por que é importante termos mais mulheres trabalhando com fotografia no Brasil?
Desde que decidi dar a minha cara a tapa e sair na rua pra fotografar vi coisas terríveis acontecerem com mulheres nos meios que eu estava. Já estive na pele da pessoa que é assediada por produtor, por banda, que ouve merda do fotógrafo homem que tem mais experiência que você, do bêbado que acha que tem direito sobre o seu corpo; já vivi tudo isso e muito mais - infelizmente. Existem muitos motivos pelos quais a sociedade direciona as mulheres para fotografarem eventos "familiares" (como casamentos e aniversários), mas o maior deles eu acho que é a falta de segurança dos ambientes e estrutura nossa (emocional e psicológica) para realmente peitar esse monte de desafios. Não é só sobre carregar um equipamento pesadíssimo por horas; é sobre estar nesses ambientes de entretenimento onde há muito machismo e misoginia e combater ele cara a cara. Acho importante ter mulheres trabalhando cada vez mais com fotografia para ocupar esses espaços e fazer com que as pessoas entendam que nós não somos nem inferiores e nem objetos.
Uma confissão horrível, mas que foi muito importante pra eu entender o peso disso: No meu primeiro Lollapalooza pelo I Hate Flash, lembro de ficar muito cansada de percorrer o festival varias vezes a pé para registrar as ações comerciais e subir v[ários lances de escada a cada duas horas fazer as entregas de material. Em uma das vezes que eu subi pra sala de imprensa, me peguei pensando que talvez aquele trabalho realmente não fosse pra uma mulher, porque, olha, lá estava eu completamente dolorida e cansada. No momento que isso passou pela minha cabeça eu percebi que todos ali estavam cansados e doloridos, que não era uma coisa exclusiva minha por ser a única fotógrafa da equipe na época. é esse tipo de pensamento (que infelizmente foi herdado sem que eu percebesse) que eu quero combater, sabe? O nosso lugar é onde a gente quiser.