Mulheres de Buço: as mina que se juntaram pra fazer os rebuliço
Grupo teatral carioca questiona liberdades e celebra as mulheres em peça-show no O Tablado
Publicado em 03/2017
"As mina que se juntou pra fazer os rebuliço. Mulheres de Buço vão mostrar o seu feitiço. Escuta o que eu vou te dizer: Mulheres de Buço chegou pra ficar. A gente vai te enlouquecer, nenhuma de nós vai se calar! Quando a gente passa, a Sapabanda cola. Vem com a mulherada que o momento é agora. Nenhuma amiga é cobra, esquece as recalcadas, as mina toda junta já é a nova parada.”
Essa é a primeira música da peça-show Mulheres de Buço, montada pelo coletivo de mesmo nome que está em cartaz no teatro O Tablado, no Rio de Janeiro, há alguns dias. Foi naquele mesmo palco que Beatriz Morgana, Carolina Repetto, Clarice Sauma, Joana Castro, Lilia Wodraschka, Lucia Barros e Manuela Llerena se conheceram e decidiram se unir pela necessidade de criar, produzir e fazer arte no palco, pelo desejo de “botar a engrenagem pra rodar sem nem mesmo esperar”. Isso foi há quatro anos.
Você já deve ter ouvido falar delas ou até visto uma performance ao vivo, em manifestações, festivais e ocupações em vários cantos do país, incluindo o Ocupa Minc carioca, a Bienal da UNE, em Fortaleza, e o Festival Educação Sem Temer, da UFRJ. Só no ano passado foram 28 shows! Nada mal para quem começou a cantar funk como brincadeira nos intervalos de festivais de esquetes de teatro. “No FESTU (Festival de Teatro Universitário), tinha um concurso de apresentações e davam R$ 100 para o vencedor, que era eleito pela plateia. Cantamos alguns funks que eu e a Clarice estávamos escrevendo. Ganhamos os R$ 100 e gastamos tudo em cerveja”, conta Joana.
Foi em um desses shows, na manifestação #PorTodasElas, na Calendária, que as meninas foram parar na capa do G1 - mas não do jeito que elas gostariam e nem com a repercussão que elas esperavam. A manchete dizia algo como “Mulheres seminuas protestam”, e um vídeo delas cantando de topless foi o suficiente para que recebessem centenas de comentários agressivos, machistas, preconceituosos e até criminosos na página oficial do Mulheres de Buço. Meses depois, é desse impacto que começa o espetáculo Mulheres de Buço: com as sete no camarim, a uma hora do início de um show, lendo os comentários e falando sobre suas dúvidas e medos.
As cenas se desenvolvem a partir de vários textos escritos por cada uma delas, todos com questões femininas políticas como tema principal, principalmente as relacionadas à liberdade e ao corpo da mulher. “Sempre tivemos uma vontade muito grande de falar sobre o corpo, sobre a nossa relação do dia-a-dia, por sermos mulheres. As questões do peito, do cabelo, da barriga”, conta Manu. “Essa peça partiu de um desejo nosso, não sei até que ponto consciente, de se entender. Queríamos nos reencontrar não só enquanto artistas, mas enquanto grupo também. Sempre discutimos muito qual era a nossa bandeira, qual tipo de feminismo a gente defendia, se iríamos nos posicionar como um grupo político feminista, entre tantas coisas. Mas chegamos à conclusão de que a nossa bandeira é cada um. Não tem um certo ou um errado, é um pouco se acolher, se escutar, se respeitar”, define Lúcia.
Mas antes que você pense que o espetáculo é uma aula de boas maneiras, avisamos: a proposta é levantar debates e reflexões, até porque elas mesmas dizem que não têm respostas. “Não tem certo e errado, não tem o que é melhor ou não, não tem uma estratégia, cada um é cada um. O caminho é entender que tem pessoas diferentes, em situações diferentes, com pensamentos diferentes”, explica Lúcia. E Joana, prontamente, completa: “é só aceitar a liberdade do outro”.
Quem vê ou escuta todo esse discurso de respeito e liberdade pode achar que as sete mulheres de buço são seres espiritualmente elevados, que não brigam ou discordam. Nada! Elas juram que todas já pensaram em desistir e sair do grupo, os debates sobre mostrar ou não os peitos voltam vez ou outra, mas a união e os debates as fortalecem. “Definitivamente, somos melhores amigas. E é muito difícil ter um casamento com mais seis pessoas. É um relacionamento que ultrapassa todos os outros relacionamentos que uma de nós pode ter”, diz Manu.
Esse namoro fortalecido também traz coragem para subir ao palco e falar sobre o que machuca e se colocar vulnerável em frente a dezenas de pessoas desconhecidas. “Acho que essa peça-show não é fácil para quem assiste, mas também não é fácil para nós que fazemos. Mas é necessário. É necessário botar o pé na porta para que as mudanças possam ocorrer, para que a gente consiga sair do lugar e para que haja mudança, haja respeito e haja a liberdade individual de cada um”, comenta Manu.
E o que elas queriam que saísse na capa de um dos maiores portais brasileiros, agora que a peça está em cartaz? "LIBERDADE! AS MULHERES VÊM COM UMA ONDA AÍ DE LIBERDADE!", fala Clarice.
Já Lúcia usa um feedback que recebeu da mãe para pensar na sua manchete. Há um tempo, ela disse que a filha a estava ensinando o que é o feminismo hoje. "Queria que a matéria focasse na questão de que as mulheres estão falando o que querem, o que sentem e que é importante o mundo se abrir pra escutar", diz.
E Joana vai além: "também gostaria que falassem da importância de ter mulheres, artistas, independentes, trabalhando juntas, criando juntas, construindo coisas juntas, acho que isso é o mais importante. Porque normalmente a gente não costuma ver grupos de mulheres que fazem acontecer e acho que essa peça tem isso pra caralho. A dona desse teatro é uma mulher, nós somos um grupo de mulheres, temos uma banda de mulheres, as diretoras mulheres. Obvio que temos homens no time, porque temos eles no mundo e a gente quer que eles estejam com a gente e não contra a gente. É bom falar da importância de ter mulheres fazendo coisas. Porque foda-se o que o Temer acha, se ele acha que mulher tem que ficar em casa, foda-se! EU vou falar por mim, não vai ser ele que vai falar por mim."
Como bem diz uma das músicas mais divertidas e empoderadoras do grupo: “O jogo virou, irmão, e tu não percebeu. Levanta do sofá que quem vai deitar sou eu!!! Tu sabe da minha vida, da minha boca ou do meu pelo? Tu tá cheio de opinião, mas nem consegue achar meu grelo! Acha que eu sou o quê? Feita pra você? Pra lavar a sua roupa, passar sua camisa, ir pra boca do fogão e aguentar sua preguiça? O jogo virou, irmão, e tu não percebeu. Levanta do sofá que quem vai deitar sou eu!!!”
Vai lá!
Espetáculo Mulheres de Buço
Teatro O Tablado - Av. Lineu de Paula Machado, 795, Lagoa.
Em cartaz até 16 de abril.
Sábados e domingos às 21h.
Ingressos: R$ 40,00 e R$20,00 (meia entrada)
Classificação indicativa: 16 anos.