7 mulheres contam o que aprenderam viajando sozinhas
Autoras do livro "Bravas viajantes" nos encorajam a arrumar as malas
Publicado em 03/2018
Mala na mão, um destino escolhido e algum dinheiro no bolso: isso é tudo o que você precisa para viajar sozinha. Nada de negociar a programação com ninguém, só fazer o que te der na telha. Mas tem taaanta coisa que impede mulheres de se jogarem por aí apenas na própria companhia - a maioria (adivinha?) relacionada ao velho conhecido machismo, enraizado em sociedades de todo o planeta.
Mas desbravar o mundo sozinha não só é possível como é incrível. Para te dar a prova cabal disso, convidamos as sete autoras de “Bravas viajantes”, livro recém-lançado da editora O Viajante, para nos dar um gostinho do que as motivou, o que aprenderam, viveram e com o que se emocionaram enquanto estavam sozinhas com um mapa na mão.
O time de origens e profissões diversas, foi reunido pelo autor de guias de viagem Zizo Asnis, que também é o editor de “Bravas viajantes”, através de um grupo fechado que ele administra no Facebook. O livro, aliás, tem prefácio da apresentadora e viajandona Didi Wagner e está sendo lançado em eventos em algumas cidades do país com a presença das autoras que aqui nos falam.
Hoje (09), às 19h, rola uma palestra e bate-papo com a equipe na Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo. Na semana que vem, é a vez do Rio de Janeiro: na segunda-feira (12), o encontro vai rolar no Espaço Oito e Meio, no Flamengo, e na terça-feira (13), na Livraria da Travessa, em Botafogo, ambos a partir das 19h.
Antes de pegar o ônibus para encontrá-las, leia o que Samantha Chuva, Gabi Raposo, Danieli Haloten, Louise Palma, Gabriella Morena, Priscilla Cassioli de Moraes e Tamy Rosele Penz têm a dizer. Duvido que logo em seguida você não abra, na aba ao lado, um site de pesquisa de passagens.
Samantha Chuva tem 26 anos e é uma jornalista mineira moradora de São Paulo. Ela decidiu se aventurar nas trilhas e cachoeiras da Chapada Diamantina, na Bahia, e acabou descobrindo mais sobre si mesma e o próprio corpo.
“Foi ali, no topo do mundo, carregando aquela mochila e sendo castigada pelo sol do meio-dia que percebi que havia sido capaz de fazer aquela travessia. Capaz de fazer qualquer coisa. Que eu era uma pessoa completa, inteira e suficiente para mim mesma.
Ter pessoas na nossa vida é uma escolha, não uma necessidade. E compreender isso é como tirar um peso gigante dos ombros, talvez por isso minha mochila parecesse tão mais leve. Estar sozinha não significa estar em solidão. Significa estar consigo mesma e isso preenche um espaço muito maior do que muitas viagens acompanhadas. É se descobrir em cada escolha e decisão. É se permitir ser a mais verdadeira ‘você’ que existe.”
Gabi Raposo tem 31 anos, também é jornalista, mas do Rio de Janeiro, e está morando na França. Com uma mochila nas costas, foi de ônibus ao ponto mais ao sul do continente americano, na Patagônia argentina, superando medos e inseguranças.
“De repente, ouvi um barulho. Imagine o barulho mais alto. Agora dobre o volume desse som. Foi um estrondo. Eu me abaixei num reflexo, achando que podia ser algo perigoso. Ao olhar para a frente, um pedaço enorme de gelo havia se desprendido da geleira, caindo no lago, formando uma onda que até molhou alguns turistas que estavam mais próximos da beirada. Foi uma das cenas mais bonitas da minha vida. Procurei alguém, por hábito de ter sempre alguém por perto, para comentar o quão incrível era o que eu tinha visto. Mas estava sozinha, mesmo que cercada de desconhecidos. E tudo bem. Aquela lembrança é minha. Só minha. Como era bom estar sozinha e saber que eu tinha algo tão incrível e só meu.”
Danieli Haloten, de 37 anos, é jornalista e atriz, paranaense moradora de Curitiba e a primeira atriz cega do mundo a atuar em uma novela - em 2009, ela foi a personagem Anita, de “Caras & Bocas”, da Rede Globo. Ela embarcou para Nova York para conhecer e treinar seu cão-guia e realizar um sonho de infância.
"Tudo deu início quando eu ainda era criança e assisti ao filme da década de 1980 chamado ‘O amor mostra o caminho’, que conta a história do primeiro cão-guia dos Estados Unidos. Nessa época, eu já estava perdendo a visão, devido a um glaucoma de nascença, que desde a infância começou a me afetar progressivamente. Então, inspirada pelo filme, decidi que eu não queria usar bengala, e sim um cão-guia.
Fui crescendo e cada vez mais perdendo a visão. Entre outras razões, mas principalmente pela dificuldade que se tem no Brasil de conseguir um cão-guia (especialmente naquela época), tive que me contentar com a bengala mesmo. Aos 18 anos, contudo, numa viagem por Foz do Iguaçu com minha família, conheci um senhor, o Marco Antônio, que estava acompanhado de seu cão-guia. Jamais esquecerei o que ele me disse, com seu sotaque gaúcho: ‘Danieli, se tu queres um cão-guia e aprender inglês, pega umas aulinhas particulares de inglês e vai buscar teu cão nos Estados Unidos’.
Foi o que fiz."
Não é impressão, você também já pode ter visto essa carinha por aí. Louise Palma, 31 anos, é uma jornalista carioca que hoje mora em Portugal, mas já foi apresentadora web do Multishow. Ela queria muuuuito assistir a shows de rock na Alemanha, e para isso viajou de carona e dormiu em sofás de desconhecidos.
“Alan deu a partida e, assim que pegamos a autoestrada, a poucos quilômetros dali, comecei a entrar em pânico porque me dei conta de que estava presa em um carro pelas próximas quatro horas com três homens que se comunicavam em um idioma do qual eu não entendia uma palavra sequer. Respirei fundo tentando não pirar e tirei o computador da bolsa, na tentativa de ler qualquer coisa, mas era impossível me concentrar. Quando percebi, estava quase redigindo o meu próprio testamento porque eu tinha certeza de que dessa viagem, infelizmente, eu não passaria.
Nesse plot twist da vida real, mais emocionante do que qualquer reviravolta de novela mexicana, os integrantes da quadrilha criada pela minha mente se transformaram em anfitriões de um couchsurfing improvisado. Ao dizer que sim, eu quebrei minha própria regra de só me hospedar em casas de mulheres quando viajasse sozinha. Aceitar o convite deles foi uma atitude arriscada sob o ponto de vista racional, por outro lado, eu estava seguindo o meu sexto sentido de maneira muito verdadeira, mesmo que isso significasse contar com a sorte de principiante.”
Gabriella Morena é uma psicóloga fluminense. De seus 34 anos de vida, 26 foram vividos em Minas Gerais e, atualmente, ela mora no Rio de Janeiro. Gabriella explorou a Tailândia, o Vietnã, o Laos e o Camboja, onde teve encontros memoráveis com outras mulheres.
"Quando olho para trás, também percebo o quanto não fui estimulada a conhecer outras narrativas sobre mundos que eu sequer sabia da existência.
O tempo foi passando e o tal ‘ser mulher’ foi ficando evidentemente incompleto, apesar das minhas sinceras tentativas. Mesmo exercendo minha fé, rodeada de pessoas, envolvida em trabalhos que faziam muito sentido para mim e que eu gostava, sentia que algo faltava. Talvez o que expressasse mais adequadamente meu anseio naquele tempo era uma densa e genuína necessidade de aprender, expandir, ter outras referências. Mas eu não conseguia nomear isso
Pensar numa viagem atendia, com louvor, tudo o que eu queria. Por isso, iniciei um período que durou três anos de muita economia financeira, reflexões, longas conversas e, confesso, pouco planejamento."
Priscilla Cassioli de Moraes tem 33 anos e trabalha como funcionária pública em Itanhaém, no litoral sul de São Paulo, onde mora. Ela fez um intercâmbio na Austrália e precisou encarar trabalhos bizarros para se manter por lá.
“Além das aventuras com o garotinho, a convivência com uma família australiana me fez refletir não somente sobre a minha própria família, mas também sobre questões mais profundas e pessoais, como a ideia de não ter filhos. Isso porque estar inserida em um ambiente familiar que não o meu me fez perceber com mais clareza as dificuldades em se equilibrar a vida familiar com a escolha profissional, os sonhos, os anseios e as expectativas diversas, inerentes a qualquer pessoa, como indivíduo. E, no meu caso, me dei conta de que ainda estou engatinhando na trajetória do autoconhecimento e da realização de alguns objetivos pessoais, o que, para mim, é incompatível com a magnitude da maternidade, ao menos no atual estágio de vida em que me encontro.
Sabemos que, ainda hoje, as mulheres, muitas vezes, são pressionadas, quase obrigadas pela sociedade a ter filhos, como se o seu papel não estivesse ‘completo’ a menos que contraiam matrimônio e procriem. Aquelas que optam por não seguir esse script ditado pela maioria são logo taxadas de desajustadas ou até mesmo de egoístas. Compartilho do entendimento de que a maternidade deve ser uma escolha bem pensada e acredito, firmemente, que nem toda mulher ‘nasceu para ser mãe’ – e que não há nenhum problema nisso”.
Tamy Rosele Penz nasceu há 35 anos no Rio Grande do Sul, é publicitária e, atualmente, mora em São Paulo. O destino de Tamy, na verdade, foram vários: ela foi do Quênia à África do Sul, passando Tanzânia, Zimbábue, Botsuana e Namíbia.
“Em uma das noites, entrei na minha tenda e encontrei lá um lagarto. Posso dizer que não tenho medo desse tipo de bichinho (baratas não entram nessa categoria). Mas daí dividir a tenda com um lagarto de um tamanho modesto (pensa em mais ou menos o tamanho de um chinelo Havaianas) já era forçar um pouco a barra. Chamei o Bindaas pra me ajudar, e ele facilmente conseguiu espantar o lagarto para fora da tenda. Parecia que tudo estava resolvido, até eu entrar na minha tenda na noite seguinte e encontrar meu amigo lagarto lá. Concluí que, na realidade, ele é que era o morador, e eu é que estava invadindo o espaço dele (na verdade, estamos o tempo todo, né). Dessa vez, o Bindaas não estava lá para me socorrer, o resto da casa já estava dormindo e eu não tive a habilidade de despejar o animal do recinto. Então só restava me conformar. Fiz força e mentalizei que aquilo ali não era um lagarto ameaçador, mas só uma lagartixa um pouco gorda. Apaguei a luz meio tensa, mas, cansada, consegui dormir.
Seguindo o hábito de mostrar meu carinho e agradecimento àqueles que fizeram da minha viagem uma experiência melhor, no dia da despedida, dei ao Bindaas uma camiseta do Brasil. A avó, reivindicando atenção por ter feito tantas omeletes deliciosas para mim, logo pegou o presente do Bindaas e disse que era dela! Eu achei justo, e ele só riu e me agradeceu muito a gentileza.”