Lila: uma das principais vozes da nova MPB
Vocalista do Fogo e Paixão se joga em carreira solo
Publicado em 07/2016
Apesar de jovem, Lila é experiente quando o assunto é palco. A artista cantava desde pequena, de brincadeira, mas só foi encarar a música como um meio de vida de verdade nos últimos anos da faculdade. A amapaense, que solta a voz nos grupos Fogo e Paixão e Quarteto Primo, agora também tenta tocar em sua carreira solo. Indicada ao Prêmio Multishow na categoria Artista Revelação e eleita como uma das apostas do Spotify para 2016, Lila contou ao I Hate Flash sobre sua carreira, EP, e o bem produzido clipe da canção “Bicheiro do meu samba”.
I Hate Flash: Vamos começar falando sobre o clipe de “Bicheiro do meu samba”. Nele, você interpreta uma passista que vive uma ressaca amorosa. Como foi a concepção do vídeo?
Lila: A música fala de uma desilusão amorosa, usando o carnaval como alegoria. O descompasso do casal se transforma numa bateria que atravessa o samba. O fim do relacionamento vira a escola que cai do grupo especial, e assim a música vai contando a história desse fim de romance. O diretor do clipe, Pedro Garcia, teve essa ideia no carnaval desse ano, ao me ver cantar em cima do trio elétrico do bloco Fogo e Paixão para mais de 7 mil pessoas. O clipe seria uma performance minha, e ele usaria o carnaval também como referência estética. O fim do carnaval, ou seja, a Quarta-Feira de Cinzas, foi o nosso ponto de partida, já que o relacionamento retratado no clipe não acaba bem. Então procuramos o Rogério Santinni, um carnavalesco muito talentoso que trabalhou com a Beija-Flor e São Clemente, explicamos a ideia e encomendamos uma fantasia que fosse gigantesca e que já estivesse meio detonada, para dar a entender que o desfile da escola já havia terminado. Era importante que a fantasia fosse grande, imponente e, ao mesmo tempo, desconfortável, para levar um pouco mais de drama ao roteiro. Para dar um clima soturno, filmamos durante a madrugada no Centro do Rio, em uma rua onde o carnaval de rua e o da avenida se encontram. Fiquei duas semanas usando a fantasia para estudar a movimentação, junto com o Thiago Felix [que fez a direção de movimento e a coreografia do clipe], mas, na hora do REC, muitas coisas vieram de improviso. A ideia do Pedro era que a minha relação com a câmera fosse orgânica, e que o espectador fosse o bicheiro da história. E o toque final dessa loucura é que o clipe fica entrando e saindo de sync [sincronização da música com a imagem]. Sabe aquelas discussões em que você já não escuta mais o que o seu parceiro está dizendo e vice-versa? Pois é, é para enlouquecer mesmo.
Como foi gravar de madrugada no Centro do Rio e com uma equipe majoritariamente composta por homens?
A produtora que fez o clipe foi a Epidemia, que levou uma equipe enxuta, o que ajudou na minha performance. Eu não sou atriz, né? Por isso, o fato do set ter muitos homens, no caso desse clipe específico, ajudou. Pude jogar a memória afetiva de todas as DRs que eu já tive ali naquele ambiente masculino. Filmar no Centro de madrugada foi maravilhoso. Senti a mesma vibe do carnaval, de poder ressignificar lugares do Rio que ficam em segundo plano no meio da confusão do dia a dia.
O clipe evidencia sua relação com o carnaval, que já bastante íntima. Você já fez até uma parceria com o João Brasil, na música “Não fui eu, foi o carnaval”. Como você vê a sua relação com a festa?
Minha relação com o carnaval é ancestral, de respeito e de amor incondicional. O carnaval é uma das maiores manifestações populares da nossa cultura. No Rio, apesar da mercantilização da festa, ainda experimentamos a folia de uma maneira muito genuína nos blocos não oficiais. É lindo ver a cidade e sua população se descobrindo e se permitindo existir sem preconceitos e julgamentos. Não temos cordas nem abadás. É anárquico e democrático. É como se pudéssemos ver a real potência do Brasil nesses dias. Somos um país livre, feliz e natural na essência. E o carnaval ainda guarda essas características. É lindo.
“Bicheiro do meu samba” faz parte do seu EP homônimo lançado no ano passado. Desde então, você tem viajado pelo Brasil divulgando seu trabalho. Como tem sido se apresentar como uma artista solo? O sentimento é diferente de quando está à frente do Quarteto Primo e do Bloco Fogo e Paixão?
São experiências muito diferentes, mas que se complementam. Fazer show do meu trabalho solo significa poder me expressar em todos os níveis da minha arte. É poder fazer a música, o arranjo, a letra e cantar. É a expressão plena de tudo que acredito. No Quarteto Primo, é um trabalho de troca familiar muito intenso, de aprofundar as raízes. Como na banda somos todos primos e irmãos, temos um contato muito intenso com o que é ancestral, emocional e musicalmente. No Fogo e Paixão é onde me fortaleço como intérprete e tenho oportunidade de cantar para um público de quase 10 mil pessoas. A troca de energia é muito poderosa, e fico muito feliz de poder participar ativamente do carnaval. Saio sempre energizada.
As música do seu EP têm grande influência de samba e bossa nova, mas com um toque bem contemporâneo. “Strobo” é quase um trip-hop. Quais outros elementos você busca para compor as suas canções?
Esse primeiro EP foi um mergulho no abismo, uma folha em branco a ser preenchida do zero. As ideias vieram de muitos lugares, e os elementos foram surgindo conforme o processo foi acontecendo. Usei o som de um agogô do África Bambata para fazer a melodia de “Strobo”, por exemplo; referências do carnaval para escrever a letra de “Bicheiro”; e fiz uma homenagem ao patrono do Bangalafumenga, o poeta Chacal, com a música “Ao passo”. A canção “Aparição, do André Carvalho, que canto no disco, era um Ijexá, mas eu transformei em um funk. Acho que minha busca é de fazer música brasileira com sonoridade mais contemporânea.
A influência do samba e da bossa nova tem a ver com o fato de que você cresceu no Rio. Mas você nasceu no Amapá. Consegue sentir um pouco da música do norte do Brasil no seu trabalho?
Sim. A relação com a natureza é minha maior herança da infância no Amapá. Minha casa era no meio da floresta, e um dos afluentes do rio Amazonas passava no quintal. Açaí e cupuaçu são sabores de lembro de criança, e os sons da natureza são o que me acalmam. De influência musical, lembro muito do carimbó dos vizinhos do Pará. Ainda tenho o desejo de fazer uma pesquisa sobre o marabaixo, que não conheço muito e é tradição de lá.
Você foi indicada a Artista Revelação no Prêmio Multishow e também foi uma das apostas Spotify para 2016. Como você vê a importância das plataformas digitais para artistas independentes?
Acho extremamente importante haver esse tipo de espaço para artistas independentes em um canal grande como o Multishow e em plataformas de streaming como o Spotify. O mercado de música hoje é completamente diferente do que era há 20 anos. Ao mesmo tempo em que os processos de gravação e de lançamento pela internet ficaram muito mais democráticos, existe uma infinidade de artistas incríveis para se escutar. Como fazer esses artistas encontrarem seu público? Essa lista do Spotify e as ações que a empresa faz com os artistas, por exemplo, são fundamentais para jogar luz sobre os novos nomes.
Quais os artistas e bandas nacionais que você mais tem ouvido? Indica algum?
André Carvalho, Qinho, Jonas Sá, O Terno, Céu, João Bernardo, Rodrigo Amarante, Matheus VK, Mahmundi, Silva, Lucas Vasconcellos, João Brasil, Letuce, Jaloo, Baleia, Alice Caymmi, Fernando Temporão, Diogo Strauss e Ana Lomelino. Estou particularmente ansiosa pelo disco novo do André Carvalho. Deve sair em breve!
Seus planos para o resto do ano?
A ideia é fazer shows do EP fora do Rio no segundo semestre e começar a produzir o disco novo no fim do ano. Se os deuses permitirem, ano que vem tem trabalho novo no ar.
Beleza: Malu von Kruger
Adereço de cabeça: Malu von Kruger
Look: Wymann para Casa Ipanema
Agradecimento ao Hotel Arpoador Inn