Identidades Marginais: Oliver
Projeto explora a diversidade de corpos, gêneros e expressões artísticas
Publicado em 06/2016
Acompanhamos há algum tempo com olhos atentos o projeto Identidades Marginais, da Bruna Sussekind e do Igor Furtado. A ideia dos dois, que logo se transformou em um site, é explorar a beleza e a diversidade de corpos de uma maneira nada óbvia ou normatizante, justamente para desconstruir os padrões e questionar os limites que nós mesmos impomos à nossa identidade (seja ela de gênero, de desejo sexual ou até de personalidade). Os dois sempre convidam um fotógrafo para clicar um personagem interessante e também fazem uma entrevista com ele. É um local “onde se possa dar pinta, transcender o cotidiano e tudo aquilo que se considera norma de gênero e sexualidade. Não se subjugando e não pertencendo. Existindo de forma subversiva, lúdica, estranha e transviada”, definem Bruna e Igor. Estamos orgulhosos de anunciar uma nova parceria com o Identidades Marginais, que vai passar a publicar seu conteúdo também por aqui no zine do I Hate Flash. Afinal, nós, flash haters, adoramos esticar as barreiras até elas se romperem. Nesse primeiro post, descobrimos algumas facetas da identidade de Oliver, que foi generoso em deixar-se revelar pelas lentes do Francisco Costa e ainda escreveu sobre o processo contínuo de transformação da sua (e também da nossa) identidade de gênero.
“A transgêneridade começou a fazer sentido para mim quando descobri que ela poderia ser não binária. Não sou mulher nem homem e, porque não me via como homem, não encontrava outra opção além da definição de mulher.
Um pensamento bastante comum é de que ser trans só é válido se isso se manifesta quando ainda se é muito novo e dentro da lógica binária. Entretanto, gêneros são um tanto mais complexos: as pessoas cis são aquelas que sentem que o gênero que lhes foi designado as contempla. Se você é cis, está inserido em uma lógica binária de gênero – homem ou mulher. Mas algumas outras pessoas rejeitam o gênero que lhes foi designado. Essas são as pessoas trans e travestis. Dentre as pessoas trans, há aquelas que se sentem completamente contempladas por um dos dois gêneros binários: as pessoas trans binárias. Existem ainda pessoas como eu, que são trans não binárias. Ou seja: além de rejeitarem o gênero que foi designado, também não se sentem completamente contempladas por essa lógica binária de gênero.
Dentre essas pessoas existe uma diversidade grande de gêneros, como, por exemplo, pessoas agênero (que não tem gênero) e bigênero (que se identificam com dois gêneros). Existe também, além da identidade (a forma como se sente e identifica), a expressão de gênero. As duas não têm necessariamente uma a ver com a outra nem necessariamente têm a ver com o que se esperaria socialmente de cada gênero.
Em relação à sexualidade, que nada tem a ver com identidade e expressão de gênero, o termo pansexual me descreve relativamente bem, já que gênero para mim não importa no que diz respeito à atração sexual.
Encontrei alguns nomes para facilitar um diálogo com o mundo, mas eles não definem quem eu sou. Quando as pessoas me perguntam, eu acabo não entrando tanto nos meus questionamentos internos. Mas acho que, em parte, o pronome masculino se afirma mais em mim por ser uma negação do que me foi designado.
O nosso corpo não aprisiona a gente. A sociedade que nos aprisiona nos significados que atribui a ele. O meu problema, então, não é o meu corpo, mas sim o que a sociedade fala e imprime nele. Nos resta ressignificar esse corpo da forma que faz mais sentido para a gente e, em alguns casos, mudar ele e nossa expressão como forma de confrontar tudo isso.
Nada nunca é (nem acho que será) suficiente para aceitarem o meu gênero, principalmente tratando-se de um gênero não normativo. O importante, então, é entender o que eu quero para mim e para o meu corpo, para que eu me sinta bem comigo mesmo. Isso pode ser nada, uma roupa ou uma cirurgia, mas quem decide isso sou só eu e mais ninguém.
Eu vejo muita gente cobrando das pessoas trans: “Tenham paciência, expliquem com didática”, mas é difícil que alguém se sinta calmo depois de ter recebido 15 patadas durante o dia. Eu realmente tento ter paciência, passo o dia inteiro falando “tudo bem”. Eu engulo muito, talvez até mais do que deveria, mas tem horas que não dá.
Não preciso que entendam ou concordem com o que sou, só preciso que me chamem pelo (pro)nome certo e me respeitem. Quando você sai do padrão, as pessoas acham que têm direito sobre o seu corpo, de perguntar, de tocar, de agredir.
É por essas e outras dificuldades que a proximidade com outras pessoas trans faz toda a diferença nessa trajetória. Existe uma troca de experiências, aflições e sentimentos. Nós precisamos desse apoio. Muita gente tira a força para viver todos os dias desse contato, que acontece muitas vezes pela internet, com pessoas de vivências semelhantes. A nossa conexão é crucial para o nosso empoderamento. Não tem nada melhor do que receber e dar apoio a quem entende o que a gente passa.
Eu não morri e nasci de novo, continuo sendo eu, só resolvi encontrar outro (pro)nome para quem sou. Meu eu é transitório. É uma nova descoberta a cada dia. Muitas pessoas não costumam respeitar minha identidade, até pela falta de entendimento, mas é essencial não fazer concessões em relação ao seu gênero, até porque ele deve fazer com que você se sinta confortável. Afinal, o importante é que a gente se sinta bem com a gente, se apoie e se ajude a ser feliz da maneira que a gente é.”