Gordofobia não é meme

Você vai inocentemente ao mercado para fazer as compras da semana e percebe que os panetones já estão à venda, você passa no shopping e vê que a árvore já está montada e as decorações estão a todo vapor, um novo filme de natal com a Lindsay Lohan cantando o clássico Jingle Bell Rock é lançado na Netflix. E assim que geralmente percebemos que dezembro chegou e mais um ano está próximo de acabar, e com isso, as polêmicas festas de final de ano.

Por conta das últimas eleições, estamos vivendo um momento atípico com nossos familiares. Muitos de nós nos afastamos, e muitos estão no constante exercício de uma tentativa talvez não frustrada de tentar tolerar. Mas e se eu te contar que essa é uma época traumatizante há muito tempo para a maioria das pessoas gordas?

Um dos maiores preconceitos que temos relacionados à gordofobia é que todos corpos gordos são resultados de uma compulsão alimentar, e não, não é bem assim que funciona. Primeiro que compulsão alimentar é um transtorno que pode acontecer com qualquer pessoa, e para uma pessoa ser gorda, na maioria das vezes tem toda uma questão de biotipo, genética, e infinitos outros fatores que vale a pena você pesquisar, caso você pense dessa forma.

Como sabemos, geralmente as ceias são fartas e é uma época onde comemos mais do que costumamos comer no nosso dia a dia, e é aí que a internet é bombardeada de memes gordofóbicos, de "antes e depois" e por aí vai.

Além de reforçar estereótipos, esses memes ofendem diretamente pessoas gordas e tratam nosso corpo como desprezível e indesejado. O que para muitos é "apenas uma piada", para muitos é uma ofensa e um gatilho. Um ponto muito importante de ser relembrado nesse momento é que a diferença de uma piada e de liberdade de expressão é que quando fere a existência de alguém, não é piada, não tem graça. Então, se você se deparar com um desses memes, cutuca quem compartilhou e envia esse texto, e por favor, não seja a pessoa que vai compartilhar e repercutir essa mensagem. Se coloque no lugar de quem pode ler e se machucar.

Como a gordofobia não fala apenas sobre mim mas sim sobre todas as pessoas gordas, e como também os memes gordofóbicos não são o único dos problemas, resolvi recolher algumas histórias de pessoas que já passaram por algumas situações no natal, e em respeito a elas, usarei nomes fictícios, ok?

Mariana: "Uma das histórias que mais me traumatizaram foi com a minha avó. Além de sermos muito próximas e eu ter um carinho muito grande por ela, ela sempre foi uma das minhas principais opressoras, e ouvir algo que fere a sua existência vindo de alguém que você ama é uma das piores dores que somos capazes de sentir. Nunca vou esquecer do dia que estávamos em uma ceia de natal, eu tinha apenas 13 anos, e ela comentou comigo que se eu não emagrecesse eu não iria encontrar ninguém na vida (como se isso tivesse uma relação e como se eu realmente precisasse de alguém), e que sem nenhum parceiro a vida não faz sentido, consequentemente, seria melhor eu me matar do que ser assim. Imediatamente fui correndo pro meu quarto chorar, e por não querer brigar com a minha avó por entender que somos de gerações diferentes, fiquei calada trabalhando o método de algo entrar por um ouvido, e sair pelo outro, mesmo que tenha me ferido no meio do caminho... mas eu ainda não perco as esperanças de que uma hora ela possa mudar."

Daniel: "Lembro que todo o pessoal da minha firma estava fazendo amigo oculto de roupa e o valor máximo era de 50 reais. Não pude participar porque além de ser quase impossível ter roupas do meu tamanho, era impossível encontrar uma por esse preço."

Juliana: "A primeira lembrança que eu tenho é que enquanto todas as crianças ganhavam o brinquedo do momento, eu ganhava livros e revistas com dietas para emagrecer. Também lembro da minha tia me vendo comer salada - que é algo que eu gosto muito - e me dizendo que se eu comesse alface todos os dias, eu não estaria desse jeito, e que eu morreria se não começasse a fazer exercício físico para ontem, mal ela sabia que eu já fazia. Eu, como me sentia errada, fiquei quieta."

Martina: "Tenho problemas de dismorfia corporal, me via de uma forma horrorosa no espelho e lembro que as ceias de natal sempre foram motivos de gatilho para mim. Além de ouvir absurdos que a minha família falava sobre o corpo das outras pessoas, elas sempre me olhavam com pena, como se eu fosse inferior por não ser magra."

E algo que considero o mais importante, não sinta culpa caso você não queira palestrar sobre o assunto em um momento que deveria ser de celebração, a gente não tem obrigação de ensinar ninguém sobre nada. O Google está aí, não é mesmo?

E um último recado, infelizmente a gente não tem o poder de controlar o que os outros vão falar, mas nós temos um poder que ninguém tira da gente; o de nós sobre nós mesmos. E não deixe, nunca, que alguém desvalorize você.

Boas festas e um ótimo final de ano. <3