Uma celebração ao que o feminismo muda em nós
No Dia Internacional da Mulher, não queremos flores nem músicas da MPB, só nos escute
Publicado em 03/2018
O Dia Internacional da Mulher deve ser celebrado, sim. Mas (adivinha!) não com flores, vários "você é linda" e nem versinhos machistas da MPB que coloquem o homem como protagonista da situação. Queremos respeito, queremos direitos, queremos espaço, queremos dinheiro e queremos ser ouvidas.
Então, aqui no I Hate Flash, decidimos celebrar um presente que o ser mulher nos deu: o feminismo. Ok, ele é a reação a várias bostas que estão aí nesse mundão, mas, nossa, como ele é libertador, ressalta e enriquece nossa condição feminina e nos dá força pra combater e mandar todas essas bostas pelo ralo.
Uma pergunta simples para respostas densas e intensas: "O que o feminismo mudou em você?". Com a palavra, as minas da equipe oficial da firma - exceto a Nina Lua Cosenza, do atendimento, que está curtindo suas férias sendo uma fada na floresta, como ela bem merece.
E você? Responde também aqui nos comentários!
O que o feminismo mudou em você?
Certamente seria mais fácil perguntar o que o feminismo não mudou em mim, mas vamos nessa: a lista é praticamente infinita do alto do que uma jovem mulher de 27 anos é capaz de compreender do mundo, mas determinadas áreas da minha vida foram viradas do avesso conforme entrei em contato com o feminismo (através da internet e do hardcore, quando tinha meus quinze aninhos).
A sexualidade é sem dúvida um aspecto da minha vida que foi e é revisado constantemente: tanto a investigação do meu desejo e prática da minha liberdade quanto o estabelecimento de limites sobre as investidas do desejo alheio sobre mim.
A linguagem é outro aspecto tocado intimamente pelo feminismo no meu cotidiano. Pensar em como a linguagem reforça estruturas de poder nos obriga a revisá-la e, eventualmente, reinventá-la.
A estética e os padrões e beleza começam a ruir na sua mente quando a palavra do feminismo bate à sua porta. A gente começa a entender que muita gente no mundo lucra com nosso auto-ódio e falta de aceitação. Ao mesmo tempo, começamos a olhar pra gente e pra nossas irmãs e encontrar beleza onde antes havia desconforto.
Saúde mental é algo que precisa mudar para o bem, mas que às vezes muda para o mal. É doloroso demais tomar consciência do nível de violência que estamos submetidas. Mas é somente ATRAVÉS dessa tomada de consciência que chegaremos em um futuro com mais equidade.
A visão de mundo: o feminismo é uma peça fundamental para a transformação da realidade, mas se não pensarmos sobre raça e classe, acabamos jogando palavras ao vento. Se a gente não mergulhar fundo nessas ideias podemos acabar reproduzindo e mantendo aquilo que desejamos mudar. Isso certamente foi algo que o feminismo também me trouxe: a urgência em perceber onde há interseção entre as lutas.
Aos homens que estão lendo: melhorem. Se toquem, se investiguem, mudem a si mesmos e aos seus. E tudo o que vocês podem fazer nós podemos fazer sangrando.
Às mulheres que estão lendo: sigamos produzindo as diferenças que precisamos para sermos felizes e encontrarmos nossa dignidade neste planeta. nossa vingança é, apesar de tudo que nos limita, sermos felizes.
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Jeanne Yépez, produtora
O que o feminismo mudou em você?
APENAS TUDO haha!
Pra mim, a principal mudança após a descoberta do feminismo foi que eu aprendi a me amar e aprendi que eu não preciso me enquadrar em padrões estéticos e padrões de feminilidade para me sentir bonita, plena e desejada.
Como nós vivemos em uma sociedade machista, sexista e patriarcal, desde criança é normal ouvirmos frases como: "Senta com a pena fechada, menina não senta assim!", "Jogar bola é coisa de menino", "Se você não se cuidar nenhum menino vai querer namorar você", entre outras coisas.
Esses padrões de ~o que é~ e ~como deve se comportar~ uma menina/mulher são empurrados para nós por nossos familiares, professorxs, pela mídia e por basicamente toda a sociedade a nossa volta. Sem perceber e sem saber direito porque, eu estava alisando o cabelo, sofrendo com depilações e tratamentos estéticos e sendo muito, mas muito infeliz tentando alcançar um padrão de beleza que é simplesmente algo muito distante da minha realidade e mais: que não tem absolutamente nada a ver comigo.
Quando entrei na faculdade, comecei a ler e pesquisar mais sobre feminismo e fui entendendo que eu não precisava me enquadrar nesses moldes inalcançáveis. Que eu poderia me valorizar pelo que eu sou e fazer o que eu bem entender com o meu próprio corpo. Aos poucos eu fui deixando de me depilar, aprendi a valorizar meu cabelo e fui ficando mais confortável com o meu corpo (até os 18 anos eu não ia à praia porque tinha vergonha de usar biquini em público por ser muito magra).
O feminismo - mais especificamente a vertente que eu sigo, que é o feminismo interseccional - me ensinou a entender que nem todas as mulheres têm as mesmas demandas, que não existe um patriarcado único que esmaga todas nós igualmente. Existem mulheres que sofrem mais opressão que outras, opressão por causa da raça, da posição social, da sexualidade e também por causa da identidade de gênero. Então, além de ajudar a me empoderar em relação ao meu próprio corpo, o feminismo também mudou a forma como eu me relaciono com essas outras mulheres e possibilitou que eu me conectasse melhor com elas. O feminismo me ajudou a entender meus privilégios e opressões e isso é um passo enorme na luta pelos direitos de todas!
O feminismo mudou a minha forma de me relacionar com o mundo, me deixou mais forte e poderosa para lutar contra as opressões diárias que eu sofro, como assédio, agressões, lesbofobia e desmerecimento. O feminismo me ajudou a entender minha própria sexualidade e romper a barreira da heterossexualidade compulsória. Descobri que as mulheres não nasceram pra servir às necessidades dos homens e NÃO são obrigadas a se casarem e serem mães, tudo é uma questão de escolha.
Por fim, posso dizer que o feminismo mudou, inclusive, minha produção enquanto artista e cineasta. Eu passei a enxergar meu corpo, gênero e sexualidade como um ato político e essas questões são abordadas frequentemente em meus trabalhos autorais.
O feminismo definitivamente salvou minha vida.
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Clarissa Ribeiro, editora de vídeo
O que o feminismo mudou em você?
Percebi o tanto de relacionamento abusivo que a gente se mete e nunca tinha nem reparado que era abusivo - de tão corriqueiro que é. Percebi que podia ser mais eu mesma, mais ainda do que eu já era. Percebi como era cruel às vezes falando de outras mulheres e que hoje vejo que era tudo uma censura do que a gente pode ser. Aprendi a sororidade (que é o mais importante) e fico muito feliz em ver que tantas mulheres à minha volta também aprenderam. Juntas podemos tudo :)
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Clara Castro, atendimento
O que o feminismo mudou em você?
Difícil essa pergunta né? muita coisa passou pela minha cabeça desde que eu comecei a pensar nisso. Acho que a primeira grande mudança que o feminismo me trouxe foi compreender que a minha baixa auto-estima não é um problema só meu; é uma construção social que dá poder aos homens e faz com que as mulheres se odeiem. A sociedade tá constantemente jogando na nossa cara que temos inimigas, fazendo com que as mulheres se odeiam (entre e a si mesmas), odeiam seus corpos, condenem seus sentimentos. Eu fui me entender como parte de uma minoria depois de adulta, e sei quão pesado é essa questão de auto-estima e padrões para quem é negro, asiático, índio. Aliás, vale mencionar aqui que o feminismo precisa ser mais inclusivo conosco e com as nossas causas. Enfim, sabe quem que ganha poder com a mulherada se odiando né? ATA.
A mudança mais recente tem a ver com o estudo do prazer feminino e o que é "normal" na nossa cultura. Além do tema por si só ser um grande tabu (porque mulher não pode gostar de transar, nem se masturbar, nem falar sobre - se não cuidado, hein, ela quer casar!!111!!), nós simplesmente não temos informações sobre o que acontece nos nossos corpos, como eles são, como eles cheiram, como eles se comportam no ciclo, porque tudo isso é visto como não natural ou proibido. O normal na nossa sociedade é simplesmente ignorar essas questões. Loucura, né?
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Helena Yoshioka, fotógrafa
O que o feminismo mudou em você?
O que certamente mudou em mim depois de eu me identificar com o feminismo foi minha percepção frente outras mulheres. Eu cresci vendo e ouvindo muitas críticas de mulheres a mulheres e descobri no feminismo a importância da palavra sororidade. Hoje eu realizo a força para que nós, mulheres, consigamos multiplicar quando estamos unidas e perante as mazelas que o machismo intrínseco na nossa sociedade faz a todxs. Sei que ainda temos muito pra caminhar rumo aos nossos direitos como mulheres, mas sei que juntas somos mais fortes.
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Bleia Campos, fotógrafa
O que o feminismo mudou em você?
Mudou meu corpo porque me fez entender que ele é só meu, que cada pedacinho dele é um presente e uma festa a ser celebrada todos os dias.
Mudou meu corpo ao mudar minha postura: tirou das minhas costas o peso da culpa de não ser o que esperam de mim a cada segundo e me inspira a não me curvar, andar de peito aberto e cabeça erguida.
Mudou meu corpo porque sinto que ele não é mais um só. Me trouxe a certeza de que em mim há muitas: a forte, a fraca, a resistente, a hiper sensível... disposta, guerreira, passiva, medrosa... e me faz aceitar e admirar cada uma delas em seus altos e baixos.
Mudou minha mente para um estado de vigilância. Cada uma de nós sabe a delícia mas também a dor de ser o que somos, e sentimos no peito a angústia de entender que nenhum dia é de descanso, que a qualquer momento será esfregada na nossa cara a necessidade da luta constante. E isso porque eu sou uma mulher ridiculamente privilegiada, o que me leva ao próximo ponto.
Mudou minha mente porque abriu portas emperradas que me permitiram chegar a todo tipo de lugar: lugares de conquista e satisfação, mas também cantos sombrios em que me deparo com meus próprios defeitos e a realidade de que minha libertação ainda é um quase nada diante de tantas correntes que confinam tantas outras mulheres.
Mas acredito na mudança e, de corpo em corpo, de mente em mente, seremos uma explosão ♡
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Elisa de Paula, fotógrafa
O que o feminismo mudou em você?
Pra começar acho que é importante contar que o feminismo se fez realmente presentes na minha vida através de mulheres que eu convivo e admiro, que tiveram a coragem e inteligência de puxar pra si a importância de militar por nós quando pouca gente o fazia. Elas/nós somos as que são taxadas de chatinhas nos grupos da família, encrenqueiras nas reuniões de trabalho, mimizentas nas discussões de bar... Pouco importa. Enquanto o mundo nos tratar assim nós seremos assim e cada vez em maior volume, cada vez com a voz mais alta.
O feminismo mudou e tem mudado em mim muitas coisas, mas uma das mais preciosas pra mim é a minha relação com outras mulheres. Sororidade que fala né? Sim! É entender que não somos nem nunca seremos rivais, muito pelo contrário. A luta de outra mulher também pode e deve ser a minha luta. É não competir, não agredir, não vitimizar, não prejulgar, não trair, não hostilizar... A gente divide o fardo de existir numa sociedade patriarcal que nos aprisiona em tantos sentidos, não é justo que nós mesmas sejamos peões nesse jogo. Hoje (e sempre) eu quero incentivar outras mulheres, aplaudir, ajudar, potencializar ou pelo menos trocar aquele olhar de compreensão na volta pra casa... Quero poder dizer que sinto a sua dor porque ela é minha também.
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Juliana Santos, coordenadora de mídias sociais
O que o feminismo mudou em você?
O feminismo não só mudou como criou uma nova relação minha comigo mesma. Uma relação de aprendizado, compreensão, fortalecimento, confiança e descoberta. Desde o primeiro choro somos ensinadas a nos comportar e entender o que o mundo espera de nós, mas não a descobrir e seguir o que realmente nos move e alimenta. Mas nunca é tarde pra deixar tudo de lado e escolher as próprias regras, nem que seja a de não ser mais refém da manicure semanal se eu não estiver a fim.
O autocuidado entrou na minha vida de vez e coloca minha cabeça no lugar, sem culpa. Sem pensar na louça que eu deveria estar lavando ao invés de fazer uma máscara facial ouvindo música. Eu passo hidratante pra conhecer meu corpo e devolver o carinho que ele me dá, não porque a sociedade exige que a minha pele esteja sempre hidratada, macia, bronzeada e depilada.
O feminismo fortaleceu a minha relação com as mulheres que me cercam, inspiram e fortalecem todos os dias, ao vivo ou pelo whatsapp. E também as que dividem o banco do metrô, mesmo aquelas que não exigem que os homens saiam do vagão feminino no horário estipulado. Tudo bem, tô aqui pra lutar por todas nós, todos os dias. Tô aqui pra descobrir a arte de mulheres todos os dias, qualquer arte - artes plásticas, manuais, intelectuais e interpessoais. Viver em um planeta machista e patriarcal é uma arte por si só, mas ainda somos capazes de encher um Museu do Louvre por dia com as maravilhas que criamos. E essa exposição é mutante, contínua e permanente.
Ser mulher é foda, em todos os sentidos.
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Beatriz Medeiros, editora de conteúdo