De Buenos hasta el Diablo
23/01/15 até 12/02/15 @ Argentina e Uruguai
Publicado em 06/2015
Faz algum tempo que eu tenho a curiosidade em conhecer o Uruguai, esse pais com a carne e o vinho muito baratos, com a maconha e o aborto liberados, assim como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em vez de ir pra Cuba, resolvi ir para o Uruguai. Lá também se fala espanhol, mas Montevideo é muito mais perto que Havana. De repente rolou aquela promoção de passagens aéreas - para a Argentina. Stella (minha namorada) e eu chegamos em Buenos Aires no dia 23 de janeiro para passar uns dias na cidade portenha antes de seguir viagem para o Uruguai. A Argentina passava por um momento político meio pesado, pisamos na capital apenas cinco dias depois da morte do promotor Alberto Nisman. Ele denunciou um susposto envolvimento da presidente Cristina Kischiner por encobrir o Irã em atentados contra judeus na capital, em 1994. Só se falava disso nos jornais. Chegamos à noite e fomos direto para o nosso hostel no bairro de San Telmo. De lá fomos conhecer alguns pontos turísticos, como a Praça San Martin, a Casa Rosada, a Praça de Maio, o Cemitério Recoleta, a tradicional feira de San Martin, e, é claro, visitar inúmeros brechós e antiquários - afinal, Buenos Aires é a capital vintage da América do Sul.
Dias depois, atravessamos o Rio da Prata de barco, aportando na cidade uruguaia de Colonia del Sacramento - para onde voltaríamos mais tarde. Nosso objetivo inicial era seguir da costa oeste até a quase no fim da costa leste do litoral uruguaio, no Parque Nacional de Santa Teresa e em Punta Del Diablo. Porém, trata-se de um pais muito pequeno, menor que o estado do Paraná, então a distância entre as praias era muito curta. Para se ter uma idéia mais concreta, a distância entre Colonia e Santa Teresa é de apenas 470 km. Então, ao invés de seguir um planejamento inicial viajamos de forma segmentada o seguinte trajeto: Buenos Aires, Colonia del Sacramento, Montevideo, Punta Del Diablo, Parque Nacional de Santa Tereza, Jose Ignácio, Barra de Valizas, Parque Nacional de Cabo Polônio, La Pedrera, La Paloma, novamente Colonia Del Sacramento e Buenos Aires.
Chegamos em Colonia e já pegamos um ônibus direto para a capital Montevideo. Visitamos os pontos turísticos da cidade velha, principalmente ao redor da Plaza Independência, que abriga, entre outros pontos turísticos, a sede do poder executivo - onde meu querido ex-presidente Pepe Mujica ainda terminava seu mandato. Aproveitei pra acender um baseado e homenagear esse líder, defensor das liberdades individuais.
Durante o governo de Mujica, foram aprovadas várias medidas importantes nesse sentido: o aborto foi despenalizado e apoiado pelo estado em 2012, o casamento igualitário, aprovado em 2013 e a legalização da maconha aconteceu em 2014. A principal premissa da legalização da cannabis no Uruguai é tratar o vício como problema de saúde pública, retirar comércio de maconha das mãos do tráfico, enfraquecendo-o, permitir o auto-cultivo e despenalizar o usuário para facilitar seu acesso aos tratamentos de saúde - caso ele deseje combater seu vício. Indescritível a sensação de liberdade por fumar um maconha onde quiser (desde que seja área de fumante) sem se sentir um criminoso. Achei a aceitação social bastante positiva, é muito comum ver pessoas fumando maconha nos mais diversos lugares abertos, nas mesas da calçada de um restaurante, na beira do rio, no ponto do ônibus. Por outro lado, ainda não era possível comprá-la por vias legais. Isso acontece porque a venda e distribuição é controlada pelo Estado, mas os pés de maconha dele ainda não floresceram. Com isso o tráfico de maconha ainda era ativo, principalmente de duas fontes: a "Flores", semeadas pelos praticantes de Auto-cultivo, que revendem parte do consumo próprio, e o "Prensado", chamada pejorativamente de "Paraguaxo", devido à péssima qualidade e origem, o Paraguai. Em 2015, o candidato que sucedeu Pepe Mujica, Tabaré Vázquez, suspendeu temporariamente a previsão de venda de Marijuana nas farmácias.
Seguimos viagem pelo litoral até os nossos destinos mais distantes: Punta del Diablo e o Parque Nacional de Santa Teresa. Buscávamos praias belíssimas, baratas e sem a agitação de uma Punta Del Este. El Diablo é um balneário muito legal, super pequeno com um ar descolado. Seus residentes são principalmente pescadores e pessoas ligadas ao turismo. A apenas 10km dali fica Santa Teresa, um parque nacional bem administrado pelo exército e muito usado para camping por famílias inteiras e seus motorhomes antigos. No parque existem praias, trilhas e um antigo forte completamente conservado, da época da colonização portuguesa.
Devido à geografia especialmente plana, o Uruguai é um país perfeito para viajar de bicicleta. Na entrada do parque, conhecemos um casal da brasileiros que vinha pedalando desde Florianópolis, carregando à tiracolo a cadela Estopa. Eles têm um projeto muito sensível da viagem, chamado O Bonito do Caminho.
Depois descemos para José Ignácio, destino tranquilo. Lá residem pessoas com muita grana e que não curtem uma ostentação - diferente dos vizinhos de Punta Del Este. A praia tem um belo farol que, apesar da nossa pressa em chegar no domingo, fica aberto todos os dias no Verão.
Novamente na estrada, fomos à cidade de Barra Valizas e ao Parque Nacional de Cabo Polônio. Este é um destino muito famoso do Uruguai. Isolado geograficamente por dunas, o acesso só é possível de duas maneiras: através veículos 4x4 ou caminhando uns 10km na areia. Considerado patrimônio cultural da nação, tem o acesso de visitantes e habitantes controlado. Além disso é uma das mais importantes reservas de leões marinhos do mundo - isso deixa o rolê extremamente fedorento. Os animais, que já têm um cheiro naturalmente forte (por sei lá qual razão) morrem aos montes em alto mar e são trazidos de volta para a praia pela maré. E não são poucos pelo caminho. Por ser um destino tão especial e internacional, com os preços bombando e tals, resolvemos ficar na praia ao lado, Barra de Valisas. Lá alugamos uma cabana para até 5 pessoas que custava 1/4 de uma diária para uma pessoa num hostel em Cabo Polônio. Valizas, por ser um destino bem barato e vizinho de um rolê muito turistico era completamente tomado pelos hippies, que mantinham um feirinha e outras atividades culturais.
As próximas paradas foram nas cidades de La Paloma e La Pedrera. Na primeira, mais um farol (uruguaios adoram um farol) com uma vista incrível e clima ostentação.
Desde Cabo Polônio eu me sentia um pouco doente, e me falavam que em La Perera eu encontraria uma clínica médica. Chegando lá descobri que o Uruguai não é toda essa maravilha e simplesmente NÃO EXISTE atendimento público: todas as clínicas/hospitais são particulares. Pelo que comentaram, foi obra do meu querido Pepe Mujica. La Pedrera tem esse nome basicamente porque as praias têm muitas pedras e em uma delas bateu um barco, que afundou.
A viagem estava acabando e fizemos o maior corre, trocando de ônibus em várias cidades distintas para chegar antes do fim do dia e visitar a Casapueblo, em Punta Ballena. O lugar é um monumento/ museu/ hotel/ antiga residência do artista moderno uruguaio Carlos Páez Vilaró, que morava nesse lugar maravilhoso e, provavelmente por causa dessa vista, o sol era o seu tema preferido. Lá na Casa Pueblo todos os dias acontece um ritual do pôr-do-sol acompanhado por um poema que Vilaró fez para o astro: " Adiós Sol…! Mañana te espero otra vez. Casapueblo es tu casa, por eso todos la llaman la casa del sol. El sol de mi vida de artista. El sol de mi soledad. Es que me siento millonario en soles, que guardo en la alcancía del horizonte".
Finalmente voltamos a Colonia Del Sacramento, por onde só havíamos passado rapidamente no início da viagem. Colonia tem um centro antigo de pedras portuguesas com ar meio romântico. Daqueles que você vai se perdendo pelas ruas e naturalmente vai encontrando os pontos turísticos. La Puerta de la Ciudadela é antiga entrada da cidade, da época em que era cercada pelos muros do Forte Português, nos tempos de Brasil Colônia. Hoje só sobraram alguns pedaços que contam parte da história.
No dia seguinte , voltamos para Buenos Aires e dali direto para o Brasil.