Casa de Criadores aproxima a moda da rua, na Casa Ipanema
Talentos e cores da moda nacional se misturaram em dois dias de criatividade no Rio
Publicado em 08/2017
Que bonito foi ver a chegada da Casa de Criadores ao Rio de Janeiro. A semana de moda que reúne marcas experimentais e independentes pegou a ponte-aérea e desembarcou na Casa Ipanema nesta semana para dois dias de performances de moda fortes e inspiradoras. Sim, performances, porque a ideia era ir além do desfile. E os estilistas tiveram liberdade total para se expressarem como quisessem, do minimalismo ao rebolado.
“Esse evento é incrível porque, além de ter apostado em projetos pessoais e totalmente independentes, nos deixou livres para criar desde o início. Se quiséssemos entrar com uma bicicleta de fogo e fazer uma roda, poderíamos fazer”, brincou Isadora Ferrari, da Aro Swimwear, uma das quatro marcas cariocas que integraram o line-up, ao lado de Sri Clothing, Wymann e Haight. Do lado de lá da via Dutra, Heloisa Faria, Isaac Silva, BEN e Ocksa vieram para completar o time.
E para assistir a tudo isso não precisava de convite, RSVP ou pulseirinha VIP, era só chegar e ficar na calçada esperando, com pipoca e cerveja e/ou suquinho em mãos. A rua não só era bem-vinda como era parte da Casa de Criadores na Casa Ipanema.
O backstage parecia uma reunião de amigos se arrumando antes de uma festa daquelas que geral está esperando há meses. No comando dos pincéis, batons e madeixas, o super time da Bliss Me, com Carla Biriba e companhia, fez de "make nada" (aqueles que deixam os modelos com uma beleza bem natural, no maior estilo "acordei lindx assim") a elaboradas pinturas faciais multicoloridas. Versatilidade pouca é bobagem - afinal, eram oito desfiles!
Como estávamos a poucos metros do mar, nada mais natural que uma marca de moda praia abrisse a programação. A eleita foi a Haight, de Marcella Franklin, e seu minimalismo que mantém um pé na areia e o outro no asfalto. “Quisemos manter o conceito da marca e fazer uma apresentação mais minimalista. Pensamos em caminhadas diferentes, com modelos se encontrando e se cruzando o tempo todo”, contou Marcella, que pintou a Casa Ipanema de marrom, preto e vermelho.
O vermelho também seduziu Ana Cristina Agra, da Sri, que desenvolveu uma coleção toda em vermelho e rosa, com uns tons metalizados aqui e acolá “porque, né, brilho sempre” – como ela mesma disse. “Estamos apresentando peças que desenvolvemos nos últimos meses, inclusive um trabalho recente que estamos fazendo com plástico”, contou. “Desenvolvi uma estampa com rosas para as sandálias da Casa Ipanema, então unimos os conceitos e montamos uma performance na qual as modelos entregaram rosas cor-de-rosa para o público, que também pôde se aproximar e ver as peças de perto”, explicou.
A paulistana Heloisa Faria trouxe na mala os looks que desenvolve tendo o upcycling como princípio: a ideia é reaproveitar peças e tecidos e transformá-los em peças únicas com um toque especial. Para apresentar a coleção, a estilista e sua equipe bordaram uma cortina de um leve tecido branco com a silhueta das peças que seriam mostradas. Cada modelo entrou na “passarela” com o mesmo macacão de linho cru e trocou de roupa com o cabide e entre elas mesmas.
“Penso na roupa como uma ferramenta para enfrentar a vida e aqui mostramos que a ideia de que a propriedade não é um algo intacto, ela é intercambiável. Podemos trocar de roupa com nossos amigos. Temos que viver a roupa, usá-la de outras maneiras, ela tem que nos acompanhar”, afirmou a estilista.
Igor Bastos e Deisi Witz, a dupla da Ocksa, convidou o artista plástico Vinicius Pinto Rosa para, literalmente, pintar esta apresentação em terras cariocas. Preto, cinza e marrom coloriam as peças de modelagem surpreendente e Vinicius usou tinta branca, preta e rosa para pintar um autorretrato ao vivo, enquanto modelos desfilavam a coleção
“Trabalhamos muito com camadas de roupa e também com a ideia de não deixar as formas do corpo tão explícitas, para que as pessoas tenham uma abordagem diferente com o próprio corpo. Então chamamos o Vinicius, de quem gostamos muito, para desenvolver um dos trabalhos dele, no qual ele se pinta no papel – que, aqui, é um tecido. Ele se pinta, evolui o próprio corpo no tecido e aí, futuramente, vamos inventar alguma coisa com essa pintura”, contou Igor.
Raquel Wymann pintou o desfile da marca que leva seu sobrenome com as cores do pintor norte-americano Milton Avery. “As cores são muito fortes em mim, acredito muito na energia e na cura delas. Mas o que eu mais gostei desse artista é que, na verdade, ele desenhava situações muito cotidianas, mas de uma poesia tão verdadeira, tão simples. E acho que a roupa faz um pouco disso com o nosso dia, conseguimos colorir o nosso dia e a nossa energia através da roupa”, explicou a estilista, que é veterana do projeto Closet da Casa Ipanema.
“É incrível participar deste projeto. A Casa Ipanema aposta e ajuda de fato os novos estilistas, nos dá uma plataforma, um lugar onde podemos vender. No início, é muito difícil pra uma marca pequena e ter um ponto tão bem localizado e com uma empresa enorme que nos ajuda por trás, é muito bom pra darmos passo maior pro futuro”, disse.
Raquel recrutou um time de amigas poderosas para dar vida à coleção. Na hora da apresentação, nada de recomendações especiais aos modelos, apenas que elas fossem elas mesmas – já que esse é o princípio da marca, “fazer roupa para a mulher ser ela mesma”.
Como o próprio slogan já diz, a Aro Swimwear faz “roupa para se curtir”. E a ideia de Daniele Cavalher e Isadora Ferrari era fazer a galera curtir – não só a plateia, mas os modelos também. Elas recrutaram a jovem cantora recifense Duda Beat (de quem vocês vão ouvir falar muito em breve, inclusive aqui neste site) para um show ao vivo.
“A gente aposta que Duda Beat é a nova Ivete Sangalo desse Brasil. Vai nascer na Zona Sul, mas vai se espalhar pela Baixada e vai conquistar o Brasil inteiro e, futuramente, o Universo”, apostou Isadora.
Enquanto Duda cantava, o casting de amigos da marca dançava, rebolava, requebrava e causava, arrancando da plateia um “uhul” atrás do outro. “Não queríamos fazer um desfile só para mostrar as peças porque brincamos que a nossa marca tem uma relação invertida: não queremos que as pessoas sejam a Aro, queremos que a Aro seja as pessoas. Então procuramos pessoas com personalidades muito fortes, que falam a partir do próprio corpo. Não precisamos preenchê-las, só damos uma coloridinha a mais. O desfile é uma grande curtição, para curtir você mesmo”, disse Danielle.
O baiano Isaac Silva recrutou o poder de Elza Soares para sua performance. O designer, que também é stylist de Elza, Liniker e Tássia Reis (um time que nos deixa sem ar), participa da Casa de Criadores há três temporadas e, assim que topou desfilar no Rio, decidiu que nos mostraria a coleção desenvolvida em homenagem à célebre carioca.
“Quando eu fui ver o guarda-roupa da Elza, reparei que tinha muita pele, porque ela foi para a Europa, além de muito brilho, muito paetê. Então a coleção é muito glamurosa, street, moderna e cool, sabe?”, contou Isaac, com sua simpatia contagiante.
Na passarela, Elza foi representada por um casting poderoso “de meninas lindas e maravilhosas”, como bem definiu o estilista. “A performance são as próprias modelos, que encarnaram uma Elza Soares bem poderosa, bem linda”, afirmou.
Leandro Benites e Manuel Fabricio, dupla por detrás da marca BEN, queriam ter o Universo em sua coleção. Para isso, trabalharam com formas arredondadas e texturas mil, construindo superfícies encantadoras e inesperadas com materiais que iam muito além do tecido plano.
“Quando falamos em mão-de-obra nacional, ainda somos muito escassos. Não temos um tecido incrível e, até como marca experimental e pequena, não temos a estrutura de usar uma seda, por exemplo. Então sempre construímos o tecido para ter o diferencial e também trabalhar uma peça de design de moda”, explicou Leandro.
A performance da BEN surgiu da pesquisa da dupla sobre bonecos articulados e da ideia de brincar de ser adulto. No cenário, os modelos eram os bonecos, transportados e vestidos pelos estilistas ao vivo. “Fugimos total do desfile. Já estávamos com essa vontade de ter algo mais experimental. Então fizemos todo o ritual das provas de roupa, de vestir cada peça e montar uma pose. Criamos essas imagens estáticas manipuladas por nós”, contou o estilista, que participa da Casa de Criadores há dois anos.
“A Casa de Criadores me abre portas, até me arrepio de falar! Precisamos de espaço e o evento tem muito respeito pelo nosso trabalho, nos abre portas. Às vezes eu recebo mensagens de estudantes de moda, ou de pessoas que pensam em estudar, falando do estímulo e incentivo que a gente nem sabe, mas inspira nas pessoas. É muito especial. A BEN é um respiro, é o que eu acredito de fato na moda e a Casa de Criadores me permite mostrar esse trabalho pra mais pessoas, uma rede maior do que eu teria vendendo em uma multimarcas ou pelas redes sociais”, finaliza. E nós mal podemos esperar pela próxima edição em terras cariocas.