Francamente, David!
Relatos e retratos de uma saudade
Publicado em 04/2021
David (Bira ou Argentino) foi nosso amigo, fotógrafo e videomaker desde os primórdios do I Hate Flash. Nos deixou fisicamente em 2018, aos 32 anos, mas segue por aqui no coração e nas lembranças.
Há alguns dias Giselda Marcolino lançou, junto com alguns colaboradores queridos, o projeto Arquivo David Argentino. O objetivo era ativar a obra de seu filho David, a partir da divulgação de uma seleção de trabalhos presentes em seu arquivo digital produzidos entre 2009 e 2018. O projeto envolveu, além do desenvolvimento de um site que faz "um recorte poético a partir de imagens presentes no arquivo", uma exposição (ainda em construção) das fotografias de David em formato lambe-lambe nas ruas da cidade do Rio de Janeiro.
Pensando em fazer com que esse projeto tão bonito chegasse a tantas pessoas quanto fosse possível, convidamos alguns Flash Haters a irem até esses lambe-lambes espalhados pela cidade, tirarem fotos e contarem sobre suas lembranças e afetos vividos pelo/com nosso David. Este zine é uma homenagem a este artista, amigo e companheiro tão especial. E também um agradecimento à Giselda, por ter tido a força e delicadeza de transformar dor em poesia.
David x Chico
Parecem existir pessoas no mundo e na nossa convivência amadas e amáveis de uma forma quase inexplicável. Elas chegam e, num piscar de olhos, tomam conta de nossa atenção e do nosso coração. Elas são polêmicas e doces. São problematizadoras e são a solução. David sempre teve um coração gigante. Sempre teve as portas de sua casa e de seu coração abertas para quem tivesse vontade e coragem para entrar. Ele não se poupava em esforços para ajudar os outros, dar dicas e muito menos perder uma piada. Um dos maiores incentivadores do progresso alheio, David sempre teve seus olhos, atenção e amor voltados para sua família consanguínea e sua família escolhida. Dono das amizades mais cobiçadas por quem quer que seja, David nunca vai deixar de estar em nossos corações. Sinto tanta saudade de você, meu amigo. Queria ter sentado naquele bar contigo. Queria ter vivido um pouco mais disso tudo contigo. Te amo demais! E aí vem a voz dele na cabeça: “Francamente!”.
David x Romualdo
DAVIVE. Lembro que assim que peguei uma intimidade com o David, lhe perguntei algo que há tempos me encucava: "Cara, você é argentino mesmo ou é só um apelido?" Ele soltou umas das suas gargalhadas tão conhecidas, apontou por cima do ombro e devolveu: "Sou aqui de Copacabana mesmo! Argentino é meu sobrenome, e duvido achar alguém mais brasileiro do que eu." Periga realmente não achar.
Aquele lá não desistia nunca. Nunca desistiu de amar seus amigos. Nunca desistiu de aprender e muito menos de ensinar. Viverá eternamente enquanto sua gargalhada ecoar dentro de nossos corações.
David x Padilha
David era acolhedor. Aproveitei meu tempo capturando as imagens, pra lembrar do tanto de coisas que passei, e pessoas que conheci por causa dele. Graças aos seus churrascos e desculpas pra juntar o povo, me aproximei de algumas pessoas que tenho por perto até hoje. As lembranças são muitas... Meu primeiro contato com ele foi num luthier (profissional que conserta, regula, limpa instrumentos musicais) que tínhamos em comum. Ao ouvir o orçamento pra regular o baixo dele, ele proferiu a frase: "Eu tenho que falar com minha mãe. Tenho cara de velho, mas tenho 17 anos." Naquela hora eu pensei que seria maneiro ser amigo dele, mas nossos caminhos só se cruzaram de novo uns 8 anos depois.
Quatro meses depois que entrei pro IHF estive na reunião em que ele foi "oficializado" como integrante do coletivo, então dividimos muita coisa sendo os novos recrutas. Fomos parceiros de edição (junto com Luizãoooo) no primeiro Lollapalooza do IHF fotografando oficialmente. Esse evento foi especial porque nessa ocasião ele estava inspirado: desde pasta dágua na cara, até entrar em festa com um imac debaixo do braço (tudo isso depois de trabalhar o dia inteiro).Também tive a chance de viajar com ele algumas vezes, pra muitos lugares: de raves no litoral paulista a evento do Rock in Rio na Amazônia. Na primeira Outside Party do IHF, ele foi o melhor juiz de queimada que poderíamos ter tido. E na última que rolou (no Barco) ainda estávamos lá pra dar um mergulho na Baía de Guanabara.
David era o cara que quando estava feliz te ligava só pra dizer coisas boas, sempre dizia estar com saudade. Quando eu entrei pra banda Gangrena Gasosa ele não só deu a maior força, como colou no nosso show no Circo Voador junto com o Chico. Eles me fizeram feliz pra caralho! Sobre o site dele, foi bem emocionante passar um tempo ali sozinho olhando pra essas fotos gigantescas. Que seu legado e suas risadas jamais sejam esquecidos ❤️
David x Jeanne
Falar sobre o David me deixa em uma encruzilhada. Ao mesmo tempo que é difícil, por ter que lidar com a prematuridade de sua passagem, é simples, porque foram tantos momentos bons que dá vontade de dividir com o mundo. Minha relação com ele foi, desde o primeiro momento, uma relação de abertura e carinho enorme. Ele sempre foi esse cara de braços abertos, casa aberta, peito aberto. E olha que a gente debatia muito sobre tudo porque a gente discordava em bastante coisa, mas ele tinha essa abertura aí também, essa maneira corajosa de dizer o que pensa e de ouvir o que a outra pensa. E ele tinha essa acidez dele, essa gargalhada alta demais. Visitar esses registros na rua me fez revisitar não apenas seu trabalho enquanto fotógrafo, mas também a sua forma de ver o mundo. Tão diferente da minha e, ao mesmo tempo, tão tolerante, ainda que na discordância. Os anos passaram e cada vez eu sinto mais a falta desse jeito de levar as relações, o David sempre foi alguém que soube dizer que sentia saudade, que amava, que queria ter por perto.
É bonito cruzar, através dessas fotos, com você na rua e, ainda que pelo lado de dentro, ouvir a sua risada ecoando pelas ruas da cidade. Que falta faz e que presença tem.
David x Juliana
Às vezes me lembro do David espontaneamente. A última vez que nos esbarramos foi em uma fila pra pegar cachorro-quente. Ele veio lá de longe falar comigo, deixando um monte de batata palha cair no chão, dando aquela gargalhada que só ele tinha. Sempre que passo na frente dessa lojinha em Botafogo me vem essa memória, que traz tantas outras boas memórias que são como um abraço.
Outras vezes faço o exercício consciente de me lembrar dele. O que a gente conversava? Como era aquele olhar dele? Qual era mesmo o filme que ele sempre me recomendava? Eu sei todas as respostas, mas me pego resgatando essas lembranças pra tê-lo sempre por perto. David sempre me perguntava como eu estava, e não aceitava uma resposta qualquer. Separava o banco do lado dele na van e, independente de quantas horas de Rock in Rio tivéssemos encarado, era urgente falar sobre escola de cinema da Tchecoslováquia e de como a gente estava vivendo aquele dia. Ele se importava, sabe? Ele se importava como poucos se importam.
Ver as foto do David no muro foi como esbarrar com ele na esquina de casa e ouvir: “Bora comer um cachorro-quente e trocar uma ideia?”
Bora, amigo!
David x Bléia
O Bira não faz parte da minha vida somente por afinidade profissional ou pelo I Hate Flash. Muito antes, quando eu ainda estava me descobrindo no mundo, ele era uma figura constante nas portas das baladas ou em shows da galera, que aconteciam semanalmente. Sempre com aquele riso forte, a gente se cumprimentava e trocava ideias mil, mesmo não sendo necessariamente muito próximos. Não importava o tema, eu sempre saí rindo ou tendo aprendido algo. Quando entrei pro IHF eu senti a animação dele por me ver fazendo parte e uma segurança por ter ele me apoiando. Me marcou muito o fato dele sempre fazer questão de reforçar o quanto é importante nos vermos sem ser a trabalho, e sempre agitava algum cinema pra tentar fazer geral ir ver junto. O Bira é sobre rir, aprender, rir um pouco mais e se impressionar com o cara que ele é.
David x Fernando
Pra mim é tão fácil quanto difícil falar sobre o David. Ao mesmo tempo em que ele é muito presente em tantas conversas e lembranças em lote com tantas outras pessoas que também amo, cair na realidade de que ele não está mais fisicamente conosco continua sendo tão difícil quanto suspeito que sempre será.
Conheci o David como Bira – apelido que só uma década depois ele resolveu contar pra gente que não gostava, e mesmo sendo impossível não relacionar o motivo dele (sua gargalhada deliciosamente igual a do também saudoso Bira, baixista do Sexteto do Jô), deixamos de usar – lá pros nossos 14 ou 15 anos, quando eu me mudei pro Catete e fui estudar no colégio Zaccaria. David era um ano mais novo, da sala de uma também grande amiga (oi, Carol), mas começamos a ficar próximos fora da escola: éramos frequentadores assíduos do Beco da Bohemia e do Casarão Amarelo, lugares que na memória de quem viveu a cena de punk e hardcore do Rio de Janeiro são berilos vermelhos (essa seria uma piada interna com o David, mas resumindo: são joias muito valiosas, mas que chamar assim arrancaria meia hora de gargalhadas coletivas a partir do ataque que o riso dele desencadearia em absolutamente todos presentes).
Tenho motivos de sobra pra falar "nosso amigo" em um texto no I Hate Flash: de mais um moleque deslocado em um colégio católico mega conservador, até um irmão que viveu um sonho junto, muitos universos se juntaram, e o I Hate Flash foi mais um desses núcleos que o David, desde o momento que entrou, passou a ser uma força agregadora descomunal. Acho completamente inviável não falar sobre a Giselda, mãe do David, tia de todos nós, que também sempre fez questão de nos tratar / tornar parte da família. Fico devastado quando lembro da exata sensação daquele abraço que nós nunca mais daremos, mas sou imensamente feliz em ter tanto pra falar/ escrever / pensar sobre o David.