6º Festival de Fotografia de Tiradentes
9-13/03/16 @ Tiradentes | MG
Publicado em 03/2016
São poucos os grandes encontros de fotografia no Brasil, ainda mais que fazem reunir, numa cidadezinha histórica (que respira cultura há quase 3 séculos!), de iniciantes aos mais notáveis artistas! Nenhum lugar melhor pra passear sobre ruelas de pedra, com câmeras (de todos os tipos) no peito, sem medo de ser feliz igual no Rio, esbarrando com infinitos fotógrafos (e muitos cachorros fofos) a cada passo.
E é de fato muito estranho estar num lugar onde se olha para o lado e não se sabe quem ali é um grande fotógrafo, possivelmente muito mais foda que você! que já se admira há algum tempo sem saber o rosto.
O tempo oscilou muito! E o papo nas ruas era o mesmo: "Aproveita o céu nublado"; "Dia lindo, mas a luz tá muito dura..."; "Tá chovendo! Puta merda, minha câmera!" Mas, se abria o tempo, o tiozinho gente boa da Argentina tava lá com sua câmera lambe-lambe (não confunda com câmera de grande formato). O cara bate a foto, revela o filme e amplia ali mesmo, por apenas 20 reais.
Fui chamado para expor com um coletivo de arte do qual faço parte, formado pelos ex-alunos da pós-graduação Fotografia & Imagem, da IUPERJ. Exposição que foi uma dentre inúmeras do festival.
Depois da repercussão maneiríssima que rolou no CCJF, em abril de 2015, o coletivo foi convidado para remontagem da expo chamada Na caverna de Platão, que teve o nome inspirado no primeiro capítulo do clássico ensaio da pensadora Susan Sontag, chamado Sobre Fotografia. A tentativa era a de explorar a imagem fotográfica de maneira reflexiva, contra o excesso que nos anestesia de uma possível contemplação da imagem. Se eu já estaria lá, por que não registrar o evento? Perguntei aos haters e a palavra final foi essa: "Isso só tende a somar! Go!"
O Festival busca essencialmente o mesmo que a caverna de Platão. Ainda que tivessem muitas fotos vernaculares, do dia-a-dia (além de fine art de muito apuro técnico como na expo One Lapse), essas eram repensadas para serem expostas numa parede, num livro ou no slide de uma das várias palestras (incríveis, por sinal).
Nuno Rama e a fodona Rosângela Rennó foram dois dos palestrantes que me chamaram a atenção:
O prof e fotógrafo Nuno é um nordestino que não se deixa levar por quaisquer tentações que não sejam coniventes aos seus ideais: uma expansão anárquica da fotografia e do seu ensino. Além dos inúmeros trabalhos sociais (clicados com Rolleiflex ou câmeras panorâmicas), Nuno nos deu o gostinho de um dos seus próximos projetos: retratar a vida homoafetiva que, no sertão, é um tabu ainda mais forte que por aqui (fiquei ansioso demais!).
A querida Rosângela apresentou vários dos seus projetos de apropriação e ressignificação de antigos arquivos históricos, mostrando íntima afinidade entre o viés de pesquisadora e artista contemporânea de grande peso e relevância cultural. Rio–Montevideo, por ex., revelou parte de um acervo mais de 50 mil negativos escondidos há mais de 30 anos, devido a repressão militar sofrida no Uruguai e no Brasil; ou Menos-Valia, que fez de um leilão uma performance crítica sobre o mercado de arte; ou ainda Foto Cine Clube Bandeirante: Do Arquivo à Rede (@MASP até dia 26 de março!) que expõe, não apenas 279 obras de 85 artistas (desconhecidos e engavetados do mais importante fotoclube brasileiro), mas tamém o percurso por onde essas fotos percorreram – a galera enviava fotos por correio pra fazer uma rede de troca e pesquisa! É cafona dizer que é a origem do Instagram... mas é a origem do Instagram!
PALESTRAS // Ciclo de ideias
- Jonathas de Andrade
- Nuno Rama
- Rosângela Rennó
PALESTRAS // Foto em pauta
- Alexandre Sequeira // Fotografia como estratégia de encontro
- Cristiano Mascaro & Sérgio Burgi (IMS), A obra de Marcel Gautherot
- Helena Martins-costa & Coletivo Garapa // Projetos contemplados com a Bolsa de fotografia ZUM / IMS 2014
- Cao Guimarães & Pedro David
- Amir Brito // A fotografia na coleção Livro de Artista da UFMG
- Julieta Escardó // Mapa editorial independente da America Latina
- Marcio Scavone & Sérgio Branco (Fotografe Melhor) // Do superficial ao íntimo
PALESTRAS // Ateliê Fotô
- Eder Chiodetto & Fabiana Bruno // Construções, confidências e constelações
PROJETO ESPECIAL // Oficina tipográfica aberta + Performance audiovisual
UFMG ITINERANTE // Oficina com estudantes do ensino público local
A casinha que mais gostei (e que me fez gastar uma grana que eu não podia!) foi a exposição de fotolivros + feira. Eu sou ~demasiado~ viciado nisso!, não só pelo fetiche do consumo e da posse de obras de arte acessíveis, mas também me é grande fonte de inspiração. O fotolivro está se tornando cada vez mais legitimado como suporte para expressão de imagens fotográficas, tanto que alguns artistas nem fazem fotos visando as paredes de uma galeria ou mesmo a internet... Mas esse tipo de trabalho não é fácil:
"Para um livro de fotografias ser considerado um Fotolivro, ele deve apresentar mais do que uma mera coleção de imagens; ele deve demonstrar intenção e coerência em design, seja o projeto feito pelo próprio fotógrafo/autor, por um editor, ou até mesmo por uma equipe editorial. O Fotolivro deve ter um 'assunto em particular / tema específico' e, o que mais importa, é como as imagens funcionam juntas.” (Martin Parr & Gerry Badger)
Os caras acima são os autores de The Photobook: A History (em apenas 3 volumes). Martin Parr foi discriminado pelo mestre Henri Cartier-Bresson, que não acreditava na sua fotografia. Mas as coisas mudam, amiguinho! Hoje, o cara é um dos diretores da Magnum, criada por Cartier-Bresson e amigos de peso (como Robert Capa), além de um dos maiores colecionadores e editores de fotolivros do mundo.
O pessoal, já há alguns anos, tem explorado diversas formas alternativas de alinhar um conceito a sua materialidade, como livros que abrem em forma de sanfona, viram posteres, ou o lançamento de TOKYOTOSAKA (com print autografado de Wéber Pádua), que eu comprei e fodasse meu dinheiro! é impresso em folha de jornal. Saudades do Japão!
LANÇAMENTO DE LIVROS
- Valdemir Cunha // Água // Ed. Origem
- Lisette Guerra // Cuba
- Ana Angélica Costa // Possibilidades da camera obscura // Projeto Subsolo // Ed. Binóculo
- José Diniz // Livros de artista
- Fernanda Chemale & Gisele Rodriguez // Desordem
- Cao Guimarães // CAO
- Beto Figueiroa // Morro de fé
- Anna Kahn // Oriente // Ed. Tempo d'imagem
- Márcio Vasconcelos // Na trilha do cangaço // Ed. Vento Leste
- Marco Alves // Habitants
- Sue-Elie Andrade Dé // Topographies du mensong
- Aguinaldo Ramos // Personagem cabal
- Guilherme Bergamini // Quatro gerações
- Leo Costa Braga // Olho mágico
- Weber Pádua // TOKYOTOSAKA
- Kátia Kuwabara // Vigília // Ed. Olhavê
- Ligia Jardim // Branca // Ed. Olhavê
- Rogério Reis // Ninguém é de ninguém // Ed. Olhavê
- Marcel Gautherot: O Jubileu no santuário // Curadoria: Cristiano Mascaro // IMS
- Anna Paola Guerra - Borda // Curadoria: João Castilho
- Convocatória Ritos e Rituais
- Constelações, intermitências e alguns rumores // Curadoria: Eder Chiodetto e Fabiano Bruno
- Na caverna de Platão // Curadoria: Mickele Petrucceli Pucarelli
- O artista e a fotografia // Curadoria: Amir Brito Cadôr
- Fotografias gaúchas: um olhar // Acervo do Canela Instituto de Fotografia e Artes Visuais
- As cidades e as memórias
- Sobre fotografia e Aquarela // Deborah Engelender e Eduardo Villares
Voltando às paredes, foi interessante ver desde curadorias mais clássicas (como na expo abaixo das fotos de Marcel Gautherot), até a curadoria de Eder Chiodetto, que aproveitou o teto inclinado para nos transmitir outras sensações. – Tenho uma tendência a gostar mais do que inova e observo que a arte de grandes curadores às vezes se sobressaem na relação às fotos que eles apresentam... o que também é ótimo!
A exposição acima de Yves Alves é na verdade de gravuras em pedra. Achei importante estar na sala ao lado de uma exposição de fotografia, pois a gravura pode ser considerada uma das técnicas pré-fotográficas já usadas na imprensa para reproduções de imagem em massa.
Foram dias e noites imersos num universo muito curioso e em discussões densas, mas com a leveza de ter muitos amigos por perto, que estavam ali apenas somando.
Sem dúvida, o meu breve relato não é nem 1/10 do que rolou por lá, mas minha intenção foi trazer uma prévia e dar um gostinho àqueles que buscam apurar os sentidos e o olhar para uma educação imagética.
Enfim, ano que vem tem mais!! E quem sabe não levamos uma expo do I Hate Flash pra lá! ;)