Zines de Fotografia
Sobre o processo da nossa última Flash Class
Publicado em 08/2022
O tema dos fanzines sempre me atraiu , principalmente quando penso na trajetória das publicações na cena punk e hardcore. Nos últimos anos, alguns eventos como a Feira Plana me deram outra dimensão das possibilidades de autopublicação. Quando recebi o convite da Clarissa Ribeiro, coordenadora das Flash Classes, para criar o curso, pensei em como poderia unir a cultura "faça você mesmo" dos fanzines com a fotografia, apresentando um método que pudesse ser facilmente replicado. Queria incluir todo tipo de linguagem fotográfica dos alunos e apresentar formas fáceis e interessantes de diagramação e publicação. Percebi que a criação de fanzines digitais era a maneira mais prática para apresentar a cultura dos fanzines e mostrar caminhos para a autopublicação dos alunos.
Apresentei então um recorte histórico dos fanzines do século XX ao XXI. Partindo de publicações independentes de ficção científica das décadas de 1940 e 1950 nos EUA, passando pelos fanzines de contracultura da década de 1960, pela explosão que veio no final da década de 1970 com o movimento punk e que durou até o final dos anos 1990, com o começo da internet e a digitalização das publicações. Para a parte final desse recorte, apresentei uma série de fanzines produzidos no Brasil e América Latina a partir de 2013 até 2022, que encontrei em pesquisas no IMS Paulista. O que aproximou a produção dos fanzines para o contexto brasileiro pré e pós(?) pandemia.
No desenrolar das aulas e ao conversar com os alunos sobre seus processos de criação no curso, surgiram outras possibilidades de diagramação que ampliaram o entendimento sobre o processo de criação de todos. Os temas escolhidos para o desenvolvimento dos zines foram bem pertinentes e refletiram a individualidade da produção fotográfica de cada um. E me surpreenderam na diversidade de interesses e abordagens fotográficas. A troca com os alunos foi bem franca e aberta. Senti que todos que participaram das aulas se comprometeram com as propostas de trabalho e produziram ótimos resultados.
Victor Takayama - O Japão não é aqui
Dentre os conteúdos apresentados no curso o zine "O Japão não é aqui" foi um dos exemplos da minha produção que dividi com os alunos. Neste fanzine reuno imagens de pesquisa de referências de fotografia e arte, fotos do cotidiano e trabalhos que realizei, tendo como tema a identidade nipo-brasileira. A busca e registro de elementos da cultura contemporânea e tradicional japonesa fazem parte de uma preocupação pessoal em reunir pontos de comunicação entre meu trabalho em uma cultura que é próxima e distante ao mesmo tempo.
Agora vem descobrir alguns dos zines elaborados pelos alunos durante a Flash Class de Zine Digital!
Ingrid Telino - O lanche da sua viagem (na mão do vendedor é mais barato)
Pode surgir no trânsito que percorre as vias centrais do Rio de Janeiro a qualquer hora. Na verdade, em grande parte o vendedor vem no horário de pico quando é quase impossível locomover seu carro em meio ao caos. O vendedor chega na lateral ou na via central movido pela necessidade de trabalhar. O cardápio é variado, pensado especialmente na necessidade de vender.
Projeto iniciado em 2019 na Av brasil e na ponte Rio-Niterói. Produzir esse zine com o auxílio do Victor foi um grande passo. Entender as possibilidades de organizar o projeto fotográfico, ver referências e discutir sobre nossos anseios como fotógrafos me trouxe clareza. Me sinto pronta e confiante para focar na produção de outros zines, de fato esse curso foi essencial para ampliar minha visão para inúmeras possibilidades.
Daniel vsc - Ar
O ar é um dos quatro elementos e sem dúvidas um dos mais importantes. Ele se renova e com isso nos mostra que, assim como ele, nós também temos que estar atrás de novos ciclos e vivências. Sempre atrás de novas aventuras e perspectivas.
Alberto Soares Junior - Vasco da Gama: Respeito, Igualdade e Diversidade
Ao iniciar o curso e saber que deveríamos criar um zine, não imaginava assunto algum que me estimulasse a compartilhar para amigos e não tinha material para a execução. Na semana iria com amigos ao jogo do Vasco em São Januário, veio a ideia de falar sobre o Vasco, o jogo, seus torcedores, o estádio, seu entorno e principalmente a relação da torcida com a comunidade que mora ao lado do estádio, chamada Barreira do Vasco. Mas acabei contraindo COVID e não pude ir ao jogo.
Tive então que procurar outras alternativas. Neste jogo o clube fez homenagem ao mês de orgulho LGBTQIA+ com uma grande festa de bandeiras e fumaças coloridas, no ano anterior havia jogado com a primeira camisa em referência a esse movimento. Achei muito interessante ir por esse caminho, falar sobre esse assunto que é raro no meio futebolístico e que pode render bons materiais, abrir discussões, questionamentos e reações diversas. Selecionei algumas imagens na Internet, editei para a execução do zine e levei ao curso. O Vasco da Gama ao tomar atitudes tão importantes para um tema tão delicado no meio futebol, que é um ambiente extremamente machista e homofóbico, e falar sobre esse assunto causou reações diversas desde o apoio a manifestações homofóbicas, normalmente com desculpas religiosas ou argumentos de que clube tem apresentar futebol e não "lacração". Para a aula seguinte consegui ir ao novo jogo em São Januário e resolvi fotografar camisas, copos, cachecol com as cores do arco-íris e demonstrar aceitação e apoio de vários torcedores à atitude do clube e à causa LGBTQIA +. É muito importante defender e apoiar o clube nessa investida em um tema ainda tão delicado.
João Campos - Centro
Com este zine tentei retratar a atmosfera de um lugar específico, o bairro Centro da cidade de Niterói - RJ. As pessoas, a relação da cidade com a pesca, a arquitetura, as ruas... Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo (aos olhos de um cara que sempre viveu no interior), me motivaram a tirar essas fotos. Nessa reunião de fotografias houve uma tentativa de captar esses momentos, os diferentes usos da cidade, a complexidade do local, a vitalidade urbana.
Luciano Senna - Percursos Descolcamento Corpo
A proposta deste zine iniciou-se com a intenção de fazer um registro fotográfico do longo percurso que faço de carro várias vezes por semana, cerca de 80 km. A primeira dificuldade foi exatamente lidar com a diversidade de paisagens existente ao longo do percurso, diversidade que rapidamente vi multiplicada indefinidamente, quando refleti que o percurso é realizado em vários horários diferentes, em situações de luz e de clima diferentes, além de estar lidando com essas dinâmicas do espaço e do tempo, tinha a dinâmica social do percurso, os diversos personagens e situações que se alteram a cada momento, a cada dia, a cada novo deslocamento. Como estabelecer um critério ou, melhor, que tipo de reflexão fazer sobre esse percurso? O que poderia unir ou funcionar de critério para um registro ou reflexão? O que há em comum nesse percurso? O que une esse percurso é uma pessoa se deslocando. Um eu. Um eu em velocidade, em deslocamento, um eu dentro de um carro, um eu contido dentro do corpo do carro, um eu corpóreo, um eu físico, um corpo.
Toda a ansiedade, as observações, especulações, reflexões se misturam em um corpo, um corpo preso e em deslocamento, um corpo cansado, com sono, desconfortável, incomodado. Daí surge a ideia de usar a técnica de dupla exposição em algumas fotos, sobrepondo um corpo à paisagem, como um reflexo imaginário do corpo contido dentro do carro no vidro da janela do automóvel, local de observação mútua, da paisagem e do corpo, que funciona como mediadora entre ambos, mediadora e local de mescla das imagens. Para as imagens do percurso, a ideia foi de utilizar baixa velocidade para que as imagens ficassem borradas e de algum modo refletissem a própria maneira como em sua maioria eram observadas, em alta velocidade, mais como manchas do que como coisas em si. Manchas de pessoas se deslocando, manchas de pessoas em motos, em outros veículos, nas ruas, manchas de edificações, manchas que vão se alterando em função da luz do dia, até terminar na captação de manchas de luzes noturnas, como uma abstração total ou virtualização do corpo se deslocando por esse longo percurso.