Relato de Quarentena #1
Como os integrantes da nossa equipe tem lidado com o distanciamento social.
Publicado em 04/2020
Nessa quarentena, assim como muita gente, tenho mergulhado em universos diferentes dos que costumo. Acho que vai ser assim mesmo daqui pra frente, né? Como tá difícil acompanhar as minhas diferentes personalidades, os dias, saber quando aconteceu o que, estou tentando começar um diário, mas travada demais - assim como imagino que também muita gente esteja. Mas, incentivada pelas lindezas da firma, resolvi começar de cara com um zine logo. Vamos ver se assim a coisa decola :)
Há mais de um mês atrás, a última vez que socializamos antes da quarentena, foi um domingo com cara de fim de mundo mesmo. Aniversário de uma amiga querida cancelado, muita comida de sobra e fomos lá pra casa de um casal amigo encher o bucho - deu preguiça de cozinhar esse dia, então até que caiu bem. Bem pouca gente, sem abraços, mas ainda cometendo algumas gafes higiênicas - ainda não estávamos acostumados. Apesar das restrições e incertezas, foi um dia cheio de calor, conforto e de certa forma nos preparou para o que estava por vir.
No dia seguinte fomos ao mercado pra garantir uns dias sem sair, ainda bastante gente na rua, mas muitos estabelecimentos fechados. Organizamos cozinha, geladeira, casa e escritório - mesmo não sabendo muito bem o que seria da nossa vida profissional nos próximos dias.
Estou falando no plural porque moro com meu companheiro, um dos meus privilégios nesse momento - importante lembrar que temos muitos, inclusive a própria quarentena. Nesse início minha cabeça não parava um segundo: tanta coisa passando por ela que era quase impossível colocar em palavras. A gente trocava ideia todo dia sobre a situação em que estávamos, e cada vez que falávamos a enxurrada de pensamentos aumentava ainda mais. Foi difícil dormir.
Há algum tempo a gente faz aulas de Yoga com frequência, e desde que comecei me aproximei muito da meditação, que já havia flertado algumas vezes. Sempre achei muito difícil me conectar tanto com Yoga quanto com meditação, achava muito parado e não conseguia me engajar. Eu não sei qual foi a chave que virou pra eu começar a me aventurar, talvez eu tenha sentido a necessidade de mudar de estilo de vida sem nem reparar racionalmente. Yoga é uma meditação em movimento e acho que quando as duas coisas se juntaram, eu entendi tudo. Por sorte, quando começou a quarentena, eu já tinha um pouco dessa habilidade. Por entender os benefícios, naturalmente começamos a incluir os dois na nossa rotina diária com mais disciplina. Sem dúvida, meus dias aos poucos foram fazendo um pouco mais de sentido. Não é fácil às vezes, bate deprê, bate preguiça, mas principalmente no início é importante vencer a barreira inicial de levantar, respeitando os limites do corpo. Meus pensamentos começaram a ficar mais organizados, consegui ter mais inteligência emocional pra lidar com alguns pequenos “surtos”, e aos poucos tem sido menos difícil levantar e menos frequentes os momentos depressivos.
Yoga e meditação, assim como qualquer outro, são exercícios. São os que funcionam pra mim e sei que cada pessoa funciona de uma forma. Mas precisamos ter consciência de que o momento agora é de cuidar de si, de olhar pra dentro. Não é um papo místico, é sobre saúde física e mental - que podem ser exercitadas de diversas formas. O fato é que precisamos estar fortes e na medida do possível preparados para os dias difíceis que sabemos que estão por vir.
Outra prática que sempre rolou bem aqui em casa é a culinária. Somos apaixonados por comida e pela cozinha e logicamente estamos passando bem mais tempo nela atualmente. Não só por causa da louça que tem se reproduzido na velocidade da luz, mas porque o ato em si de cozinhar já nos traz bastante distração e diversão, além de ser o melhor alimento possível porque é feito com amor e com a melhor energia. Sempre me deixava chateada quando as pessoas me diziam que “não sabiam cozinhar” - mas gente, tem tudo no google! E fico muito feliz e orgulhosa que a grande maioria dessas pessoas hoje está se aventurando, curtindo, e até fazendo pão! Inclusive é outra coisa que estamos nos dedicando mais por aqui.
Meu relato não tem o objetivo de romantizar a quarentena - quem queria estar vivendo assim né, gente? Eu só queria sair do trabalho hoje e passar no boteco pra tomar uma cerveja de garrafa no copo mal lavado do boteco com 20 pessoas numa mesa de plástico que cabem 4. Em uma semana eu tenho uma personalidade diferente por dia, e na semana seguinte eu tenho 10 personalidades diferentes em um só dia. Tem dia que eu só consigo chorar, tem dia que eu fico meio animada pro futuro, tem dia que eu mando mensagem pra todos os meus amigos e família morrendo de preocupação, tem dia que eu acho que não vou conseguir. E aí que eu aprendi - o que eu já tinha aprendido, só que na prática mesmo - que precisamos viver um dia de cada vez.
Tudo tá mudando muito rápido, da noite pro dia, e a nossa vida, que nunca foi muito certa, nunca foi tão incerta. Estamos sendo literalmente obrigados pelo planeta a nos recolher pra repensar nossas ações e nossas prioridades. E precisamos estar bem pra reconhecer, cuidar dos nossos e seguir em frente. Tipo no treinamento do avião (sdds), tem que colocar a máscara em si mesmo antes de ajudar o amiguinho. Então encontre a sua “máscara” e bora juntos enfrentar essa doideira, aproveitando pra transformar o mundo num lugar melhor.