Mulheres que Fotografam: Mia Morais
Uma fotógrafa de mulheres para mulheres
Publicado em 04/2018
Quantas pessoas fotografando mulheres nuas você já viu no seu feed do Instagram hoje? Pois é, um monte. Mas, dessa galera, são poucos os que conseguem retratá-las de forma elegante, poética, leve e forte. Mia Morais é uma delas.
A brasiliense define rapidinho o que mais gosta de fotografar: "sem dúvida alguma, mulheres". "Um bicho maravilhoso, incrível, versátil. Despretensiosamente leve e, ainda assim, forte e acolhedor", explica a fotógrafa autodidata, que até tentou fugir da paixão e apostar em uma profissão mais tradicional, mas não teve jeito.
"A capacidade da mulher se mostrar como quer ser vista e o poder que eu tenho de participar dessa revelação é um conjunto muito mágico. Acho que, por isso, sempre entendi que queria fazer fotos de mulheres tendo como público alvo outras mulheres. Queria tocar e trocar. Que fosse não só a entrega do material, mas a plenitude do processo."
Sorte a nossa.
Quando você começou a fotografar? O que despertou a vontade de trabalhar com fotografia? Descobri a fotografia aos 18 anos, na faculdade de comunicação. Estava super desiludida com o curso, mas, em uma das disciplinas, fomos convidados a produzir um ensaio. Descobri que ainda tinha uma câmera do meu avô e fiz uma série de retratos com ela. A primeira tentativa foi um fiasco. Era um dia super ensolarado, eu me sentindo especialmente profissional por ter uma câmera analógica no pescoço e um filme ISO400 (pausa dramática pra conexão dia super ensolarado, ISO alto e falta de habilidade), obviamente estourei as fotos todas hahaha. Mas, acho que porque eu sou meio psicopata e crítica, refiz no mesmo dia.
Depois disso consegui uma vaga como fotojornalista em um jornal aqui de Brasília e tive a oportunidade de fazer exatamente o que eu queria: aprender a fotografar praticando, lidando com gente.
Eu sempre fui viciada em álbuns antigos de fotografia, desde pequena mesmo. Ficava criando personagens e historinhas com as cenas. E, também, desde que me entendo por gente, adoro observar as pessoas. Nas ruas, nas festas. Os gestos, as caras e bocas...
Acho que minha alegria e onda de fotografar é você construir uma narrativa visual, um recorte na realidade e, claro, a possibilidade de trocar algo com o outro, conhecer gente e expressões diferentes.
Chegou a trabalhar (ou ainda trabalha) com outra coisa além de fotografia? O quê? Trabalhei durante um tempo, mas muito breve, só escrevendo pra esse mesmo jornal em que fotografei. Já me senti diversas vezes naquela bifurcação quanto à carreira que é mais tipicamente brasiliense: meu sonho ou concurso? Durante um tempo, parei de fotografar e tentei estudar, mas não dá. Fotografia tá em tudo que eu vejo. Inclusive em algumas palavras das apostilas mais entediantes. Fui me enganando, marcando um ou outro ensaio aos finais de semana. Quando vi, já tava “oi, sumida!” pra fotografia de novo...fotografando quase todo dia.
Fez algum curso ou aprendeu a fotografar sozinha? Aprendi sozinha. Essas aulas que a gente teve de Introdução à Fotografia na universidade eram muito mais filosóficas e pautadas por realização de fichamento sobre trabalhos alheios. Não que isso não seja importante, mas fotografia é prática do olhar. Assim como escrever é a prática da mente. Aprendi apanhando muito no jornal. Tinha dias que voltava com umas fotos bem xoxas pra redação, e nenhuma dessas vezes passou em branco. Foi ótimo pra aprender que eu sempre poderia exigir mais de mim e pra receber conselhos de colegas muito bons e de um editor de fotografia incrível.
Qual equipamento você usa? Uma D750. Tenho lentes que mal tiro da câmera, uma 18-55mm 5.6 e uma 80-200mm 2.8. As que mais uso, não tem jeito, uma 35mm 1.8 e uma 50mm 1.4. A Miranda (a analógica que fotografei pela primeira vez) e as lomos.
O que você mais curte fotografar? Sem dúvida alguma, mulheres. Acho mulher um bicho maravilhoso, incrível, versátil. Despretensiosamente leve e, ainda assim, forte e acolhedora.
Amo o processo inteiro. Sentar de frente pra pessoa que vou fotografar, falar um monte de besteira pra soltá-la, pra ouvi-la também. Dividir sorrisos, no início tímidos e não direcionados pra lente, mas que encorajam e são encorajados conforme mantemos nossa relação. Por mais fugaz que seja, a confiança aumenta. O querer aumenta.
A capacidade da mulher se mostrar como quer ser vista e o poder que eu tenho de participar dessa revelação é um conjunto muito mágico.
Acho que, por isso, sempre entendi que queria fazer fotos de mulheres tendo como público alvo outras mulheres. Queria tocar e trocar. Que fosse não só a entrega do material, mas a plenitude do processo.
Tem algum projeto pessoal de fotografia? Qual? Já tive um blog chamado “O vestido de R$10”. Comprei um vestido branco num brechó e saí abordando conhecidas e desconhecidas pra fotografar em diferentes lugares de Brasília. Foram 45 ensaios, se não me engano. A ideia era mostrar que um vestido só pode ter várias histórias em cada corpo diferente. Era bem mais voltado à exploração de diferentes biotipos.
Atualmente, tenho um tumblr, que é pra fotografias de nu feminino. Acho o nu singelo, real. Querendo ou não, somos condicionados a demonstrar nossas personalidades através de roupas também. Quem é você sem roupa? O que seu corpo ou seu rosto querem contar? A nudez nos mostra que todos os corpos são diferentemente iguais. Que estamos todos juntos e, ao mesmo tempo, vulneráveis.
É assustador tirar a roupa pra um desconhecido atrás de uma lente. Requer muita coragem de se descobrir e desprendimento pra permitir que o olhar seja qualquer um que não o seu. É uma espécie de oferta, de coração, a alguém que quer te olhar de dentro pra fora. Isso é lindo. Me faz acreditar em pessoas melhores.
Diz aí quem são as mulheres que influenciam o seu trabalho. Martina Matencio, Elizabeth Messina, Carolina Maez, Angie López, Flora Negri, Anne Laure Etienne, Ellen Von Unwerth, Priscila Jammal.
Por que é importante termos mais mulheres trabalhando com fotografia no Brasil? Como eu disse, mulher é um ser lindo, diverso. Acho que precisamos de mais perspectivas e narrativas femininas. Precisamos de representatividade em todos os cantos, especialmente em áreas que lidem com o discurso sensível e sensorial. Precisamos abrir espaço pro mundo de novas fotógrafas incríveis que estão surgindo!