Mulheres na construção da arte
O mercado da arte sob o olhar de mulheres que estão fazendo a diferença
Publicado em 12/2022
Hoje eu tô aqui para trazer um tema que talvez você torça o nariz de primeira, mas te garanto que vai valer a pena: mercado de arte.
Mas assim, para além do mercado de arte, vou apresentar mulheres que estão fazendo a diferença nesse cenário dominado por homens, em especial em posições de gestão, produção e setores artísticos. Vamos começar falando que as mulheres são a maioria nas equipes de museus, galerias e feiras de arte, mas não em posições de poder e destaque. Nesse contexto, nós representamos apenas 2% do mercado, segundo o site Artnet.
Agora vamos trazer essa conversa para o cenário do nosso país e falar de mulheres que sonharam e foram atrás, enfrentaram a situação já posta pelo sistema e conseguiram criar seus projetos e negócios de sucesso. Falar sobre negócios de arte é falar sobre democratização de acesso, acesso esse que não se restringe ao artista, mas abre portas para o público e possibilita o consumo de arte. Abre as portas não só de representatividade, mas também desmistifica a ideia de que a arte pertence a uma classe X ou que você precisa entender de arte para consumi-la. Arte não se entende, arte se sente.
Por tudo isso, convidei mulheres de destaque em suas áreas, para bater um papo sobre os seus trabalhos e contarem como fizeram a diferença com os seus negócios. São elas: Brenda Valansi, idealizadora e diretora das feiras de arte ArtRio e ArtSampa; Adriana Buarque e Nisa Pinheiro, donas e diretoras do hub artístico BCO; Socorro Nascimento, gestora do Galpão Ladeira das Artes e Larissa Rocha, que é gestora de projetos culturais e conecta empresas e artistas.
Qual foi o maior desafio da sua carreira?
Nisa: Mudar tudo! Deixar uma carreira consolidada com um emprego certo para fazer o BCO sem garantia nenhuma, só a garantia do meu trabalho naquilo para funcionar.
Adriana: Atravessar a pandemia com as portas do BCO fechadas para eventos de grande público, e ainda assim conseguir mantê-lo ativo, criativo e em constante evolução.
Socorro: A abertura do Galpão e conseguir o mínimo possível de capital para isso acontecer, e principalmente, tirar toda a ideia do papel e imaginação e se tornar um espaço concreto de expressões e realizações artísticas.
Brenda: Foi colocar de pé a ArtRio já com a isenção do ICMS na segunda edição e a mais nova foi realizar a ArtSampa.
Larissa: Criar um projeto no meio da pandemia, porque eu estava com muita tensão e instabilidade da situação que o mundo ficou e eu acabei perdendo todos meus trabalhos devido ao isolamento social. Criei um projeto chamado Faça Parte, onde eu fiz exposições online e abriu minha visão para preencher as pessoas com arte nesses 2 anos de isolamento que vivemos. Eu procurei no dia a dia o que eu poderia fazer dentro de casa que repercutisse para as pessoas em forma de arte.
Como você enxerga seu papel social na construção da democratização de acesso à arte?
Nisa: Acho que me vejo como uma aglomeradora, vejo como uma pessoa de divulgação, arte boa com história maneira tá sempre no meu Instagram sendo divulgada, sem contar nossos projetos e nosso leilão, mas acho que é isso! não só meu, como acho que o papel do BCO é de divulgador de arte para todos os tipos de pessoas.
Adriana: Acredito que através do BCO tivemos a oportunidade de abrir espaço para jovens criativos, proporcionando um ambiente aconchegante onde eles se sentem livres o bastante para exercerem seus processos criativos como quiserem.
Socorro: Quando se fala em democratização de acesso à arte, o meu papel é de manter um espaço de expressão artística e dentro dele criar uma abertura mais democrática possível e viabilizar projetos. Dirigir e viver no meio artístico sem pompas com a visão de cada vez mais ampliar esse acesso.
Brenda: Enxergo de forma necessária e bastante satisfatória. Fomentar o mercado de arte e expandir conceitos é um de nossos valores.
Larissa: Eu já tive uma galeria e um dos principais pontos que eu vivi com esse trabalho foi criá-lo em um espaço público e acessível, trazendo a arte de diversas formas e fazer as pessoas entenderem que elas podem consumir arte para além de comprar um quadro caro. Por vir do espaço periférico, sempre tive uma ligação com o rap e acredito que meu papel é criar ambientes democráticos e acessíveis. Ocupar espaços públicos e criar produtos acessíveis para as pessoas consumirem arte. Vejo que a democratização pode de fato atingir lugares altos se a gente se unir para abrir as portas de fato dentro desse meio elitista. Abrir portas para valorizar os artistas e dar oportunidade para novos nomes circularem.
Qual a maior realização profissional que você já sentiu?
Nisa: O BCO. Sem dúvidas.
Adriana: Ter retomado o BCO ainda melhor depois de mais de 2 anos fechado por conta da pandemia
Socorro: Todos os eventos que passam pelo Galpão são gratificantes e fica difícil responder porque tudo o que acontece no Galpão é especial e memorável para mim.
Brenda: Ter a ArtRio e a ArtSampa dentre minhas realizações, e através delas poder transformar vidas e dar oportunidade de uma comunicação livre para todos.
Larissa: Concretizar ideias das minhas vivências, convivências e experimentações. Conseguir executar e ver acontecer é gratificante demais.
Qual seu desafio consigo mesma nesse momento da sua carreira?
Nisa: Acreditar tanto no meu potencial quanto os outros acreditam, a famosa síndrome da impostora.
Adriana: Com certeza delegar! Não fazer tudo está sendo um grande desafio.
Socorro: Meu maior desafio é não achar que a experiência é tudo, que o que eu sei ou o jeito que eu faço é o melhor. Eu quero estar sempre atenta e aberta para aprender coisas novas. Principalmente estar disposta e não desanimar, achar que sempre vale a pena.
Brenda: Não deixar o cansaço me abater e as adversidades me congelarem. Geralmente uso minha intuição nos projetos e tem dado certo, desafio é manter esta sensibilidade.
Larissa: A autocobrança é um dos meus maiores desafios comigo mesma, mas como um todo eu vejo que o maior desafio é conseguir atingir com as marcas seu espaço e valor dentro daquele ambiente, lidando com racismo, aspecto social e validar o acesso dentro desses projetos.
O que você faz para respirar quando sente que está tudo bem não dar conta de tudo?
Nisa: Eu paro e fico em silêncio por um bom tempo, até perceber que não sou mil pessoas, assim fico mais tranquila.
Adriana: Desligo meu telefone e dedico meu tempo apenas aos meus cachorros.
Socorro: Eu leio, amo ver filmes, sair, andar na rua e uma coisa que gosto muito de fazer é recordar. Gosto de parar e recordar tudo que já fiz e já passei, e também de fazer atividades físicas.
Brenda: Vou para a natureza e respiro mesmo!
Larissa: A gente que trabalha com criatividade passa pelos bloqueios criativos e ele é feroz, né? Nesses momentos eu paro, desligo tudo e ouço música porque me inspira e me tranquiliza dentro desse caos. Eu corro para as minhas raízes, o hip hop.
Uma curiosidade sobre você que ninguém imagina?
Nisa: hahahaha! Eu faço coleção de Lego!
Adriana: Demorei 3 meses para vir trabalhar no BCO, no início era só a Nisa.
Socorro: Não mexo em nada de tecnologia, qualquer aparelhinho nem mesmo o controle remoto eu sei mexer hahaha
Brenda: Sou médica veterinária!
Larissa: Sou formada em direito e toda vez que falo as pessoas ficam em choque hahaha Se eu pudesse escolher hoje eu faria relações públicas por ter me encontrado nessa ponte de gerar conexões com empresas, projetos e pessoas. Mas foi um curso que me ajudou muito em visão de mundo!
O que te dá coragem de ser como você é?
Nisa: A vontade de deixar uma marca nesse mundo.
Adriana: Muita terapia, e acho que a idade também.
Socorro: Eu não sei o que é a coragem de ser quem a gente é, a gente apenas é e pronto. Todas as vezes que tomo uma atitude corajosa é porque tinha que ser aquilo. É sempre pouco o que a gente é, diante do que a gente é mesmo, lá no nosso interior. Se eu fosse eu, aí eu precisaria de muita coragem. Por enquanto sigo sendo o que sou e vou fazendo o que eu posso.
Brenda: Meus filhos e as transformações que já fiz na vida das pessoas.
Larissa: Minhas origens e potência que eu custei muito para ver e acreditar até eu vi que tudo que eu me envolvo funciona porque eu faço com o coração e alma porque eu entrego 100% de mim ali. Essa potência eu enxerguei, acreditei e usei ao meu favor.
Como você se vê?
Nisa: Cara eu me vejo uma pessoa que faz as coisas, chego e faço, tenho ideia e faço e saio por aí fazendo coisas. outro dia quando me elogiam eu nem entendi que era comigo, na verdade nem aceitei o elogio
Adriana: Acredito que a minha maior potência é o meu jeito de me comunicar com as pessoas. Tento ser razoável e dinâmica para facilitar a vida, principalmente nos negócios.
Socorro: Me vejo viva, trabalhando e agradecendo todos os dias quando acordo. Sempre pensando e imaginando muitas coisas na minha cabeça. Enquanto tudo isso acontece na minha cabeça eu vou vivendo e sonhando sempre. Envelhecendo sem medo da morte e assim vamos nós.
Brenda: Os 40 trazem isso de bom, você passa a se aceitar mais e a tudo ao entorno. Sou muito orgulhosa de tudo que construí até aqui e me deu bagagem para continuar, com mais experiência. Me vejo muito potente e capaz de realizar o que eu quiser, mas cada vez o meu querer é mais consciente.
Larissa: Eu acho que nunca vou ser o suficiente, pelo mundo que nos exige estar 100% e fazer mais e mais. Eu tenho enxergado minha potência e possibilidades em projetos e conexões e fazer coisas serem realizadas e me sinto feliz e me cobrado menos. Por eu ser uma mulher negra eu tenho que provar mil vezes, como minha mãe sempre me falou, mas me vejo potente e sagaz. Me cobro, mas tenho pegado leve com isso e me enxergado mais e isso vem me preenchendo cada vez mais.
Quais são suas referências criativas dentro do que você faz?
Nisa: Eu me inspiro muito nos meus amigos e na galera que convivo. Atualmente umas das pessoas que me inspiram muito são o Guilherme Durão e a Mayra Sallie
Adriana: Desde que começamos a idealizar o BCO, duas pessoas se tornaram muito marcantes na minha trajetória: a minha amiga Mayra Sallie - modelo e artista criativa que nos deu força através de sua força desde o primeiro dia até hoje e minha sócia e companheira Nisa Pinheiro, que desabrochou de uma forma impressionante, principalmente durante a pandemia, mostrando uma criatividade e flexibilidade que nos permitiu atravessar longos 18 meses e renascer mais fortes, melhores e com muitas oportunidades pelo caminho.
Socorro: São meus livros, filmes, momentos cotidianos do dia a dia que fico reparando. Uma coisa que eu adoro vivenciar é o jeito que as pessoas da comunidade dos Guararapes ficam se comunicando e brincando. Se eu fosse falar um nome seria o Pedro Almodóvar e seus filmes cheios de cores.
Brenda: Sam Keller e Peggy Guggenheim.
Larissa: Tenho como base o Kanye West, o primeiro rapper que ouvi e por ele me inspirar a acreditar em mim. Sendo um cara negro a frente de projetos criativos em setores diferentes. A Beth Gibbs da Union Los Angeles que traz muito do que quero criar que é valorizar as origens e cultivar a relevância da cultura, além de ser uma mulher negra que vem de origens parecidas com a minha. Tenho algumas pessoas nessa lista de inspiração, mas os 2 são primordiais. Às vezes eu sinto que nós estamos em uma busca eterna de não se sentir suficiente no que fazemos. Às vezes a gente se cobra tanto que não consegue enxergar e enxergar nossa potência.
Estamos onde estamos porque sonhos nos trouxeram até aqui para realizar. O que você mais tem ambição e almeja construir daqui pra frente?
Nisa: Minha ambição é levar o BCO e o meu trabalho para fora do Brasil. Expandir nosso conceito e nosso espaço para outros países sem dúvidas é o que eu almejo.
Adriana: Mais e mais espaços para que as pessoas interessantes e interessadas possam se conectar com o fim de criar uma sociedade mais culta e igualitária.
Socorro: Eu sempre achei que não era uma pessoa ambiciosa, mas, pensando sobre meu caminho e minha vida, vejo que no fundo eu fui sim e quis muitas coisas e desejos. Mesmo sem perceber sempre caminhei para realizar o que eu queria. E claro, eu acertei e errei. Hoje minha ambição é de não desistir do que eu faço, de caminhar para a criação de espaços artísticos que sejam potência no seu entorno, sua rua, seu bairro e que esse espaço seja um lugar aberto para os artistas criarem.
Brenda: Continuar dando acesso a arte, como forma de contemplação, mas também como forma de trabalho e sustento nos seus diversos segmentos.
Larissa: Meu propósito é trabalhar com cultura e levar cultura adiante e em grandes escalas, quebrando as bolhas. Quero colocar a cultura em evidência em projetos com propósito e com pessoas reais que vão para além do mundo virtual. Quero muito chegar no âmbito internacional com meu trabalho, juntando a rua e arte urbana e os espaços que ela não atinge sozinha.
Bom, com tanta mulher incrível tocando projetos potentes e necessários, espero ter levado uma inspiração e motivação para você tocar seu sonho e o que você acredita, assim como me motivou a continuar cada vez mais forte no corre!