Língua Franca: Brasil e Portugal juntos na rima
Conversamos com Emicida, Rael e a portuguesa Capicua sobre o álbum que une rappers brasileiros e d'além mar
Publicado em 05/2017
Quatro MCs, duas nacionalidades e uma só língua. O álbum “Língua Franca”, que está sendo lançado nesta sexta (26), une os rappers brasileiros Emicida e Rael com os portugueses Valete e Capicua em uma parceria que encurta a distância e aumenta a conexão entre os dois países. O álbum acabou de chegar nas plataformas digitais e, inclusive, aconselhamos que você dê play aqui no Spotify pra embalar a leitura deste Zine.
A convite da Sony Music, nos encontramos com Emicida, Rael e Capicua em uma conversa descontraída antes do pocket show de lançamento do álbum, que rolou nessa semana no terraço do escritório da VEVO, em São Paulo (SP). Nos primeiros segundos dividindo a sala com os rappers, já foi fácil sentir a afiada sintonia da amizade entre eles.
Quem juntou o grupo foi Emicida e seu irmão, Evandro Fióti. “A gente é pesquisador. Já conhecia o trabalho do Valete, que é um artista mais antigo. Depois conheci a Capicua, em um festival em Portugal, e viramos amigos”, explica Emicida. Rael também já conhecia Valete, mas só foi apresentado a Capicua quando chegou ao estúdio para a criação do disco e, segundo ele, de cara já “rolou a conexão”.
O álbum tem dez faixas e foi todo criado e gravado em apenas dez dias, em Lisboa. “Foi um laboratório muito intenso e criativo. Esse convívio gerou não só um encontro musical, mas um laço de amizade. Isso também se nota no disco”, diz Capicua.
Mas se engana quem pensa que esses dias em estúdio foram só festa entre brothers. Emicida conta que “foi tipo linha de produção. Enquanto um tava gravando, o outro tava escrevendo e o outro escolhendo uma batida. Era tipo entrar na sala e falar ‘sai daí agora porque eu tô com uma ideia de refrão e preciso gravar’. Sem treta de ego. Todos batalhando pela construção da melhor música”.
No processo, cada um contribuiu com suas melhores qualidades. Eles contam que Emicida, campeão de freestyle, era rápido e praticamente “cuspia” rimas. Rael, com sua liberdade e criatividade lírica, era como uma máquina de criar melodias e refrões. Valete é um ótimo cronista e consegue contar histórias muito bem. Já Capicua, além de ser uma excelente letrista, controlava a organização e cronograma de tudo.
“As conexões interpessoais funcionaram muito bem nesse projeto. As características de cada um faziam a gente entrar em uma sintonia única. A gente queria fazer um bagulho bom, que as pessoas iam querer ouvir”, diz Rael.
Marra brasileira vs. tradição portuguesa
Para Capicua, acompanhar o ritmo dos brasileiros não foi fácil. “Foi uma lição de rap”, brinca ela. Enquanto Emicida e Rael são mais intuitivos, ela sentia gritar seu lado português mais ponderado.
“Eles são muito rápidos. Vão fazendo no ‘vamo que vamo que vamo’. O brasileiro tem essa forma descontraída de brincar com as palavras e fazer música. Aqui, vocês são muito expostos a estímulos. É um país muito grande, com muita coisa e muita diversidade. Há sempre expressões novas, a rapidez com que a língua muda é muito mais acelerada e intensa. A minha forma de viver é diferente, mais cerebral, tenho um respeito maior pelas palavras. É como se elas fossem frascos de vidro, que preciso carregar com cuidado para não quebrar”, explica Capicua, que é interrompida por Emicida: “O português é tradicionalista e conservador, busca sempre o uso correto ortodoxo da língua. É mais analítico e quadradinho mesmo”.
“A língua portuguesa do Brasil, que prefiro chamar de brasileiro, é viva. A gente molda de acordo com a necessidade. Ela é elástica”, fala Emicida. “Ao mesmo tempo, sendo a mesma língua, com a mesma raiz, podemos nos comunicar e misturar o português de Porto com o da periferia de São Paulo. Esse disco é uma grande oportunidade que temos de mostrar essa diversidade”, finaliza Capicua.
Emicida explica que as letras do álbum falam sobre tudo. “Por que nóis é material perecível, é carga viva! A gente tá em contato com o mundo, se conectando com uma pá de realidade. A gente pega vários temas universais e entrega várias perspectivas deles. É legal como a poesia de uma mulher de Portugal conversa com a do cara daqui. Isso é que vai universalizando a parada”.
Encantando Caetano
O álbum mal foi lançado e já tem um padrinho. “Língua Franca” tocou o coração de Caetano Veloso de cara. Além de ter postado vídeos nas redes sociais, a lenda da MPB assina o release do projeto, que é cheio de elogios.
Os rappers contam que se sentem honrados e sem palavras para descrever a emoção de ter conquistado os ouvidos de um grande músico, letrista e ídolo da música nacional. “A gente também adora o Caetano. Ele é um artista atemporal. Estamos várias gerações atrás dele e ele consegue se conectar com a gente. Comparar o tanto de coisa que ele já viveu e a gente aqui, engatinhando ainda”, reflete Rael.
Mais conexões
O álbum com os rappers portugueses é o primeiro registro que permite novas possibilidades. A ideia é conseguir inspirar outros artistas a fazerem algo parecido. Eles contam que juntar todos os países que falam português em um único projeto é algo que ainda não está no horizonte profissional, mas que pode acontecer. Estamos na torcida pra que role!