Larissa Luz e Rael dão aula em show no Circo Voador
Dupla subiu ao palco e fez chover boas referências para o público carioca
Publicado em 04/2017
Nem parecia que chovia no Circo Voador na última sexta-feira (07), o calor da galera animada com os shows da Larissa Luz e Rael anulou qualquer toró. Antes de começar o show de abertura da Larissa Luz, conversei com o Rael por dois minutos (que pra mim pareceram meia hora). O cantor lançou, no ano passado, o álbum "Coisa Do Meu Imaginário" e, agora, o clipe "#MinhaLei".
Primeiro, perguntei: "Se o rap é a sua lei e você sabia disso desde moleque, o que mudou na sua vida desde que aprendeu a viver dentro dessa cartilha?".
Com um sorriso meio de canto de boca, Rael respondeu: “O rap, na verdade, pra mim, é um resgate de identidade. Quando comecei a ouvir rap, com meus 8 anos de idade, era uma época em que o racismo e a diferença social eram muito fortes, mas não tinha ninguém pra trocar ideia sobre isso. Por exemplo, os caras falavam: “ô, negrinho do pastoreio, não entra água no seu cabelo”, e eu não tinha resposta. Quando eu comecei a ouvir Racionais, eu tive resposta, ali que comecei a deixar o cabelo crescer. Minha mãe não falava de racismo em casa, na escola também não…era só zoeira. Então o rap começou a ser minha lei, ser uma arma, ser um gênero, um estilo que me acolheu, nem um pai ou a escola me deram. Hoje eu sou um cara melhor. Hoje deixei de ser o negrinho do pastoreio que as pessoas falavam. Hoje eu sou o Rael dentro da lei do rap. Que gosta da música, do respeito entre os seres, independente de cor, de raça ou de sexo”.
Pra fechar o papo com esse monstro, perguntei que coisas passavam em seu imaginário antes de subir no palco da lona mais famosa da cidade. Com um tom de bom astral, ele disse: “Só coisa boa! Pra mim é sempre uma honra tocar aqui. Quando eu venho tocar no Circo, não sou eu quem faz o show, são as pessoas, véi! Elas que cantam. É uma troca maravilhosa, me sinto privilegiado”.
Humilde que só, agradeceu pelas minhas críticas ao novo CD (que está maravilhoso, gente!)
Nos despedimos, voltei para o palco porque já começar o show da Larissa Luz.
Não conhecia a baiana antes do show e, pelos olhares curiosos, o público também não. Mas ela veio arretada, em passos firmes, com aquela energia presente de quem ocupa qualquer território porque é boa e faz o que ama com verdade. Ali foi onde começou a primeira aula da noite. Larissa iluminou o palco, mas também trouxe muito soco na cara em forma de música do seu CD "Território Conquistado".
Falou do feminismo negro, de fome, da liberdade sem medo, do absurdo que é ter medo por ser mulher, falou de abuso sexual, do short curto que não é convite. Fora as referências lindas, como a escritora Carolina de Jesus e a música da maravilhosa Sister Nancy. O público completamente envolvido com a performance misturada daquela guitarra psicodélica que não passou batida. Que flow a banda tinha!
Quando acabou, conversamos no camarim. Já cheguei a parabenizando: “Que show, mulher. Que aula!”. Ela, gentilmente, sorriu e me agradeceu. Disse que tinha preparado umas perguntas sobre empoderamento, mas que, depois da aula no palco, eu tinha que apenas saber sobre o processo de criação daquelas coisas boas que ela tinha apresentado naquela noite.
"O meu processo de composição é assim: eu escrevo as letras e meus parceiros cuidam da melodia. Fui criando todas as letras depois que eu vi que o conceito era em cima do emponderamento feminino negro. Comecei a perceber as questões todas que rodeavam esse tema e fui compondo e pontuando cada coisa que fazia parte desse universo, como a violência contra a mulher, a sororidade, sobre a gente se conhecer, conhecer nosso corpo e exigir respeito sobre ele".
Mostrei minhas anotações sobre o show. Lá estava: “fone à prova de empoderamento”. Larissa riu alto. Foi um comentário dela, durante o show, feito quando seu fone já havia caído duas vezes por conta da sua performance no palco. E, sim, Larissa, você precisa de um fone à sua altura. É muita pressão pra pouco fone. Risos.
Pra finalizar o nosso papo, disse à ela que foi lindo seu gesto de agradecimento ao Rael pela oportunidade. E eu a agradeci pela oportunidade de conhecê-la. Nos abraçamos e eu já voltei pro Circo com o Rael levando o público a loucura com a música “Ser Feliz”.
Ali começava a segunda parte da aula. É que ele nos lembrou que o “hip-hop é foda”, que todo dia “é dia de ver, de se organizar”, que “não basta querer, tem que saber chegar”. Fez refletir quando cantou “eu vejo um monte de crítico, analfabeto político” e que “do jeito que as coisas são, do jeito que as coisas andam”, é melhor falar de amor - e ele falou. Cantou “Envolvidão” e “Ela Me Faz” pra embalar os casais da plateia - que eram muitos, inclusive. E, como uma reza, nos ensinou que "quem tem fé e acredita na conversação, na força dessa oração, na palavra transformação" chega lá.
"Saravá, axé, amém."