Ghetto Run Crew - Respeito e Transformação
Nos vemos na Rua
Publicado em 04/2019
Vamos começar pelo seguinte ponto: estávamos correndo nas ruas da mesma forma que corremos em qualquer quebrada, escutando funk alto e curtindo o rolé. Porém observei que havia uma diferença: as pessoas no trânsito não jogavam o carro em cima; as calçadas não eram tão esburacadas quanto no subúrbio e não havia lixo no meio do caminho.
Acontece que a Cidade do Rio de Janeiro, depois do túnel, é financeiramente próspera. Guarde essa frase.
Entenda: o principal território de atuação do C-O-R-R-E é a periferia, o subúrbio, a comunidade, a favela. Espaços considerados “áreas de risco”. Toda a nossa essência e visão de mundo partem do ponto de que nunca temos fácil acesso a nada, nos relacionamos através de experiências da rua, precisamos correr duas vezes mais para chegarmos como iguais. Ocupamos todos esses territórios de forma transformadora. Terror nenhum.
Agora eu te pergunto: o que um grupo de pessoas que dizem ser O Ghetto Run Crew estava fazendo em um hotel na Delfim Moreira?
Tudo começou com um “tá aê?” às 2 horas da madrugada duma sexta dessas. Eu senti que viria uma intimação, mas a sensação era boa. Falei “oi” e respondi que estava. Fui questionada se queria fazer uma coisa que nunca fiz na minha vida. Sinceramente, não sei quantas vezes isso aconteceu.
Escrevendo estas linhas, percebi que essa conversa resume o Ghetto Run Crew. Quis perguntar “por que eu?”, mas digitei e apaguei. Respondi que queria fazer. Ele, Junior Negão, disse que eu poderia recusar, mas já era, tarde demais. A situação era a seguinte: Leblon, um dos bairros com o metro quadrado mais caro do BR, vs Verão de 40º do Rio de Janeiro vs Um pessoal de preto correndo nas ruas com uma caixinha de som tocando funk (explícito).
Até o dado momento, qualquer um ficaria sem entender nada. Nem o porquê de se correr de preto no calor, nem a escolha do funk, nem o motivo de se correr no canto da rua, bairro adentro, já que tinha uma ciclovia em linha reta enorme na beira do mar com aquela vista meiga da praia do Leblon.
Ok, voltando à conversa, recebi o áudio de 2 pessoas contando como foi o corre daquele dia. Escutei com atenção: “uma experiência boa”, “diferente”, “doida”, “me senti integrada à cidade”, “passei em frente à loja da marca super cara X e eu estava correndo à vontade”. Beleza!
Corremos em Caxias, Olaria, Vila Vintém, Centro do RJ e Centro de SP, Abolição, Madureira, São Cristóvão, entre diversos outros lugares e espaços. Todos eles com suas particularidades, mas todos num ambiente em que me senti conectada e familiarizada. Por tudo a meu redor não ser farto, eu me dou bem com a dificuldade e com pessoas marrentas. Para alguns, o local influencia no comportamento; para nós, a postura é a mesma em qualquer ocasião. E, de fato, conseguimos estar onde queremos, exatamente do jeito que gostamos: da maneira mais confortável possível.
Não temos cara, forma ou padrão. Somos heterogêneos, mulheres, homens e seus diferentes posicionamentos de gênero e cultura, que ocupam lugares profissionais pela sua competência, transformando a Rua e as pessoas. Nos encaixamos onde não querem e falamos da injustiça que incomoda. Corremos nas ruas de qualquer cenário do mesmo jeito.
E, no final, fazemos a bagunça de sempre.
Dessa vez, o Dj Kalil Motta ficou na responsa do som e o Hotel Janeiro nos recebeu com carinho e cuidado. E foi assim por quatro edições no mesmo local, onde tivemos Luan, Kajaman e Totonete que, assim como Kalil, defenderam nossas diversas formas de manifestação musical no fim do corre.
Resumo da obra: nos conectamos a todos os extremos. Me diverti e fiquei à vontade com os mesmos irmãos e irmãs que estavam em Olaria, Vila Vintém, Centro do RJ, Centro de SP e por aí vai. Porque não importa onde, a cidade é de todas e todos.
Segue a máxima, e ainda bem por isso: nos vemos na Rua, juntos!