Coleção Itaú de Fotografia Brasileira
A exposição narra uma história que a gente finge que sabe sobre.
Publicado em 04/2013
Já que a missão de falar sobre fotografia ficou comigo, vou aproveitar pra já começar chegando na voadora, chutando mais de 60 anos de produção nacional na cara de vocês.
Está rolando em SP uma exposição que já passou pela importante Maison Européenne de la Photographie (chique, né?) em Paris, e pelo histórico Paço Imperial no Rio. A "Coleção Itaú de Fotografia Brasileira" pousa agora renovada no Instituto Tomie Ohtake. O curador Eder Chiodetto mergulhou em um acervo de mais ou menos 12 mil obras e trouxe pra gente 94 fotos que representam a produção artística da fotografia brasileira desde a década de 40 até hoje.
O foco (trocadilho fotográfico clássico que jamais será feito novamente neste zine) da exposição é a produção mais experimental, o que explica o quase vazio do período da ditadura militar, quando a fotografia foi mais documental por aqui. Digo "quase" vazio porque mesmo durante esse período lá estava gente como Boris Kossoy fugindo um pouco da fotografia como documento com a série "Viagem pelo fantástico", criticando a ditadura por meio das imagens.
Dos fotoclubistas modernos a artistas contemporâneos que usam a fotografia como suporte, o curador foge da ordem cronológica e mostra esses 60 anos de fotografia relacionando os trabalhos de ontem e de hoje, apresentando a evolução da linguagem fotográfica no Brasil de uma forma não linear, mas, segundo ele, “em vertiginosas espirais desenhadas pelo tempo e pela cultura”. A idéia é colocar os caras que produziam antes da ditadura bem do lado dos autores que vieram depois e procurar conexões estéticas e conceituais.
Na primeira parte da exposição a gente vê uma temática mais urbana, enfatizando a arquitetura modernista da Escola Paulista. É onde a gente encontra, por exemplo, Geraldo de Barros (1923-1998), que é um dos mais importantes artistas do concretismo brasileiro e um dos primeiros por aqui a experimentar a fotografia de uma forma mais abstrata e não só documental, dividindo o espaço com Rubens Mano (1960), excelente artista contemporâneo que, além da fotografia, tem no currículo de instalação em galeria de arte a intervenção urbana no centro de São Paulo.
A segunda parte é quando a gente olha pra dentro. São obras que colocam o homem e sua identidade como assunto principal. Vocês que me desculpem pela falta de imparcialidade jornalística (até porque não sou jornalista mesmo), mas é aqui que eu vou às forras. Nessa sala a gente encontra Claudia Andujar, que eu sou fã e pago pau mesmo. Depois que se naturalizou brasileira (ela nasceu na Suíça) atuou como fotojornalista na década de 60, mas em meados da década de 70 é que a coisa tomou outro rumo, quando foi trabalhar com os Yanomami. Claudia cria laços tão fortes que a passa a dedicar a vida para preservar a cultura e o povo Yanomami, e isso indiscutivelmente se reflete nas fotos. Só de ficar olhando as três que estão expostas nessa sala quase entro no mesmo transe xamânico que a série "Sonhos Yanomami" representa. Além dela, na mesma sala tem Miguel Rio Branco, outro da lista dos meus favoritos. Nascido na Espanha, veio para o Brasil na década de 60 e hoje trabalha no Rio. É um dos fotógrafos que transcende qualquer fronteira e leva seu trabalho mundo afora.
Resumindo: se você tem algum interesse por fotografia, todos os nomes que você tem uma certa obrigação de conhecer estão nessa exposição. Tem Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, German Lorca, Boris Kossoy, Miguel Rio Branco, Claudia Andujar, Mario Cravo Neto e mais um monte de gente que ajudou a trazer a fotografia brasileira pra onde ele está hoje. "E onde ela está hoje?", você me pergunta. O que não falta é gente produzindo coisa boa e vários editais e concursos que podem dar suporte e visibilidade para bons trabalhos. Governo e empresas privadas estão como nunca investindo na fotografia, que arrombou as portas dos museus, centros culturais e galerias de arte e já saiu abrindo a geladeira e pegando uma cerveja, cheia de intimidade. O cenário é mais que favorável para quem experimenta e, principalmente, quem tem o que dizer. Mas a gente conversa sobre isso numa outra oportunidade. Por enquanto, vá ver a exposição no Instituto Tomie Ohtake e se encha de boas referências!